Analectos - Confucio - Livro em portugués
Analectos - Confucio - Livro em portugués
Agradecimentos
Quero agradecer às seguintes pessoas por terem lido parcial ou
integralmente algum dos muitos rascunhos pelos quais esta tradução passou e por
terem tecido suas críticas: Roger Ames, Bill Atwell, Heather Karmay, Diana
Larry, Ralph Smith e George Wey s. Devo agradecimentos especiais a Paul
Thompson, cuja atenta leitura crítica de um dos tratamentos resultou em uma
versão final muitíssimo melhorada, e ao meu irmão, T. C. Lau, que, durante
minhas muitas visitas a Hong Kong, estava sempre disposto a interromper seu
próprio trabalho para debater comigo difíceis questões de interpretação e
tradução.
Introdução
Apesar de sua imensa importância na tradição chinesa, poucas das
informações sobre Confúcio são de fato comprovadas. O texto canônico sobre
sua vida é a biografia que integra a obra de Ssu-ma Chien Shih chi (Arquivos
históricos), concluída no início do século 1 a.C., mas nessa época tantas lendas já
pairavam ao redor da figura do sábio que pouca certeza se pode ter em relação a
qualquer um desses acontecimentos que não são confirmados por fontes
anteriores e independentes. Sendo esse o caso, podemos considerar confiáveis
apenas o que é possível concluir a partir do próprio Lun yü conhecido como Os
analectos de Confúcio e do Tso chuan (O comentário Zuo dos Anais do Período
de Primavera e Outono[1]). Os textos de Mêncio podem ser usados como uma
fonte suplementar. Os fatos são escassos.
Diz-se que Confúcio descendia de uma família nobre no reino de Sung.[2]
Nos primeiros anos do século 8 a.C., um dos ancestrais de Confúcio morreu
quando o duque de Sung, que era seu superior, foi assassinado; seus descendentes
fugiram para o reino de Lu e se estabeleceram na cidade de Tsou. No Tso chuan
do décimo ano do duque Hsiang, está registrado que um tal de Shu He de Tsou
teria segurado o portão da muralha com as próprias mãos enquanto seus amigos
fugiam. O Shih chi, entretanto, dá o seu nome como Shu Liang He e acrescentou
ainda a informação de que ele era o pai de Confúcio. Sobre a mãe de Confúcio,
nada de certo se sabe.
Kung Chiu ou Kung Chung-ni [Kong Fuzi], comumente conhecido no
Ocidente como Confúcio, ou Confucius, nasceu em 552 ou 551 a.C. e ficou órfão
muito cedo. Da sua juventude pouco se sabe, exceto que era pobre e que gostava
de estudar. Ele disse: Eu era de origem humilde quando jovem. É por isso que
tenho várias habilidades manuais (Livro IX.6), e Aos quinze anos, dediquei-me
de coração a aprender (Livro II.4). No ano 517 a.C., o duque Chao de Lu teve
de fugir do reino depois de uma malfadada tentativa de enfrentar a família Chi
na guerra. É provável que tenha sido por essa época, quando tinha 35 anos, que
Confúcio foi para Chi. Se ele o fez, logo voltou a Lu.
Foi na época do duque Ting, de Lu (por volta de 509-494 a.C.) que ele se
tornou o chefe de polícia de Lu. Durante a sua gestão, aconteceram dois eventos
que estão registrados no Tso chuan. Primeiro, ele acompanhou o duque em uma
reunião com o duque Ching de Chi e obteve uma vitória diplomática. Segundo,
ele foi responsável pela desistência de se destruir a principal cidade de cada uma
das três poderosas famílias nobres.
Foi provavelmente no ano de 497 a.C. que Confúcio deixou o reino, ou o
Reino, de Lu, para só retornar treze anos depois. Um relato é dado em Os
analectos sobre por que ele deixou Lu: Os homens de Chi enviaram de presente
moças cantoras e dançarinas. Chi Huan Tzu aceitou-as e não foi à corte durante
três dias. Confúcio foi embora (XVIII.4). No Mencius, entretanto, um relato
diferente é feito. Confúcio era o chefe de polícia de Lu, mas não lhe foi dada
uma parte sequer da carne do animal sacrificado. Ele abandonou o reino sem
sequer tirar o chapéu cerimonial. O comentário de Mêncio foi: Aqueles que
não o entenderam pensaram que ele agia de tal forma por causa da carne, mas
aqueles que o entenderam perceberam que ele partiu porque Lu não soube
observar os ritos devidamente.[3] Como Mêncio provavelmente tinha razão em
pensar que Confúcio partira com algum pretexto claro, não precisamos ficar
surpresos se não há consenso sobre qual era esse pretexto.
Confúcio primeiro foi para Wei e, durante os anos seguintes, visitou vários
outros reinos, oferecendo conselhos aos senhores feudais. Sem lograr êxito,
voltou para Wei em 489 a.C. Não é possível determinar quanto tempo Confúcio
ficou em cada reino, já que as poucas evidências que existem a respeito tendem
a ser conflitantes. Confúcio finalmente retornou para Lu em 484 a.C., quando
contava já 68 anos. Dando-se por fim conta de que não havia esperanças de
conseguir colocar suas ideias em prática, ele devotou o resto de sua vida ao
ensino. Seus últimos anos foram entristecidos primeiro pela morte do seu filho,
depois pela morte do seu discípulo favorito, Yen Hui, ainda muito jovem.
Confúcio faleceu em 479 a.C.
Mas nos concentremos nos ensinamentos de Confúcio. Filósofos
interessados no campo da moral geralmente podem ser divididos em dois tipos:
aqueles que se interessam pela essência moral e aqueles que se interessam pelos
atos morais. Confúcio com certeza tem mais a dizer sobre a essência moral do
que sobre atos morais, mas isso não significa que a correção dos atos seja, em
última instância, desimportante dentro da sua filosofia. Mas significa, sim, que
em qualquer apreciação da filosofia de Confúcio é razoável começar com suas
visões sobre a essência da moralidade.
Antes que comecemos a ver o que Confúcio tem a dizer sobre a essência
moral, é conveniente, antes de mais nada, falar sobre dois conceitos que já eram
correntes na época de Confúcio: o Caminho (tao) e a virtude (te). A importância
que Confúcio atribuía ao Caminho pode ser percebida na seguinte observação:
Não viveu em vão aquele que morre no dia em que descobre o Caminho
(IV.8). Usado nesse sentido, o termo Caminho parece cobrir a soma total de
verdades sobre o universo e sobre o homem; e não apenas do indivíduo mas
também do Estado diz-se que possui ou não o Caminho. Como se trata de algo
que pode ser transmitido de professor para discípulo, é necessariamente algo que
pode ser colocado em palavras. Entretanto, há um outro sentido, ligeiramente
diferente, no qual o termo é usado. O Caminho é dito, também, como sendo o
caminho de alguém, por exemplo, os caminhos dos antigos reis (I.12), o
caminho do rei Wen e do rei Wu (XIX.22), ou o caminho do Mestre (IV.15).
Quando for esse o caso, caminho naturalmente pode apenas ser tomado como
algo que significa o caminho seguido pela pessoa em questão. Já o Caminho,
escolas de pensamento rivais declaravam tê-lo descoberto, mesmo que aquilo
que cada escola dizia ter descoberto se mostrasse uma coisa diferente da outra. O
Caminho, então, é um termo altamente subjetivo e se aproxima muito do termo
verdade, tal como é encontrado nas escrituras filosóficas e religiosas do
Ocidente.
Parece haver poucas dúvidas de que a palavra te, virtude, seja uma
palavra homófona à palavra te, conseguir[4]. Virtude é uma bênção que o
homem recebe do Céu[5]. A palavra era usada nesse sentido quando Confúcio,
mediante um atentado à sua vida, disse: O Céu é o autor da virtude que há em
mim (VII.23), mas o uso da palavra nesse sentido é raro em Os analectos. Na
época de Confúcio, o termo provavelmente já tinha se tornado uma palavra
carregada de significado moral. Trata-se de algo que alguém cultiva e que
permite a tal pessoa governar bem um reino. Uma das coisas que causava
preocupação a Confúcio era, de acordo com ele próprio, seu fracasso em
cultivar a própria virtude (VII.3). Ele também disse que, se um homem guiasse o
povo por meio da virtude, o povo não apenas reformaria a si próprio como
desenvolveria um sentimento de vergonha (II.3).
Tanto o Caminho quanto a virtude eram conceitos correntes antes de
Confúcio e, na época dele, já tinham, provavelmente, uma certa aura. Ambos,
de alguma forma, originam-se do Céu. É talvez por essa razão que, embora ele
tenha dito poucas coisas concretas e específicas sobre qualquer um desses
conceitos, Confúcio, ainda assim, atribuiu a eles grande importância no seu modo
de ver o mundo. Ele disse: Aplico meu coração no caminho, baseio-me na
virtude, confio na benevolência para apoio e encontro entretenimento nas artes
(VII.6). Benevolência é algo cujo alcance depende totalmente de nossos próprios
esforços, mas virtude é, em parte, um presente do Céu.
Por trás da busca de Confúcio da essência ideal da moral, subjaz o nãofalado
e, portanto, inquestionado pressuposto de que o único objetivo que um
homem pode ter e também a única coisa válida que pode fazer é tornar-se um
homem tão bom quanto possível. Isso é algo que tem de ser perseguido somente
pelo próprio valor intrínseco e com completa indiferença quanto ao sucesso ou
fracasso. Diferentemente de mestres religiosos, Confúcio não podia pregar
nenhuma esperança de recompensa, neste mundo ou no outro. No que tange à
vida após a morte, a atitude de Confúcio pode, na melhor das hipóteses, ser
descrita como agnóstica. Quando Tzu-lu perguntou como os deuses e os espíritos
deveriam ser servidos, o Mestre respondeu que, como ele não era apto a servir os
homens, como poderia ele servir os espíritos? E quando então Tzu-lu perguntou
sobre a morte, o Mestre respondeu que, como não compreendia a vida, como
poderia entender a morte? (XI.12). Isso mostra, no mínimo, uma relutância da
parte de Confúcio em se comprometer com o assunto da existência após a morte.
Embora sem dar aos homens qualquer segurança de uma vida após a morte,
Confúcio, entretanto, fez deles grandes exigências morais. Ele disse do
cavalheiro[6] de valor e do homem benevolente que ao mesmo tempo em que
é inconcebível que eles busquem permanecer vivos graças à benevolência, pode
acontecer que tenham de aceitar a morte para conseguirem realizar a
benevolência (XV.9). Quando tais exigências são feitas a homens, pouco
surpreende que um dos discípulos de Confúcio tenha considerado que o fardo de
um Cavalheiro é pesado, e sua estrada, longa, pois o fardo dele é a
benevolência, e a estrada só chegava ao fim com a morte (VIII.7).
Se um homem não pode ter certeza sobre uma recompensa após a morte,
tampouco pode ter certeza sobre o sucesso das ações morais da sua vida. O
porteiro do Portão de Pedra perguntou a Tzu-lu, o Kung que continua
perseguindo um objetivo que ele sabe ser impossível? (XIV.38). Em outra
ocasião, depois de um encontro com um preso, Tzu-lu foi levado a apontar: O
cavalheiro aceita um cargo oficial para cumprir seu dever. Quanto a colocar o
Caminho em prática, ele sabe o tempo todo que é uma causa perdida (XVIII.7).
Já que, ao ser um ente moral, um homem não pode estar seguro de uma
recompensa nem pode ter garantia de sucesso, a moralidade é algo a ser
perseguido por ela mesma. Essa é, talvez, a mensagem mais fundamental dos
ensinamentos de Confúcio, uma mensagem que diferenciou os seus
ensinamentos daqueles de outras escolas de pensamento da China antiga.
Para Confúcio, não há apenas um tipo de caráter ideal, mas uma variedade
deles. O mais alto é o sábio (sheng jeng). Esse ideal é tão alto que quase nunca se
realiza. Confúcio alegava que ele próprio não era um sábio e dizia que nunca
havia visto tal homem. Ele disse: Como posso me considerar um sábio ou um
homem benevolente? (VII.26). A única vez que ele indicou o tipo de homem
que mereceria o adjetivo foi quando Tzu-kung lhe perguntou: Se houvesse um
homem que desse generosamente ao povo e trouxesse auxílio às multidões, o que
você pensaria dele? Ele poderia ser considerado benevolente? A resposta de
Confúcio foi: Nesse caso não se trata mais de benevolência. Se precisa
descrever tal homem, sábio é, talvez, a palavra adequada (VI.30).
Mais abaixo na escala estão o homem bom (shan jen) e o homem
completo (cheng jen). Mesmo o homem bom Confúcio alegava não ter visto,
mas o termo homem bom parece se aplicar essencialmente a homens
responsáveis pelo governo, como quando ele disse, por exemplo: Como é
verdadeiro o ditado que diz que depois que um reino foi governado durante cem
anos por bons homens é possível vencer a crueldade e acabar com a matança!
(XIII.11) e Depois que um homem bom educou o povo por sete anos, aí então
eles estarão prontos para pegar em armas (XIII.29). Na única ocasião em que
lhe perguntaram sobre o caminho do homem bom, a resposta de Confúcio foi um
tanto obscura (XI.20). Quanto ao homem completo, ele é descrito em termos que
não lhe são exclusivos. Ele, à vista de uma vantagem a ser obtida, lembra-se do
que é certo e em face do perigo, está pronto para dar a própria vida (XIV.12).
Termos similares são utilizados para descrever o Cavalheiro (XIX.1).
Não há dúvida, entretanto, que o tipo de caráter moralmente ideal para
Confúcio é o chün tzu (cavalheiro), conforme é discutido em mais de oitenta
capítulos em Os analectos. Chün tzu e hsio jen (pequeno homem) são termos
correlativos e contrastantes. O primeiro é usado para homens de autoridade,
enquanto o último aplica-se aos homens que são governados.[7] Em Os
analectos, entretanto, chün tzu e hsiao jen são termos essencialmente morais. O
chün tzu é o homem com uma moral cultivada, enquanto hsiao jen é o oposto.
Vale a pena acrescentar que os dois usos, indicando o status social e moral, não
são exclusivos e, em casos específicos, é difícil ter certeza se, além das
conotações morais, esses termos também não podem carregar sua conotação
social comum.[8]
Como o cavalheiro é o caráter moral ideal, não se deve esperar que um
homem possa se tornar um cavalheiro sem muito trabalho ou cultivo, como os
chineses dizem. Há um considerável número de virtudes que um cavalheiro deve
ter, e a essência dessas virtudes é frequentemente resumida em um preceito.
Para ter uma total compreensão do caráter moral de um cavalheiro, precisamos
olhar detalhadamente para as variadas virtudes que ele precisa possuir.
Benevolência (jen) é a qualidade moral mais importante que um homem
pode ter. Embora o uso desse termo não tenha sido uma inovação de Confúcio, é
quase certo que a complexidade de seu conteúdo e a preeminência que atingia
entre outras qualidades morais sejam devidas a Confúcio. A ideia de que é a
qualidade moral que um cavalheiro precisa possuir fica claro no seguinte
provérbio:
Se o cavalheiro abandona a benevolência, de que modo pode ele construir
um nome para si? Um cavalheiro nunca abandona a benevolência, nem mesmo
pelo pouco tempo que demora para se comer uma refeição. Se ele se apressa e
tropeça, pode-se ter certeza de que é na benevolência que ele o faz (IV.5).
Em alguns contextos o cavalheiro e o homem benevolente são termos
quase intercambiáveis. Por exemplo, é dito que o cavalheiro é livre de
preocupações e medos (XII.4), enquanto em outra passagem é do homem
benevolente que se diz que não tem preocupações (IX.29, XIV.28). Como a
benevolência é um conceito tão central, naturalmente espera-se que Confúcio
tenha muito a dizer a respeito. Quanto a isso, as expectativas são cumpridas. Em
nada menos do que seis ocasiões Confúcio respondeu perguntas diretas sobre
benevolência, e, como Confúcio tinha o hábito de formular suas respostas
levando em consideração as necessidades específicas da pessoa que fazia a
pergunta, essas respostas, tomadas em conjunto, nos fornecem um quadro
razoavelmente completo.
O ponto essencial sobre a benevolência é encontrado na resposta de
Confúcio para Chung-kung:
Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si próprio.
(XII.2)
Essas palavras foram repetidas em outra ocasião.
Tzu-kung perguntou: Existe uma palavra que possa ser um guia de
conduta durante toda a vida de alguém?. O Mestre disse: Talvez, a
palavra shu. Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si
próprio. (XV.24)
Considerando as duas frases conjuntamente, podemos ver que shu é parte
da benevolência e, como tal, é de grande importância nos ensinamentos de
Confúcio. Isso é confirmado por uma frase de Tseng Tzu. À observação do
Mestre de que apenas um fio amarrava o seu caminho, Tseng Tzu acrescentou a
explicação: O caminho do Mestre consiste em chung e shu. Isso é tudo (IV.
15). Há outra frase que é, na verdade, também sobre shu. Em resposta a uma
pergunta de Tzu-kung, Confúcio disse:
Mas, por outro lado, um homem benevolente ajuda os outros a firmarem
sua atitude do mesmo modo que ele próprio deseja firmar a sua e conduz
os outros a isso do mesmo modo que ele próprio deseja chegar lá. A
capacidade de tomar o que está ao alcance da mão como parâmetro pode
ser considerado o método da benevolência. (VI.30)
Daí podemos ver que shu é o método de descobrir aquilo que os outros
desejam ou não desejam que seja feito para eles. O método consiste em tomar a
si mesmo aquilo que está ao alcance da mão como uma analogia[9] e se
perguntar sobre o que gostaríamos ou não, caso estivéssemos no lugar do outro.
Shu, entretanto, não pode ser toda a benevolência, já que se trata apenas do
método de aplicação. Tendo descoberto o que a outra pessoa desejaria ou não,
fazer aquilo que pensamos que a pessoa desejaria ou evitar fazer à pessoa aquilo
que acreditamos que ela não desejaria depende de algo mais do que o shu. Como
o caminho do Mestre consiste de chung e shu, em chung temos o outro
componente da benevolência. Chung é fazer o melhor de que alguém é capaz, é
dar o melhor de si, e é por meio do chung que uma pessoa põe em prática aquilo
que descobriu pelo método de shu. Tseng Tzu disse em outra ocasião, Todos os
dias, examino a mim mesmo sob três aspectos e, desses, o primeiro é: Naquilo
que fiz pelo bem-estar do outro, falhei em ser chung? (I.4). Outra vez, quando
questionado sobre como um ministro deveria servir seu governante, a resposta de
Confúcio foi a de que ele deveria servir seu governante com chung (III.19).
Finalmente, também é dito que ao tratar com os outros uma pessoa deveria ser
chung (XIII.19). Em todos esses casos, não resta absolutamente nenhuma dúvida
de que chung significa dar o melhor de si.[10]
Outra resposta que Confúcio deu a uma pergunta sobre a benevolência foi
Ame seus semelhantes (XII.22). Como ele não elaborou o pensamento, o
significado não é muito claro. Mas felizmente ele usou essa frase novamente em
duas outras ocasiões. Em I.5 ele disse: Ao governar um reino com mil
carruagens (...) evite gastos excessivos e ame os seus semelhantes; empregue o
trabalho do povo apenas nas épocas certas. Outra vez, o Mestre, segundo Tzuy
u, disse: o cavalheiro instruído no Caminho ama seus semelhantes e que os
homens vulgares instruídos no Caminho são fáceis de serem comandados
(XVII.4). No primeiro caso, o amor pelo semelhante (jen) é contrastado com o
emprego das pessoas comuns (min) nas estações corretas, enquanto no segundo
caso o cavalheiro que ama seus semelhantes é contrastado com o homem vulgar
que é fácil de ser comandado. Se lembrarmos que homem vulgar
provavelmente não era a mesma coisa que pessoa comum ou povo, não
podemos eliminar a possibilidade de que, quando Confúcio definiu benevolência
em termos de amar o seu semelhante, ele não tinha em mente as pessoas
comuns.[11] Mesmo se for esse o caso, não é tão estranho quanto parece à
primeira vista, e, para ver a questão em perspectiva, devemos primeiramente
dar uma olhada nas bases do sistema moral de Confúcio.
Confúcio tinha uma profunda admiração pelo duque de Chou[12], que,
como regente dos primeiros anos do reino de seu jovem sobrinho, rei Cheng, foi
o arquiteto do sistema feudal Chou, uns quinhentos anos antes da época de
Confúcio. Não é objetivo desta introdução discutir em detalhes a influência do
duque na sociedade chinesa e no sistema político chinês. Basta simplesmente
chamar a atenção para a sua mais importante contribuição, o sistema de herança
de clãs conhecido como tsung fa. Sob esse sistema, a sucessão passa da esposa
principal ao filho mais velho. Filhos mais jovens ou filhos de concubinas tornamse
fundadores de seu próprio clã. De modo que os senhores feudais têm uma
dupla relação com o rei. Em termos de relações políticas, são vassalos, ao passo
que em termos de laços sanguíneos são a cabeça de uma ramificação do clã
real. Obrigações políticas têm sua raiz nas obrigações familiares. O sistema
social fundado pelo duque de Chou provou sua solidez com a durabilidade da
dinastia Chou.
Seguindo os passos do duque de Chou, Confúcio fez do amor natural e das
obrigações entre membros da família a base da moralidade. As duas relações
mais importantes dentro da família são aquelas entre pai e filho e entre irmão
mais velho e irmão mais novo. O amor que alguém dedica aos seus pais é hsiao,
enquanto o respeito devido ao irmão mais velho é ti. Se um homem é um bom
filho e um bom irmão em casa, pode-se esperar que se comporte bem em
sociedade. Tzu-y u disse:
É raro um homem que é bom como filho (hsiao) e obediente (ti) como
jovem ter a inclinação de transgredir contra seus superiores; não se sabe
de alguém que, não tendo tal tendência, tenha iniciado uma rebelião. (I.2)
Ele continua até formular a conclusão lógica de que ser um filho bom e
um jovem obediente é, talvez, a raiz do caráter de um homem.
No confucianismo posterior, foi dada ênfase indevida quanto à necessidade
de ser um bom filho, mas podemos ver aqui que mesmo nos primeiros
ensinamentos do confucianismo hsiao era uma das mais básicas virtudes.
Se um bom filho faz um bom súdito, um bom pai também fará um bom
governante. O amor de um homem pelas pessoas externas à sua casa é visto
como uma extensão do amor do homem pelos membros da sua família. Uma
consequência dessa visão é que o amor, e portanto a obrigação de amar, diminui
gradualmente conforme se projeta para fora da família. Geograficamente, uma
pessoa amará os membros da sua família mais do que a seus vizinhos; amará a
seus vizinhos mais do que àqueles que são meros habitantes da mesma aldeia, e
daí por diante. Socialmente, uma pessoa ama os membros da sua própria classe
social mais do que os de outras classes. De modo que não seria de surpreender se
a benevolência ficasse confinada aos semelhantes dessa pessoa (jen); mas o que
é mais importante lembrar é que isso não significa que essa pessoa não ame as
pessoas comuns. Ela as ama, mas em um grau mais baixo e, talvez, de uma
maneira diferente. Na terminologia de Confúcio, uma pessoa deveria ser
generosa (hui) para com as pessoas comuns (V.16). Trata-se de fazer jus à
atitude de Confúcio para com as obrigações. Nossas obrigações para com os
outros deveriam ter a mesma proporção que o benefício que deles recebemos.
Parece ser esse o caso mesmo entre pais e filhos. Ao comentar sobre Tsai Yü,
que queria abreviar o período de luto de três anos, Confúcio disse: Não foram
dados a Yü três anos de amor por parte de seus pais? (XVII. 21). Isso pode
significar que a observância do período de luto de três anos é, de alguma forma,
uma retribuição do amor recebido dos pais nos primeiros anos da vida de uma
pessoa. Se é esse o caso, não é difícil enxergar por que as obrigações que temos
para com as outras pessoas também deveriam ter a proporção da proximidade
das nossas relações com elas. Quanto à questão de como um governante deveria
tratar as pessoas comuns, é um tópico ao qual voltaremos.
A respeito da natureza da benevolência, há uma outra resposta dada por
Confúcio que é de grande importância porque a pergunta lhe foi colocada pelo
seu discípulo mais talentoso.
Yen Yüan perguntou sobre a benevolência. O Mestre disse: Voltar-se à
observância dos ritos sobrepondo-se ao indivíduo constitui a benevolência.
Se por um único dia um homem puder retornar à observância dos ritos ao
sobrepor-se a si mesmo, então todo o Império o consideraria benevolente.
Entretanto, a prática da benevolência depende inteiramente da pessoa, e
não dos outros. (XII.1)
Há dois pontos nessa definição de benevolência que merecem atenção.
Primeiro, benevolência consiste em superar o eu. Segundo, para ser benevolente
uma pessoa precisa retornar à observância dos ritos.
Consideremos primeiro o primeiro ponto. É uma crença central dos
ensinamentos de Confúcio de que ser moral não tem nada a ver com interesses
próprios. Para ser mais preciso, dizer que duas coisas nada têm a ver uma com a
outra é dizer que não há absolutamente nenhuma relação entre elas, seja positiva
ou negativa. Se ser moral nada tem a ver com buscar os próprios interesses,
tampouco tem a ver com deliberadamente ir contra os próprios interesses. Por
que, então podemos perguntar , é tão importante enfatizar a ausência de
relação entre os dois? A resposta é a seguinte: de todas as coisas que podem
distorcer o julgamento moral de um homem e desviá-lo de seus objetivos
morais, o interesse próprio é a mais forte, a mais persistente e a mais insidiosa.
Confúcio tinha plena consciência disso. Foi por isso que ele disse, mais de uma
vez, que, à vista de uma vantagem a ser obtida, uma pessoa deveria pensar
naquilo que é direito (XIV.12, XVI.10 e XIX.1). Em outro contexto, ele advertiu
homens idosos quanto aos perigos da ganância (XVI.7). Ele também perguntou:
É realmente possível trabalhar lado a lado com um homem mau ao serviço de
um senhor? Antes que ele consiga o que quer, ele se preocupa com a
possibilidade de não consegui-lo. Depois de consegui-lo, ele se preocupa com a
possibilidade de perdê-lo, e, quando isso acontecer, nada o deterá (XVII.15).
Confúcio chegou à conclusão de que não se conformaria com uma riqueza ou
posição não-merecidas, apesar de serem coisas desejáveis (IV.5).
O ponto sobre retornar à observância dos ritos é igualmente importante. Os
ritos (li) eram um corpo de regras que governavam as ações de todos os aspectos
da vida e eram o repositório dos ideais passados sobre a moralidade. É, portanto,
importante que uma pessoa os observe, a não ser que haja fortes razões para o
contrário. Embora não exista garantia de que a observância desses ritos leve
necessariamente ao comportamento adequado, é provável que, de fato, assim
aconteça. Voltaremos a esse ponto. Por enquanto, basta dizer que Confúcio tinha
um grande respeito pelo corpo de regras que recebiam o nome de li. É por isso
que, quando Yen Yüan o pressionou por mais detalhes, foi-lhe dito para não olhar
ou ouvir, falar ou se mover, a não ser de acordo com os ritos (XII.1). Isso, no
ponto de vista de Confúcio, não era tarefa fácil, tanto que se por um único dia
um homem puder retornar à observância dos ritos ao sobrepor-se a si mesmo,
então todo o Império o considerará benevolente.
Há duas ocasiões em que são dadas respostas que enfatizam outro aspecto
da benevolência. Quando Fan Chih perguntou sobre benevolência, o Mestre
disse: O homem benevolente colhe o benefício apenas após vencer as
dificuldades (VI.22). Do mesmo modo, quando Ssu-ma Niu perguntou sobre
benevolência, o Mestre disse: A marca do homem benevolente é que ele reluta
em falar, e então seguiu explicando: Quando agir é difícil, causa alguma
surpresa que alguém relute em falar? (XII.3). Que ele considerava a
benevolência algo difícil de ser atingido pode ser deduzido da sua relutância em
dizer que qualquer pessoa fosse benevolente. Ele não se comprometeu quando
questionado se Tzu-lu, Jan Chiu e Kung-hsi Chih eram benevolentes (V.8).
Tampouco admitiu que Ling Yin Tzu-wen ou Chen Wen Tzu fossem benevolentes
(V.19). E se recusou a reclamar benevolência para si próprio (VII.32). Isso não é
nada mais do que se poderia esperar de um homem modesto. Entretanto, ele
disse de Yen Yüan: em seu coração, Hui pode praticar a benevolência durante
três meses ininterruptos enquanto os outros atingem a benevolência
meramente por ataques repentinos (VI.7). Essa ênfase na dificuldade de
praticar a benevolência encontra eco, conforme vimos, em Tseng Tzu, que
descreveu a benevolência como um fardo pesado (VII.7). Mas embora
Confúcio tenha dado ênfase à dificuldade de praticar a benevolência, ele
também deixou absolutamente claro que ter ou não êxito quanto a isso depende
inteiramente de nós. Conforme já vimos, ele disse, em resposta à pergunta de
Yen Yüan, que a prática da benevolência depende inteiramente da própria
pessoa, e não dos outros (XII.1). Ele tinha muito claro que o fracasso de praticar
a benevolência não era devido à falta de força de vontade. Ele disse: Existe um
homem que, pelo período de um só dia, seja capaz de dedicar toda a sua força à
benevolência? Nunca conheci um homem cuja força seja insuficiente para essa
tarefa. Deve haver casos de força insuficiente, mas simplesmente não os
encontrei (IV.6). Assim, quando Jan Chiu pediu desculpas ao dizer Não é que
eu não esteja satisfeito com o Caminho do Mestre, mas me faltam forças, o
comentário de Confúcio foi: Um homem a quem faltam forças entra em
colapso ao longo do trajeto. Mas você desiste antes de começar (VI.12).
Confúcio declarou sua convicção de modo definitivo quando disse: A
benevolência é realmente algo tão distante? Tão logo a desejo e ela está aqui
(VII.30). Nas linhas das Odes
As flores da cerejeira,
Como ondulam no ar!
Não é que eu não pense em você,
Mas sua casa fica tão longe.
Confúcio comentou: Ele não a amava de verdade. Se amasse, não
existiria algo como longe demais (IX.31). Ele deve ter feito tal comentário
tendo em mente sua possível aplicação quanto à benevolência.
Além da benevolência, há várias outras virtudes que se esperam de um
cavalheiro, e devemos discutir pelo menos as mais importantes delas. Há duas
virtudes que são frequentemente mencionadas junto com a benevolência. São a
sabedoria ou inteligência (chih) e a coragem (yung). Por exemplo. Confúcio
disse: O homem sábio nunca fica indeciso; o homem benevolente nunca fica
aflito; o homem corajoso nunca tem medo (IX.29), e Os cavalheiros têm
sempre três princípios em mente, nenhum dos quais consegui seguir: O homem
benevolente nunca fica aflito; o homem sábio nunca fica indeciso; o homem
corajoso nunca tem medo (XIV.28).
Um homem sábio nunca fica indeciso no seu julgamento sobre o certo e o
errado. Um homem que não é sábio, entretanto, pode facilmente confundir o
hipócrita pelo genuíno. Isso pode acontecer com casos extremos em que a
aplicação de uma regra ou uma definição se torna incerta, particularmente na
esfera da moral. Peguemos um exemplo concreto. Quando um governante dá à
sua concubina os mesmos privilégios da sua consorte, ou dá ao seu filho mais
novo o mesmo privilégio que ao herdeiro, a dúvida implanta-se na cabeça das
pessoas. Para todas as aparências externas, a concubina torna-se indistinguível da
consorte, ou o filho mais novo do herdeiro. É necessário um homem de sabedoria
para compreender e não ficar perplexo com tal fenômeno. Outro atributo do
homem sábio é que ele conhece os homens. Em outras palavras, ele é bom ao
julgar o caráter das pessoas. Na visão chinesa, o fator mais importante que
contribui para a dificuldade de prever o futuro reside na natureza imprevisível do
homem. Assim, o estudo do homem de caráter, no qual reside a única esperança
de conseguir algum grau de controle sobre eventos futuros, foi considerado uma
questão de vital importância para o governante, já que a presente assim como a
futura estabilidade do reino frequentemente dependiam da sua escolha de
ministros. Esse tipo de estudo do caráter humano, que se tornaria, a partir da
dinastia Han do Leste, uma das maiores preocupações dos pensadores chineses,
já tinha grande importância na época de Confúcio. Assim, quando Fan Chih
perguntou sobre sabedoria, o Mestre disse: Conheça os homens (XII.22).
Mas pode a sabedoria ser adquirida? É verdade, disse Confúcio, que
aqueles que nascem com conhecimento são os mais elevados. A seguir vêm
aqueles que atingem o conhecimento por meio do estudo. A seguir vêm aqueles
que se voltam para o estudo depois de terem passado por dificuldades. No nível
mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem esforço algum para
estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades (XVI.9), mas ele não
reclamou para si lugar entre aqueles nascidos com conhecimento. Na verdade,
ele explicitamente rejeitou essa possibilidade ao dizer não nasci com
conhecimento, mas, por gostar do que é antigo, apressei-me em buscá-lo
(VII.20). Mais tarde, ele falou o seguinte sobre si próprio: Faço amplo uso de
meus ouvidos e sigo o que é bom daquilo que ouvi; faço amplo uso dos meus
olhos e retenho na minha mente o que vi (VII.28). Aparentemente ele não
admitiu que alguém efetivamente tivesse nascido com conhecimento. Tudo o que
fez foi deixar aberta a possibilidade de existir, de fato, esse tipo de pessoa. A
julgar pela enorme ênfase que deu ao ato de aprender, o que importava para ele
era o fato de ser possível adquirir conhecimento por meio do aprendizado.
Aprender é, para ele, um processo que jamais pode ser finalizado. Como Tzuhsia
disse, Um homem pode, de fato, ser considerado alguém que gosta de
aprender se é consciente, ao longo de um dia, sobre aquilo que ele não sabe e se
nunca esquece, ao longo de um mês, aquilo que ele já dominou (XIX. 5). De
fato, de acordo com Confúcio, Merece ser um professor o homem que
descobre o novo ao refrescar na sua mente aquilo que ele já conhece (II.11).
A coisa mais importante em nossa atitude em relação ao conhecimento é
sermos honestos conosco. Confúcio disse para Tzu-lu: Yu, vou lhe contar o que
há para saber. Dizer que você sabe quando você sabe, e dizer que você não sabe
quando não sabe: isso é conhecimento (II.17). Em outra ocasião, quando Tzu-lu
sugeriu algo que Confúcio considerou um comentário impertinente, ele o
admoestou, dizendo: Espera-se que um cavalheiro não ofereça nenhuma
opinião sobre aquilo que desconhece (XIII.3). De sua parte, Confúcio nunca
propôs nada que não fosse fundamentado em conhecimento: Existem,
presumivelmente, homens que inovam sem possuir conhecimento, mas essa é
uma falha que não tenho (VII.28). Essa atitude responsável para com o
conhecimento é ainda mais importante para o professor. Um dos aspectos sob os
quais Tseng Tzu se examinava diariamente era: Ensinei aos outros algo que eu
próprio não tenha experimentado? (I.4).
Coragem era considerada uma das maiores virtudes. Isso fica claro no
seguinte comentário, atribuído a Confúcio no Chung yung: Sabedoria,
benevolência e coragem, essas três são virtudes universalmente reconhecidas no
Império.[13] Em Os analectos, a atitude de Confúcio em relação à coragem é,
de fato, muito mais crítica. É verdade, trata-se de uma virtude indispensável em
um cavalheiro se ele deve cumprir seus objetivos, porque ele tem de perseguir
tais propostas destemidamente, e apenas o homem corajoso nunca tem medo
(IX.29, XIV.28). Não fazer o que é certo, de acordo com Confúcio,
demonstra falta de coragem (II.24). Por isso, Confúcio disse: Um homem
benevolente com certeza é corajoso, porém ele acrescenta imediatamente,
mas um homem corajoso não necessariamente é benevolente (XIV.4). A
coragem é, de fato, uma faca de dois gumes. Nas mãos dos bons, é um meio
para a realização da bondade, mas nas mãos dos maus, é igualmente um meio
para a realização da maldade. Para colocar isso de forma mais clara, nem a
extrema bondade nem a extrema maldade podem ser realizadas por homens
sem coragem. Confúcio mostrou que tinha plena consciência disso. Ele disse: A
menos que um homem tenha o espírito dos ritos (...) ao ter coragem ele vai se
tornar indisciplinado (VIII.2). Em outra ocasião, ele diz sobre o cavalheiro: Ele
detesta aqueles a quem, embora possuam coragem, falta o espírito dos ritos
(XVII.24). Igualmente, A insatisfação com a pobreza levará um homem de
índole corajosa a um comportamento indisciplinado (VIII.10). A coragem, para
ser uma virtude, precisa estar a serviço da moralidade. Assim, quando
questionado se o cavalheiro considerava coragem uma qualidade suprema,
Confúcio respondeu: Para o cavalheiro, é a moralidade que é suprema. Com
coragem mas desprovido de moralidade, um cavalheiro causará problemas, ao
passo que um homem vulgar se tornará um bandido (XVII.23).
Restam duas virtudes a serem abordadas. Primeiro, há hsin. É um conceito
que não tem equivalente exato em inglês [ou em português]. Ser hsin é ter
palavra. Uma parte importante disso tem a ver, é claro, com a capacidade de
manter a palavra empenhada. Mas quando Confúcio fala de ser hsin nas palavras
(I.7, XIII.20, XV.6), ele quer dizer mais do que isso. Ser hsin com as palavras se
aplica a todas as palavras de uma pessoa. Refere-se, além de promessas, a
resoluções sobre ações futuras, ou mesmo a simples constatações de fatos. Não
levar adiante uma resolução é fracassar em ser hsin; fazer uma constatação que
não é comprovada por fatos sejam eles fatos presentes ou futuros também
significa fracasso em ser hsin.
Nesse sentido, Confúcio frequentemente opõe os termos yen (palavra) e
hsing (ação). Se a ação de alguém não corresponde à palavra de alguém,
significa fracasso em ser hsin. Daí a importância de cuidar para que vivamos de
acordo com as nossas palavras. O cavalheiro tem vergonha de que suas
palavras sejam mais ambiciosas que suas ações (XIV.27) e Promessas feitas
imodestamente são difíceis de cumprir (XIV.20). Portanto, na Antiguidade, os
homens relutavam em falar. Isso porque consideravam vergonhoso se não
conseguissem ser fiéis às suas palavras (IV.22). A medida mais segura a tomar
é nunca fazer nenhuma declaração antes de agir. Assim, o cavalheiro coloca
suas palavras em ação e só então permite que as palavras sigam-lhe a ação
(II.13). O conselho de Confúcio é que um homem deve ser rápido ao agir e lento
ao falar (I.14, IV.24).
Sobre hsin, há um capítulo que é particularmente interessante. Yu Tzu disse:
Ser coerente com as próprias palavras (hsin) é ter moral, no sentido de que isso
faz com que as palavras dessa pessoa possam ser repetidas (I.13). A tragédia do
menino que gritou lobo! é que quando ele repetiu o grito ninguém o levou a
sério, porque ele não havia sido hsin nas ocasiões anteriores. Ter palavra é algo
muito próximo de se ter moral, precisamente por causa desse aspecto de se ter
palavra, e era para esse aspecto que Yu Tzu queria chamar a nossa atenção.[14]
Mas dizer que ter palavra é algo próximo de ser uma pessoa moral é dizer que os
dois não são idênticos. Inevitavelmente, há casos em que a aderência ao princípio
de ser coerente à própria palavra levará a uma ação que não é moral. Confúcio
descreve Um homem que insiste em manter sua palavra e em levar suas ações
até o fim como alguém que demonstra uma teimosa estreiteza da mente
(XIII.20).
Em segundo lugar, há ching (reverência). Trata-se de um conceito bem
antigo. Na antiga literatura Chou, ching descreve o estado de espírito de um
homem que toma parte em um sacrifício. É diferente daquele demonstrado em
outras religiões. Em outras religiões, há medo e abjeta submissão em face ao
poder da deidade. Ching, diferentemente, é oriundo da consciência da imensidão
da responsabilidade de alguém em promover o bem-estar do povo. É uma
combinação de medo de fracassar na responsabilidade de que alguém é imbuído
com a solene e única concentração voltada para o cumprimento satisfatório
dessa responsabilidade. Em Os analectos, ching ainda mostra alguns traços dessa
conexão com religião. Há uma passagem na qual é mencionado em relação com
os sacrifícios. Confúcio disse: manter-se à distância dos deuses e dos espíritos
enquanto lhes mostra reverência pode ser chamado de sabedoria (VI.22). Sob
sua outra acepção, ching sempre é mencionado de forma ligada a questões de
governo e a como servir um superior.
O termo ching (reverência) deve ser distinguido do kung (respeito). O
último é uma questão de atitude aparente e modos. Kung é normalmente
mencionado de forma relativa à observância dos ritos. Por exemplo, o cavalheiro
é respeitoso para com os outros e observa os ritos (XII.5), e diz-se que dirige
sua atenção a ter um comportamento respeitoso (XVI.10). Um homem deve
ser respeitável nas suas relações com os outros porque desse modo ele pode
evitar insultos e humilhações. Se um homem é respeitoso, ele não será tratado
com insolência (XVII.6). Ser respeitoso significa ser observador dos ritos, no
sentido de que isso possibilita que se fique longe da desgraça e do insulto (I.13).
Isso mais ou menos completa o resumo das maiores virtudes morais que
fazem parte da formação de um cavalheiro. Entretanto, deixei, deliberadamente,
yi para o fim. Yi é uma palavra que pode ser usada em relação a uma ação,
quando ela pode ser considerada correta, ou pode ser usada para designar um
ato que uma pessoa deveria fazer, quando então significa dever, ou pode se
referir a uma pessoa, quando então significa correto ou cumpridor do dever.
Quando usado no sentido amplo, às vezes a única tradução possível é moral, ou
moralidade. De certa forma, a maior parte das palavras que denotam virtudes
morais pode ser aplicada tanto a pessoas quanto a ações. Entretanto, no que diz
respeito a isso, yi é diferente das outras palavras morais. Coloquemo-na, por
exemplo, em contraste com a benevolência. Claro que tanto uma ação quanto
uma pessoa podem ser descritas como benevolentes, mas benevolência é
basicamente uma característica de pessoas, e sua aplicação a atos é apenas
derivativa. Um ato benevolente é o ato de um homem benevolente. Como
característica de pessoas morais, benevolência tem mais a ver com disposição e
intenção do que com circunstâncias objetivas. O contrário é verdade sobre a
retidão. Retidão é basicamente uma característica de atos, e sua aplicação a
pessoas é derivativa. Um homem é correto apenas na medida em que faz o que é
certo. A retidão dos atos depende da sua conveniência moral nas dadas
circunstâncias e tem pouco a ver com a disposição ou a intenção da pessoa que
age. É aqui que a distinção entre agente-ético e ação-ética se torna relevante.
Antes dissemos que Confúcio estava mais interessado nas virtudes morais do
homem do que na qualidade moral dos seus atos. Mas nenhum sistema moral
pode ser baseado apenas em virtudes morais, e o sistema de Confúcio não é
exceção. Vimos que, no que diz respeito aos próprios interesses de uma pessoa, a
oposição é entre vantagem a ser obtida e retidão. Novamente, no teste para saber
se coragem é uma virtude, é o yi que é o critério. Embora Confúcio não o
declare explicitamente, não se pode deixar de ficar com a impressão de que ele
percebeu que, em última instância, yi é o critério pelo qual todos os atos devem
ser julgados enquanto não há outro critério pelo qual yi pode ser julgado. Afinal
de contas, mesmo a benevolência não carrega sua própria garantia moral.
Amar a benevolência sem amar o aprendizado pode levar à tolice (XVII.8).
Como veremos, o objetivo a ser perseguido por meio do estudo, nesse contexto,
provavelmente deve ter sido os ritos, e os ritos, como regras de conduta, só
podem, em última análise, ser baseados no yi. Podemos então dizer que no
sistema moral de Confúcio, embora a benevolência ocupe uma posição mais
central, yi é, ainda assim, mais fundamental.
Nenhuma referência ao cavalheiro estará completa a menos que algo seja
dito sobre sua atitude em relação a tien (Céu) e tien ming (Decreto do Céu),
mas essa tarefa acaba por revelar alguma dificuldade. Em primeiro lugar, à
parte tien ming literalmente, o comando do Céu , ming também é usado por si
só, e parece haver uma diferença básica entre as duas expressões. Em segundo
lugar, o termo tien ming é encontrado apenas duas vezes em Os analectos, e é
difícil fixar uma interpretação para o termo partindo de uma base tão pequena.
Entretanto, a tentativa tem que ser feita, já que a distinção entre tien ming e ming
parece ser vital para o entendimento da opinião de Confúcio.
Embora tien ming ocorra apenas duas vezes em todos Os analectos, para
nossa sorte trata-se de um termo considerado antigo. A crença no decreto divino
muito provavelmente remonta a uma época bem anterior à fundação da dinastia
Chou, por volta do final do segundo milênio a.C. A teoria sobre o decreto do céu
foi, mais provavelmente, uma inovação da parte do duque de Chou. De acordo
com essa teoria, o Céu se importa profundamente com o bem-estar do povo, e o
imperador é enviado expressamente para promover esse bem-estar. Ele governa
em função do Decreto do Céu e permanece imperador apenas na medida em
que exerce essa função. Assim que ele esquece sua função e começa a governar
visando seus próprios interesses, o Céu retirará o Decreto e elegerá alguém mais
merecedor para a tarefa. Assim o Decreto do Céu é um imperativo moral e,
como tal, nada tem a ver com o comando do Céu em relação às coisas que
acontecem no mundo. O único desenvolvimento da época de Confúcio foi que o
Decreto do Céu não era mais restrito ao imperador. Todo e qualquer homem
estava sujeito ao Decreto do Céu, que o obrigava a ser moral e transformava em
dever estar à altura das demandas desse Decreto. Confúcio disse: Aos cinquenta
anos, entendi (chih) tien ming (II.4). Isso implica que tien ming é algo difícil de
ser compreendido, mas também mostra, inconfundivelmente, que é algo passível
de ser entendido. A única outra menção a tien ming em Os analectos é quando
Confúcio disse que era uma das coisas que o cavalheiro temia (XVI.8).
Quanto à possibilidade de ming ser simplesmente usado como abreviação
para tien ming nos textos mais antigos, não há dúvida de que na época de
Confúcio ming já havia se tornado um termo com um significado diferente e
independente. Esse significado é melhor ilustrado pelo dizer citado por Tzu-hsia
em uma conversa com Ssu-ma Niu: vida e morte são uma questão de ming;
riqueza e honra dependem do Céu (XII.5). O contexto mostra que ming é usado
no sentido de Destino e que Céu é apenas um sinônimo para ming. Há uma
observação de Mêncio na qual Céu e Destino também são justapostos como
sinônimos e que pode servir como uma glosa sobre esses termos. Mêncio disse:
Quando uma coisa não é feita por ninguém específico, então é um trabalho do
Céu; quando uma coisa acontece sem que ninguém a provoque, então é o
Decreto (V.A.6).[15] Dessa forma, há certas coisas que são provocadas, não
por ação humana, mas pelo Destino. Essas são as coisas sobre as quais a vontade
humana não tem influência. Se um homem vai ser rico, ter honra e uma longa
vida, é algo da alçada do Destino. Nenhum esforço da parte dele vai fazer
qualquer diferença no resultado. Assim, no contexto das fortunas de um
indivíduo, ming é o seu quinhão. Por exemplo, duas vezes Confúcio disse sobre
Yen Yüan, que morreu jovem, que infelizmente, o tempo de vida que lhe coube
(ming) era curto, e ele morreu (VI.3, XI.7). Novamente, ele corrigiu Tzu-kung
por recusar-se a aceitar seu quinhão (ming) e por ganhar dinheiro (XI.19). A
razão pela qual tanta importância é dada do ming é a seguinte: se um homem está
convencido de que todas as coisas desejáveis da vida devem-se ao Destino, ele
perceberá mais facilmente a futilidade de persegui-las e, em vez disso, conduzirá
seus esforços na busca da moralidade. Moralidade é o único objeto que um
homem deveria perseguir porque ser moral reside apenas em fazer tal esforço, e
não no resultado bem-sucedido da ação de um homem. Esse é o significado da
frase Um homem não pode se tornar um cavalheiro a menos que entenda o
Destino (chih ming) (XX.3). A frase chih ming (entender o Destino) parece-se
muito com a frase chich tien ming (entender o Decreto do Céu), que, conforme
vimos, Confúcio usou referindo-se a si na idade de cinquenta anos; mas o
significado, na verdade, é muito diferente nos dois casos. Entender o Decreto do
Céu é entender por que o Céu assim deveria decretar, mas entender Destino é
saber que algumas coisas na vida acontecem sob a influência do Destino e que é
fútil tentar persegui-las.
A diferença entre tien ming e ming pode ser resumida do seguinte modo:
tien ming, como imperativo moral, diz respeito ao que o homem deveria fazer;
ming, no sentido de Destino, tem a ver com como acontecem as coisas que
acontecem. Tien ming, necessariamente difícil de ser compreendido, é, ainda
assim, compreensível; já ming é um total mistério. O que tien ming ordena nós
devemos obedecer; o que reside no domínio de ming devemos deixar em paz.
Se ming e tien ming são termos de sentido diferente, igualmente há dois
sentidos de tien (Céu), cada um correlato a um dos dois termos. Já vimos que
Céu foi usado como sinônimo de Destino na observação de Tzu-hsia. Esse
também é o caso em lamentações ou exclamações de fé. Tome estes dois casos,
por exemplo. Quando Yen Yüan morreu, Confúcio disse: Ai! O Céu está me
destruindo! O Céu está me destruindo! (XI.9). Entretanto, quando Jan Po-niu foi
atingido por uma terrível doença, Confúcio disse: Deve ser o Destino! (VI.10).
Nessas duas observações, Céu e Destino parecem ser termos intercambiáveis.
Por outro lado, há casos em que o termo Céu parece trazer um significado muito
diferente de Destino. Por exemplo, quando sua vida esteve em perigo em Sung,
Confúcio disse: O Céu é o autor da virtude que há em mim. O que pode Huan
Tui fazer comigo? (VII.23). Na ocasião em que Tzu-lu foi caluniado, ele,
entretanto, disse: Como pode Kung-po Liao desafiar o Destino? (XIV.36). Os
dois comentários me parecem ter significados muito diferentes. No último caso,
Confúcio estava, com efeito, dizendo Que será, será. No primeiro caso,
entretanto, ele estava dizendo que o Céu o dotara com uma virtude especial para
que ele pudesse suportar tien ming de acordar o império para seus objetivos
morais e que, se fosse permitido que Huan Thui o matasse, o Céu estaria
frustrando os próprios propósitos.
Céu, como sinônimo de ming, é o agente que provoca o que acontece, mas,
quando se trata de proposta moral e imperativo moral, o Céu é a fonte do
Decreto. Quanto a se, em última análise, é o mesmo Céu que é responsável tanto
por acontecimentos que estão predestinados quanto pelo decreto de imperativos
morais, e ainda quanto a saber se ming, como Destino que provoca os
acontecimentos também tem um aspecto imperativo, não temos meios de
decidir, mas o importante é que, para fins práticos, ming e tien ming limitam e
definem para nós a esfera legítima da influência humana. Antes vimos a
importância da distinção entre li (lucro, ganho ou vantagem) e yi (retidão). A
distinção entre ming e tien ming é, com efeito, a mesma distinção, vista de um
ângulo diferente. Li pertence a ming e, portanto, não é um objeto para ser
perseguido apenas por si. Yi pertence ao tien ming e é, consequentemente, algo
que devemos seguir.
Até agora lidamos apenas com as qualidades morais do cavalheiro. Para
dar a essas qualidades sua máxima expressão, o cavalheiro deve tomar parte no
governo. Isso, entretanto, não significa que o árduo processo de autocultivo e
aprendizado seja meramente um meio para se chegar ao objetivo da promoção
pessoal. Confúcio disse: Não é fácil achar um homem capaz de estudar durante
três anos sem pensar em receber um salário (VIII.12), e ele aprovou quando
Min Tzu-chien não se considerou pronto quando lhe foi oferecido um cargo
(VI.9). Mas como um homem pode se preparar para o trabalho apenas por meio
do estudo, enquanto estuda ele está, na verdade, preparando-se para uma
carreira oficial, ao mesmo tempo (XV.32). Estudar e ocupar um cargo são as
atividades gêmeas inseparáveis do conceito do cavalheiro. Quando um homem
com um cargo oficial descobre que pode fazer mais do que dar conta dos seus
deveres, então ele estuda; quando um estudante descobre que ele pode mais do
que dar conta dos seus estudos, então ele aceita um cargo oficial (XIX.13). Mas
que um homem deve se preparar adequadamente para o trabalho não é a única
precondição para ele ocupar, de fato, um cargo. A época deve ser a correta,
também. Que um homem seja tão ambicioso a ponto de estar pronto para ocupar
um cargo oficial independentemente de a ordem reinar no reino ou não é algo
condenado por Confúcio. É vergonhoso, ele disse, fazer do salário seu único
objetivo, indiferente quanto a se o Caminho prevalece no reino ou não (XIV.1).
A razão disso é que quando o Caminho não prevalece em um reino, um homem
só pode permanecer no cargo quebrando seus princípios. Se um homem não faz
isso, pode colocar a si mesmo em perigo. Em uma situação como essa, a única
escolha de alguém é ficar longe de problemas, devotando a si mesmo à busca do
mais elevado padrão moral na sua vida como um cidadão. Shih Yü era certeiro
como uma flecha quanto a se o Caminho prevalecia no reino ou não. Tudo o que
Confúcio admitia quanto a ele era que ele era correto. Por outro lado, Chü Poy
ü, que foi empossado quando o Caminho prevalecia no reino mas que se deixou
ser enrolado e guardado em algum lugar seguro quando o Caminho caiu em
desgraça, foi descrito por Confúcio como um cavalheiro (XV.7). Essa é uma
atitude que Confúcio manifesta várias vezes. O Mestre disse de Nan-jung que,
quando o Caminho prevaleceu no reino, ele não foi posto de lado e, quando o
Caminho caiu em desgraça, ele ficou longe da humilhação e da punição (V.2).
Ning Wu Tzu era inteligente quando o Caminho prevaleceu no reino, mas
pareceu estúpido quando o Caminho caiu em desgraça. O comentário de
Confúcio foi: Outros podem igualar sua inteligência, mas não podem igualar sua
estupidez (V.21). A maneira para ficar longe de problemas ao mesmo tempo
em que se mantém a própria integridade moral, de acordo com Confúcio, é a
seguinte: Quando o Caminho prevalece no reino, fale e aja destemidamente e
com altivez; quando o Caminho não prevalece, aja destemidamente e com
altivez mas fale com reserva e de modo suave (XIV.3). Isso é condizente com
sua ideia de que um homem não deveria se preocupar com questões do governo
a menos que sejam da sua alçada e com a opinião de Tseng Tzu de que o
cavalheiro não permite a seus pensamentos irem além do seu cargo (XIV.26).
Que ele não considerava isso algo fácil de ser seguido é mostrado em seu
comentário para Yen Yüan: Apenas você e eu temos a habilidade de aparecer
quando requisitados e de desaparecer quando deixados de lado (VII.11).
Entretanto, quando o caminho prevalece no reino, não apenas é o dever de
um homem ocupar um cargo oficial como ocupar um cargo oficial é a
culminação dos anos de preparação para tal acontecimento. Assim, de acordo
com Confúcio, não apenas é vergonhoso ser rico e nobre quando o Caminho cai
em desgraça no reino, mas igualmente é vergonhoso ser pobre e humilde
quando o Caminho prevalece no reino (VIII.13).
A proposta última do governo é o bem-estar do povo (min). Esse é o mais
básico princípio do confucianismo e permaneceu imutável ao longo do tempo.
Promover o bem-estar do povo começa com satisfazer suas necessidades
materiais. Tzu-kung perguntou sobre governo. O Mestre disse: Dê-lhes comida
suficiente (XII.7). Para atingir esse objetivo, o trabalho do povo deve ser
empregado nas épocas certas (I.5), isto é, ele não deve ser tirado de sua terra
durante as épocas de mais trabalho. Em termos mais amplos, Tzu-chan era
considerado generoso no trato com o povo e justo ao empregar o seu trabalho
(V.16). Mas além das necessidades básicas, o povo também deve ser provido
com armas em quantidade suficiente. Entretanto, antes que possa ser mandado
para a guerra, também lhe deve ser dada educação adequada. Confúcio disse:
Mandar o povo para a guerra sem que ele tenha educação é jogá-lo fora
(XIII.30). Em que consiste essa educação, não ficamos sabendo. Apesar de a
educação que o governante dá ao povo provavelmente ser diferente dos
ensinamentos que Confúcio dá aos seus discípulos, é inconcebível que tal
educação seja exclusivamente de natureza militar. Deve incluir elementos
morais importantes. De outro modo, é difícil entender por que demoraria tanto
tempo, já que, de acordo com Confúcio, Depois que um homem bom educou o
povo por sete anos, aí então o povo estará pronto para pegar em armas
(XIII.29).[16] Entretanto, alimento e armas não são as coisas mais importantes
que o povo deve ter. Sobretudo, é preciso que eles tenham confiança no
governante e é preciso que vejam nele um exemplo. Em resposta à pergunta de
Tzu-kung sobre o governo, Confúcio disse: Dê-lhes comida suficiente, dê-lhes
armas suficientes, e as pessoas comuns confiarão em você. Quando ele
perguntou de qual dos três se deveria abrir mão antes, sua resposta foi: Abra
mão das armas. Isso não causa surpresa se considerarmos a atitude de Confúcio
em relação ao uso da força na guerra, mas sua próxima resposta, sim, é
surpreendente. Quando pressionado a dizer de qual dos dois restantes se deveria
abrir mão primeiro, sua resposta foi: Abra mão da comida. A morte sempre
esteve conosco, desde o começo dos tempos, mas quando não há confiança, as
pessoas comuns não terão nada a que se agarrar (XII.7).
Essa ênfase quanto à base moral do governo é fundamental para os
ensinamentos de Confúcio. Ele disse:
Guie-o por meio de editos, mantenha-o na linha com punições, e o povo se
manterá longe de problemas, mas não terá noção de vergonha.
Obrigações e punição podem, na melhor das hipóteses, garantir um
aparente conformismo. O povo vai ficar longe de problemas não porque tenha
vergonha de fazer algo errado, mas porque tem medo da punição. Em contraste
a isso:
Guie-o pela virtude, mantenha-o na linha com os ritos, e o povo, além de
ser capaz de sentir vergonha, reformará a si mesmo. (II.3)
Quando o povo reforma a si próprio e tem noção de vergonha, a lei e, por
conseguinte, a ameaça de punição nunca precisam ser evocadas.
A orientação pela virtude, entretanto, não pode ser efetiva a menos que o
governante dê um exemplo moral para o seu povo. Aqui, talvez, deveríamos
observar o fato de que a palavra chinesa cheng (governar) e cheng (corrigir) são
homófonas.
Chi Kang Tzu perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio respondeu:
Governar (cheng) é corrigir (cheng). Se você der exemplo ao ser
correto, quem ousaria continuar sendo incorreto?. (XII.17)
Há um ponto positivo e um negativo quanto a isso. O ponto negativo é que
se o próprio governante falha em ser correto mas insiste em punir seus súditos
por serem incorretos, ele estará se colocando acima da lei, e o povo terá
consciência da injustiça. O ponto positivo é que o povo sempre olha para os seus
melhores homens, e se aqueles em posição de autoridade dão um exemplo, isso
será imitado mesmo se o povo não receber ordens para assim fazer. Esse ponto
fica bem claro na seguinte passagem:
O Mestre disse: Se um homem é correto, então haverá obediência sem
que ordens sejam dadas; mas se ele não é correto, não haverá obediência,
mesmo que ordens sejam dadas. (XIII.6)
Um bom exemplo é muito mais efetivo do que editos, e onde editos
contradizem o exemplo, é o exemplo de que o povo vai levar em consideração, e
não os editos. Esse ponto é colocado de modo mais persuasivo por Confúcio em
outra ocasião.
Chi Kang Tzu perguntou a Confúcio sobre o governo, dizendo: O que o
Mestre pensaria se, para chegar mais próximo àqueles que seguem o
Caminho, eu matasse aqueles que não o seguem?.
Confúcio respondeu: Qual a necessidade de matar para administrar um
governo? Apenas deseje o bem e o povo será bom. A virtude do cavalheiro
é como o vento; a virtude do homem comum é como grama. Que o vento
sopre sobre a grama, e ela com certeza se dobrará. (XII.19)
Aqui, Confúcio estava falando sobre os homens vulgares aqueles que
presumivelmente gozavam de poder político embora pertencessem à classe dos
governados e não sobre o povo, mas o que é verdade sobre o homem vulgar
forçosamente é verdade também quanto ao povo. O bom exemplo tem uma
influência que, embora imperceptível, é, de fato, irresistível. É, portanto, da
maior importância colocar os homens corretos em posição de autoridade. Em
resposta à pergunta a ele colocada pelo duque Ai, O que devo fazer para que o
povo veja em mim um exemplo?, Confúcio disse: Promova os homens
corretos e coloque-os acima dos desonestos, e o povo o admirará. Promova os
homens desonestos e coloque-os acima dos homens corretos, e o povo não o
admirará (II.19). Em outra ocasião, falando com Fan Chih, Confúcio
aprofundou a questão. Promover os justos e colocá-los acima dos corrompidos
pode endireitar os corrompidos (XII.22). Tzu-hsia, a quem Fan Chih relatou o
comentário, ilustrou-o com um episódio histórico. Ao promover os justos a
posições de autoridade, Shun e Tang afastaram aqueles que não eram
benevolentes.
Já que a influência por meio de um bom exemplo funciona de um modo
imperceptível, o governante ideal é frequentemente caracterizado não apenas
como alguém que não faz nada, mas também como alguém que, aos olhos do
povo, nada fez que pudesse ser valorizado. O governo pela virtude pode ser
comparado à estrela Polar, que comanda a homenagem da multidão de estrelas
sem sair do lugar (II.1). Tai Po abdicou do seu direito de governar, sem dar ao
povo oportunidade de louvá-lo (VIII.1). Yao foi o rei que se espelhou no Céu, o
único que é grande, mas ele era tão grandioso que o povo não tinha palavras
para louvar-lhe as virtudes (VIII.19). Essa descrição do governante ideal é
aparentemente muito semelhante à oferecida pelos taoístas, mas na verdade as
duas são bem diferentes. O governante taoísta genuinamente não faz nada porque
o Império funciona melhor quando deixado em paz. O governante confucianista
apenas aparenta nada fazer porque a influência moral que ele exerce funciona
de modo imperceptível.
Não podemos encerrar o assunto do governo sem discutir a atitude de
Confúcio para com o povo (min) ou as pessoas. Ele não tentou disfarçar o fato de
que, no seu ponto de vista, o povo era muito limitado intelectualmente. Ele disse:
O povo pode ser obrigado a seguir um caminho, mas não pode ser forçado a
entendê-lo. (VIII.9). O povo não consegue entender por que razão é conduzido
ao longo de um caminho em específico, pois nunca se dá o trabalho de estudar.
Ele disse: Aqueles que nascem com conhecimento são os mais elevados. A
seguir vêm aqueles que atingem o conhecimento por meio do estudo. A seguir
vêm aqueles que voltam-se para o estudo depois de terem passado por
dificuldades. No nível mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem
esforço algum para estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades
(XVI. 9). Não é de surpreender que Confúcio tivesse tal opinião. O estudo, tal
qual por ele concebido, é um árduo processo que nunca se completa. As pessoas
comuns são imensamente prejudicadas. Raramente têm a capacidade de estudar
e praticamente nunca têm a oportunidade. Nas raras ocasiões em que têm tanto a
capacidade e a oportunidade, é pouco provável que consigam aguentar o rigor da
tarefa. Confúcio descreveu como o seu discípulo favorito, Yen Hui, conseguiu
seguir os estudos obstinadamente nas seguintes palavras. Como Hui é
admirável! Morar em um pequeno casebre com uma tigela de arroz e um
concha de água por dia é uma provação que a maioria dos homens acharia
intolerável, mas Hui não permite que isso atrapalhe sua alegria. Como Hui é
admirável! (VI.11).
Confúcio podia não ter uma opinião muito boa quanto às capacidades
intelectuais e morais das pessoas comuns, mas absolutamente não é verdade que
ele tenha diminuído a importância delas no esquema geral das coisas. Talvez seja
precisamente porque o povo é incapaz de garantir seu próprio bem-estar sem
receber auxílio que o dever supremo do governante é trabalhar em benefício do
povo, proporcionando a ele o que lhe é benéfico. As pessoas comuns deveriam
ser tratadas com o mesmo amor e carinho dispensados a nenês, que são
indefesos. Isso é anunciado em um comentário memorável do Livro da História
citado por Mêncio: os governantes antigos agiam como se estivessem cuidando
de um recém-nascido.[17] Mêncio descreve tais governantes como mãe e pai
do povo. É, portanto, inegável que Confúcio advogava um forte paternalismo no
governo, e isso permaneceu imutável como princípio básico ao longo de toda a
história do confucianismo.
A importância das pessoas comuns e seu bem-estar é enfatizada repetidas
vezes em Os analectos. Por exemplo,
Tzu-kung disse: Se houvesse um homem que desse generosamente ao
povo e trouxesse auxílio às multidões, o que você pensaria dele? Ele
poderia ser considerado benevolente?.
O Mestre disse: Nesse caso não se trata mais de benevolência. Se precisa
descrever tal homem, sábio é, talvez, a palavra adequada. Mesmo Yao e
Shun achariam difícil realizar tanto. (VI.30)
Se lembrarmos que Yao e Shun eram tidos em alta conta por Confúcio e o
quão pouco inclinado ele era a dar o título de sábio para qualquer pessoa,
podemos ver o imenso significado do comentário. Finalmente, Confúcio disse que
se ele elogiava alguém, podia-se ter certeza de que esse alguém havia sido
testado. O teste se revelou ser o governo das pessoas comuns, pois ele continuou
ao dizer: Essas pessoas comuns são a pedra de toque por meio da qual as Três
Dinastias foram mantidas no caminho certo (XV. 25). O único teste ao qual é
submetido um bom governante é quanto a se ele tem êxito em promover o bemestar
das pessoas comuns.
Até agora examinamos apenas as qualidades morais indispensáveis ao
cavalheiro, mas o ideal do cavalheiro é mais amplo do que o do homem moral. É
necessário mais atributos para se ter o perfeito cavalheiro. Para entender isso, é
preciso primeiro darmos uma olhada em dois termos, wen e chih. Chih, dos dois,
é o mais fácil de ser compreendido. É a matéria-prima ou a substância nativa da
qual um homem ou uma coisa é feita. Wen é mais difícil de compreender por
causa da sua ampla aplicação. Em primeiro lugar, wen significa um belo padrão.
Por exemplo, o padrão das estrelas é o wen do céu, e o padrão da pele de um
tigre é o seu wen. Aplicado ao homem, refere-se às belas qualidades que ele
adquiriu por meio da educação. Daí o contraste com chih. Aquilo que um
homem adquire por meio da educação cobre uma ampla gama de realizações.
Inclui talentos como arqueiro ou na condução de carruagens, de escrita e
matemática, mas os campos mais importantes são a literatura e a música, uma
conduta condizente à de um cavalheiro. Literatura, na época de Confúcio,
significava, basicamente, as Odes, enquanto que música para Confúcio era a
música tocada em cerimônias da corte e em cerimônias sacrificiais. Um
comportamento condizente a um cavalheiro significava observância dos ritos,
que incluía entre outras coisas o código da conduta correta. Além de denotar as
realizações de um indivíduo, wen também pode ser usado para designar a cultura
de uma sociedade como um todo. Assim, wen é uma palavra com uma ampla
gama de significados, que em inglês [e português] são cobertos por uma
variedade de palavras, como ornamento, adorno, refinamento, realização, boa
educação e cultura.
Não é suficiente para um homem nascer com uma boa substância nativa.
Um longo processo de amadurecimento é necessário para dar a ele a educação
indispensável a um cavalheiro. Quando Chi Tzu-cheng disse O mais importante
a respeito de um cavalheiro é o material do qual ele é feito. Para que ele precisa
de refinamento?, a opinião de Tzu-kung foi a de que não se podia separar
refinamento da matéria, pois a pele de um tigre ou de um leopardo, desprovida
de pelos, não é diferente da de um cachorro ou de uma ovelha (XII.8). O que
Tzu-kung está dizendo é que são as qualidades totais de um cavalheiro matériaprima
assim como refinamento que o distinguem dos homens vulgares, e é
fútil separar a matéria-prima do refinamento, na equivocada tentativa de apontála
como o fator básico. Em toda parte encontramos Confúcio enfatizando a
importância do equilíbrio entre os dois elementos. Ele disse: Quando a natureza
de alguém prevalece sobre a educação recebida, o resultado será uma pessoa
intratável. Quando a educação prevalece sobre a natureza, o resultado será uma
pessoa pedante. Apenas uma mistura bem equilibrada das duas resultará em
cavalheirismo (VI.18).
Há um comentário de Confúcio que joga alguma luz sobre o que seria essa
substância nativa ou natureza. Ele disse: O cavalheiro tem a moralidade como
matéria-prima e, ao observar os ritos, coloca-a em prática, ao ser modesto dálhe
expressão e, ao ser fiel às próprias palavras, a completa. Assim é um
cavalheiro, de fato! (XV.18). Aqui vemos que a relação entre chih e wen
corresponde à relação entre moralidade (yi) e os ritos (li). Não basta um homem
ter a inclinação natural de fazer o que é certo; é essencial que ele seja versado de
modo que possa dar uma expressão refinada a essa inclinação. Um homem pode
ter uma forte necessidade de mostrar respeito por outro homem em uma dada
sociedade, mas, a menos que ele saiba o código de comportamento pelo qual
esse respeito é expresso, ele ou falhará completamente em expressá-lo ou, no
máximo, conseguirá expressá-lo de modo não totalmente aceito naquela
sociedade. Isso traz à tona uma questão importante quanto aos ritos. Moralidade
não consiste apenas na ação que afeta o bem-estar de outras pessoas. Às vezes
também requer comportamentos que expressem uma atitude em relação às
outras pessoas. Isso explica o fato de que a palavra li, embora tenha também
uma conotação moral, é mais apropriadamente traduzida como ritos ou
ritual.
Como vimos, além da observância dos ritos, a parte mais importante de
wen é a poesia e a música. É por isso que, quando um equivalente teve que ser
encontrado para o termo ocidental literatura, a expressão usada foi
naturalmente wen hsüeh. Esse parece ser um ponto conveniente a partir do
qual avaliar a atitude de Confúcio para com a poesia e a música, já que a
influência que o pensador exerceu nas gerações subsequentes foi imensa. O
primeiro ponto a salientar é que na época de Confúcio a conexão entre a poesia e
a música era muito próxima. Embora houvesse música que não envolvesse
palavras, toda poesia podia, provavelmente, ser cantada. Por essa razão,
Confúcio provavelmente tinha a mesma atitude para com ambas.
Comecemos com a seguinte passagem:
O Mestre disse, sobre shao, que era perfeitamente linda e perfeitamente
boa e, sobre wu, que era perfeitamente linda, mas não perfeitamente boa.
(III.25)
Podemos ver com essa passagem que Confúcio exigia da música e,
consequentemente, da literatura, não apenas perfeição estética, mas também que
fosse perfeitamente boa. Shao era a música de Shun, que, escolhido por sua
virtude, subiu ao trono por meio da abdicação de Yao, enquanto wu era a música
do rei Wu, que, apesar da própria virtude, conquistou o Império apenas depois de
recorrer à força daí o nome wu, força militar. Por esta razão, o primeiro era
não apenas perfeitamente belo, mas também perfeitamente bom, enquanto o
último, embora perfeitamente belo, deixou a desejar quanto à sua bondade. Que
Confúcio considerasse o wu inferior ao shao não é surpreendente se lembrarmos
sua ojeriza em relação ao uso da força ou à violência, que se dizia estarem entre
as coisas sobre as quais ele nunca falava (VII.21).
Para Confúcio, algo ser perfeitamente bom era mais importante do que a
perfeição estética. Se uma peça de música é ou não aceitável depende de sua
qualidade moral. A perfeição estética é importante porque é o único veículo
apropriado para conduzir a perfeita bondade. A música esteticamente perfeita
pode-se ouvir com alegria, mas apenas quando a perfeição moral é fundida com
a perfeição estética é que pode ser experimentada a alegria que vai além de
qualquer expectativa.
O Mestre ouviu o shao em Chi e por três meses não sentiu o gosto das
refeições que comia. Ele disse: Jamais sonhei que as alegrias da música
pudessem chegar a tais alturas. (VII.14)
Não é por acaso que a música que encantava Confúcio fosse precisamente
shao, que ele elogiava por ser perfeitamente bom assim como por perfeição
estética.
Quando lhe perguntaram como um reino deveria ser governado, Confúcio
disse: Quanto à música, adote o shao e o wu. Bane as melodias de Cheng e
mantenha homens de fala persuasiva à distância. As melodias de Cheng são
insolentes, e homens de fala persuasiva são perigosos (XV.11). Depois ele disse:
Detesto o púrpura por deslocar o vermelho. Detesto as melodias de Cheng por
corromperem a música clássica. Detesto homens de fala esperta que derrubam
reinos e famílias nobres (XVII.18).
Não há dúvida de que Confúcio detestava as melodias de Cheng, mas ele
as detestava não devido à falta de beleza, mas por causa de sua falta de
disciplina. Deve ser observado que cada uma das coisas que Confúcio detestava
ofereciam uma aparente semelhança à coisa certa, e é por causa dessa
semelhança superficial que os hipócritas podem ser confundidos com os
genuínos. A ojeriza de Confúcio é dirigida contra a falsidade. As melodias de
Cheng são colocadas juntas aos falantes espertos e homens de fala
persuasiva, já que, como falantes espertos e homens de fala persuasiva, as
melodias de Chang são capazes de conquistar nossa preferência caso
estejamos desatentos. Não são, portanto, pouco atraentes como música. No final
das contas, não é a falta de beleza, mas a falta de correção ou moralidade que
marca a música chamada de melodias de Cheng.
As melodias de Cheng certamente não diziam respeito somente à
música. O que é dito sobre as melodias aplica-se também às palavras, já que a
falsidade existe tanto no significado das palavras quanto no charme da música.
Em oposição às melodias de Cheng, encontramos Confúcio aclamando o Kuan
chü, com os quais as Odes abrem:
No kuan chü há alegria sem futilidade, e tristeza sem amargura. (III.20)
Isso mostra que não era pela expressão de prazer em si, mas pela
expressão de imoderado prazer que Confúcio condenava as melodias de Cheng.
Em contraposição, o Kuan chü é um exemplo da expressão de prazer e de tristeza
exatamente na mesma medida.
Confúcio resumiu suas opiniões sobre poesia nas seguintes palavras:
As Odes são trezentas, em número. Podem ser resumidas a uma frase:
Não se desvie do caminho. (II.2)
Edificação, entretanto, não é o único propósito da poesia. Entre outras
coisas, as Odes podem estimular a imaginação (XVII.9). Quando se lê poesia,
uma pessoa acorda para as similaridades subjacentes entre fenômenos que, para
os de pouca imaginação, parecem não ter nenhuma relação.
Tzu-hsia perguntou:
Seu encantador sorriso com covinhas,
Seus belos olhos esgazeando,
Padrões de cores em seda lisa.
Qual o significado de tais linhas?
O Mestre disse: As cores são acrescentadas após o branco.
E a prática dos ritos, também vem depois?
O Mestre disse: É você, Shang, quem iluminou o texto para mim. Apenas
com um homem como você é possível discutir as Odes. (III.8)
O Mestre elogiou Tzu-hsia pela sua compreensão das Odes porque ele viu
que, assim como na pintura as cores são acrescentadas depois que as linhas
gerais são dadas em branco, também o refinamento de observar os ritos é
inculcado em um homem que já nasceu com a substância certa.[18]
As Odes têm um outro uso, que é possibilitar que um homem fale bem. O
filho de Confúcio relatou uma conversa que certa vez teve com seu pai. Você
estudou as Odes? Não. A menos que estude as Odes, não será capaz de
sustentar uma conversa (XVI.13). As Odes eram uma antologia que todo
homem educado conhecia plenamente, de modo que uma citação correta delas
extraída podia ser usada para comunicar a opinião de alguém em situações
delicadas ou que requeressem extrema polidez. Habilidade de falar por meio do
disfarce de uma citação era particularmente útil em conversas diplomáticas. É
por essa razão que Confúcio disse: Se um homem que conhece as trezentas
Odes de cor (...) se mostra incapaz de ter iniciativa própria quando enviado para
reinos estrangeiros, então qual a utilidade das Odes para ele, independentemente
de quantas ele tenha aprendido? (XIII.5).
Esse jeito de usar as Odes não se limita a situações diplomáticas. Ao
criticar o governante e seu governo, um homem também deveria recorrer a
citações das Odes. Como colocou o autor anônimo do prefácio de Kuan chü,
Aquele que fala não ofende, ao passo que aquele que ouve pode entender o
aviso.[19] Isso é importante em sistemas políticos nos quais ofensas feitas
àqueles no poder podem facilmente causar sérios problemas a alguém. E há
outra vantagem. Quando a verdadeira opinião de alguém é amortecida por uma
citação, é sempre possível que esse alguém negue, posteriormente, que tal
significado, seja qual for, tenha sido intencional. Por essa razão, tais práticas
persistiram até os dias de hoje.
Em Os analectos há um bom exemplo desse costume de falar
veladamente. O príncipe Kuai Kui, o filho do duque Ling, de Wei, fugiu para
Chin depois de uma fracassada tentativa de assassinar Nan Tzu, a famosa mulher
do seu pai. Quando da morte do duque de Ling, o filho de Kuai Kui, Che,
sucedeu ao seu avô. Com o apoio do Exército Chin, o príncipe Kuai Kui se
instalou em uma cidade fronteiriça de Wei, esperando por uma oportunidade de
destronar seu filho. Jan Yu queria saber se Confúcio estava do lado de Che, mas
já que tanto ele quanto Confúcio eram visitantes naquele reino não lhes cabia
serem vistos discutindo abertamente as políticas de Wei; e se uma pergunta direta
lhe tivesse sido colocada, Confúcio muito provavelmente teria se recusado a
respondê-la. Tzu-kung, que tinha a reputação de ser um orador talentoso (XI.3),
ofereceu-se para tentar descobrir. Assim foi como correu a conversa.
Ele entrou e disse: Que tipo de homens eram Po Yi e Shu Chi?.
Eram excelentes anciãos.
Tinham alguma queixa?
Procuravam a benevolência e a encontraram. Então, por que teriam
qualquer queixa?
Sequer uma palavra foi dita sobre Wei, mas Tzu-kung ficou satisfeito por
ter obtido a resposta. Ele saiu e disse: O Mestre não está do lado dele (VII.15).
Po Yi e Shu Chi eram os filhos do senhor de Ku Chu. O pai queria que Shu Chi, o
filho mais novo, o sucedesse, mas, quando ele morreu, nenhum dos filhos estava
disposto a tirar do outro a sucessão, e ambos foram às montanhas e passaram a
viver como eremitas. Ao aprovar Po Yi e Shu Chi em sua tentativa de entregar a
sucessão um ao outro, Confúcio estava implicitamente reprovando Che, que
estava envolvido em uma vergonhosa briga com o próprio pai pelo trono.
Até agora olhamos apenas para os ensinamentos morais de Confúcio
relacionados ao seu ideal de cavalheiro. Há, entretanto, outro lado de seus
ensinamentos que foi amplamente negligenciado pelos intelectuais e estudiosos. É
a sua preocupação com o que pode ser descrito como questões de método. No
âmago desse aspecto dos seus ensinamentos está a oposição entre hsüeh
(aprendizado) e ssu (pensamento).
Para compreender o significado desta oposição, precisamos, antes de tudo,
descobrir o que constituía aprendizado. Um rápido exame das dificuldades que se
encontram em traduzir a palavra hsüeh se mostrará esclarecedor. A escolha
natural em inglês por um equivalente é o verbo to learn [aprender], mas muito
frequentemente somos forçados, pelas exigências da língua inglesa, a usar to
study [estudar]. A razão é a seguinte: o verbo aprender requer um objeto
explícito. Por exemplo, não dizemos ele aprende. Podemos, é claro, dizer Ele
aprende rápido, ou Ele está disposto a aprender, mas esses são casos especiais
em que o ponto principal da frase não está na palavra aprender. Por outro lado,
dizemos ele estuda. Há, entretanto, outras diferenças entre aprender e
estudar. Tendemos a aprender algumas coisas mas estudar outras. Por
exemplo, uma criança aprende a andar, mas um entomólogo estuda o
comportamento das formigas. Aprendemos algo prático; estudamos algo teórico.
Quando se trata de aprender, o foco está naquele que aprende; ao estudar, o foco
está no objeto de estudo. Ao aprender algo novo, um homem se aprimora. Ou ele
adquire uma nova técnica ou se torna mais proficiente em uma técnica antiga.
Ao estudar, um homem adquire novos conhecimentos, mas esses novos
conhecimentos não necessariamente fazem alguma diferença para ele do ponto
de vista prático. Essa diferença de uso entre aprender e estudar é importante
para o entendimento de hsüeh. Hsüeh está muito mais perto de aprender do
que de estudar. Do mesmo modo que aprender, hsüeh faz diferença para o
homem enquanto pessoa. É uma atividade que capacita o homem a adquirir uma
habilidade nova ou se tornar mais proficiente em uma habilidade já adquirida.
Mas, no contexto confuciano, o ponto mais importante é lembrar que é hsüeh que
capacita o homem a se tornar um homem melhor do ponto de vista moral.
Assim, a moralidade, na visão de Confúcio, é algo muito próximo à ideia de
habilidade. Pode ser transmitida de mestre a discípulo. É por causa dessa
possibilidade que Confúcio dava tanta ênfase a hsüeh. Embora aprender seja
um equivalente muito mais satisfatório para hsüeh do que estudar, uma
tentativa de se ater rigidamente ao uso de aprender pode, por si só, dar
margem ao surgimento de dificuldades. Quando, por exemplo, Confúcio fala
sobre hsüeh shih, é natural traduzir isso por estudar as Odes, mas isso,
conforme vimos, transforma uma atividade prática em uma teórica. Porém,
traduzir a frase por aprender as Odes sugere aprender as Odes de cor. Embora
isso sem dúvida seja parte do significado, definitivamente não é todo o
significado nem mesmo a parte mais importante dele. Como vimos, a principal
proposta de hsüeh shih é tanto aprimorar a sensibilidade de uma pessoa quanto
capacitá-la a usar linhas das Odes para disfarçar o que quer dizer.[20] Assim, às
vezes o tradutor se vê em dificuldade para encontrar um equivalente satisfatório
para hsüeh.
Aprender é algo que diz respeito a toda a sabedoria acumulada do
passado. Embora não exclua necessariamente conhecimento teórico, a ênfase,
conforme é previsível, é no aprendizado moral. E essas verdades morais são, na
maior parte das vezes, epitomizadas na forma de preceitos. Os ritos eram, claro,
um código para tais preceitos, embora provavelmente também devem ter
existido preceitos que não eram contemplados por esses códigos. Que os ritos
formavam uma grande parte daquilo que um homem precisava aprender é
confirmado por duas passagens de Os analectos. Na primeira, Confúcio disse: A
menos que um homem tenha o espírito dos ritos (...) ao ter coragem ele vai se
tornar indisciplinado e, ao ser íntegro, ele vai se tornar intolerante (VIII.2).
Entretanto, em outra passagem ele disse: Amar a determinação sem amar o
aprendizado pode levar à intolerância (XVII.8). As duas declarações são
praticamente idênticas, exceto pelo fato de que em uma temos os ritos,
enquanto na outra temos aprender.
Se aprender tem um papel tão importante nos ensinamentos de Confúcio,
por que não aparece mais frequentemente em Os analectos? Porque aprender
não é o único termo que é usado para a atividade. Muito frequentemente
Confúcio usa, no lugar de aprender, wen (ouvir) e, mais raramente, chien
(ver).[21] Em especial, ouvir é usado quando há alguma referência ao
aprendizado de preceitos específicos ou quando aprender é colocado em
contraste com a ação de colocar em prática aquilo que é aprendido. Aqui estão
exemplos do ensinamento de um preceito específico.
O Mestre disse: (...) Sempre ouvi dizer que um cavalheiro dá para ajudar
os necessitados, e não para manter os ricos em uma vida farta. (VI.4)
Chen Ssu-pai disse: Ouvi dizer que um cavalheiro não demonstra
parcialidade. E mesmo assim o seu Mestre é parcial?. (VII.31)
Tzu-hsia disse: Já ouvi dizer: vida e morte são uma questão de Destino;
riqueza e honra dependem do Céu. (XII.5)
Confúcio disse: Sempre ouvi dizer que o chefe de um reino ou de uma
família nobre preocupa-se não com subpopulação, mas com a distribuição
desigual; não com a pobreza, mas com a instabilidade. (XVI.1)
Tzu-y u respondeu: Há algum tempo ouvi do senhor, Mestre, que o
cavalheiro instruído no Caminho ama seus semelhantes e que os homens
vulgares instruídos no Caminho são fáceis de serem comandados.
(XVII.4)
Tzu-lu disse: Há algum tempo ouvi do senhor, Mestre, que o cavalheiro
não entra nos domínios daquele que não pratica o bem. (XVII.7)
Tzu-chang disse: Isso é diferente do que eu ouvi. Ouvi que o cavalheiro
honra aqueles que lhe são superiores e é tolerante para com a multidão,
que é cheio de elogios para com os bons ao mesmo tempo em que se
apieda dos incapazes. (XIX.3)
A relação entre ouvir e colocar em prática o que se ouviu é claramente
abordada nas seguintes passagens:
O Mestre disse: Use seus ouvidos (wen) amplamente, mas deixe de fora o
que é duvidoso; repita o resto com cuidado e você cometerá poucos erros.
Use seus olhos (chien) amplamente e deixe de fora o que é perigoso;
coloque o resto em prática com cautela e você terá poucos
arrependimentos. (II.18)
A única coisa que Tzu-lu temia era que, antes que pudesse colocar em
prática algo que aprendera, lhe ensinassem outra coisa diferente. (V.14)
O Mestre disse: Estas são as coisas que me causam preocupação: (...)
incapacidade de, quando me é dito (wen) o que é correto, tomar uma
atitude. (VII.3)
O Mestre disse: Faço amplo uso de meus ouvidos e sigo o que é bom
daquilo que ouvi; faço amplo uso dos meus olhos e retenho na minha
mente o que vi. (VII.28)
Tzu-lu perguntou: Deve-se imediatamente colocar em prática o que se
ouviu?. (XI.22)
A inter-relação entre aprender e colocar em prática o que se aprendeu é
forte porque entre as coisas que se aprende estão os preceitos, e qual seria a
utilidade de aprender um preceito se não se fizesse uma tentativa de colocá-lo
em prática? Daí a preocupação de Confúcio quanto a sua incapacidade de se
mover para uma nova posição assim que ele aprendeu que essa posição é
moralmente correta e o medo de Tzu-lu de se atrasar se preceitos surgirem mais
rápido do que ele pode acompanhar. Mas isso não significa que se deve colocar
um preceito em prática simplesmente porque é um preceito. Deve-se, antes de
tudo, refletir profundamente quanto a se ele é correto. É por isso que Confúcio
está constantemente aconselhando que se deve escolher daquilo que foi
aprendido apenas o que é bom e deixar de fora o que é duvidoso. A única
maneira de fazer isso é por meio do pensamento. Isso nos traz de volta à questão
de aprender e pensar. Há um ditado bem conhecido em Os analectos: Se um
homem aprende com os outros mas não pensa, ele ficará confuso. Se, por outro
lado, um homem pensa mas não aprende com os outros, ele estará em perigo
(II.15). Deve-se aprender com os sábios do passado e do presente, mas, ao
mesmo tempo, deve-se tentar aprimorar aquilo que foi aprendido. Embora tanto
aprender quando pensar sejam indispensáveis, Confúcio parece considerar o ato
de aprender, de alguma forma, mais importante. Ele disse: Uma vez passei todo
o dia pensando, sem comer nada, e toda a noite pensando sem ir para a cama,
mas descobri que nada ganhei com isso. Teria sido melhor gastar o tempo
estudando (XV.31). Aqui Confúcio está falando que se devêssemos nos entregar
a uma busca apenas, então aprender seria mais proveitoso do que pensar. Um
momento de reflexão mostrará que essa visão é bastante razoável. Se a meta de
um homem é conseguir avanços de conhecimento, tanto pensamento quando
aprendizado são igualmente necessários, mas, em casos em que o homem não
tem esse objetivo, por meio do aprendizado ele pode ao menos ganhar algo, ao
tomar conhecimento do que já é sabido, mas dificilmente terá qualquer ganho se
ficar pensando in vacuo.
Tomemos um exemplo que ilustra o modo como Confúcio refletiu sobre os
ritos existentes.
O Mestre disse: Os ritos prescrevem um boné cerimonial de linho. Hoje,
usamos seda preta no lugar. Isso é mais frugal, e eu sigo a maioria. Os ritos
prescrevem que a pessoa prostre-se antes de subir os degraus. Hoje faz-se
isso após tê-los descido. Isso é casual, e, embora indo de encontro à
maioria, sigo a prática de prostrar-me antes de subir. (IX.3)
Aqui temos um caso claro de uma visão crítica de Confúcio quanto aos
ritos. Ele concluiu que em um determinado caso estava preparado para seguir a
maioria, mas não no outro caso. Ele chegou a essa conclusão voltando aos
princípios que subjazem aos ritos em questão. No segundo caso, o princípio
subjacente é respeito, enquanto no primeiro caso há igualmente frugalidade. Que
o respeito devesse ser o princípio subjacente é nada menos do que algo a ser
esperado, mas que a frugalidade devesse ser tal princípio pode parecer
surpreendente, até que lembremos da resposta de Confúcio para uma pergunta
quanto aos fundamentos dos ritos. Parte desta resposta foi: Com os ritos, é
melhor pecar pela simplicidade do que pela extravagância (III.4). Todas as
coisas sendo iguais, é melhor ser frugal. O gorro de seda cinza é mais frugal, mas
nada perde em respeito. Daí a aprovação de Confúcio. Prostração depois de subir
os degraus, por outro lado, é casual, em outras palavras, menos respeitoso, e não
tem ganhos compensatórios. Daí a desaprovação de Confúcio.
Conforme vimos, preceitos são muitas vezes introduzidos pela fórmula
Ouvi dizer. Muitas vezes, entretanto, essa fórmula é dispensada,
particularmente nos casos em que o preceito está para ser examinado. Nesses
casos, a pergunta O que você acha desse dizer? é simplesmente colocada. Por
exemplo:
Tzu-kung disse: Pobre sem ser servil, rico sem ser arrogante. O que o
senhor pensa desse provérbio?
O Mestre disse: É bom, mas melhor ainda é: Pobre, mas alegre no
Caminho; rico, porém observador dos ritos (I.15).
Aqui o preceito citado por Tzu-kung trata da superação da pobreza e da
riqueza como obstáculos para a realização moral. Confúcio examina o preceito
sob esse aspecto e propõe uma versão aprimorada.
Alguém disse:
Pague uma injúria com uma boa ação.
O que você acha desse ditado?.
O Mestre disse: Com o que, então, você paga uma boa ação? Deve-se
pagar a injúria com a retidão, mas pagar com uma boa ação apenas uma
boa ação. (XIV.34)
Aqui Confúcio critica o provérbio existente Pague uma injúria com uma
boa ação por ela ser generosa demais, já que não deixa nada com o que se
pagar uma boa ação. É suficiente, na visão de Confúcio, que não sejamos
motivados pela vingança. O que Confúcio advoga é o caminho do meio entre
vingança e generosidade excessiva.
De exemplos como esses, em que Confúcio examina criticamente
preceitos existentes, podemos inferir algumas coisas sobre sua opinião geral
quanto ao problema das regras e dos princípios. Na época de Confúcio, se
alguém devesse explicitar o problema, seria correto colocá-lo em termos de li
(os ritos) e yi (retidão). Já abordamos a relação entre os dois no contexto da
moralidade dos atos e dos agentes. Agora examinaremos mais detidamente essa
relação. Os ritos são um código de regras de comportamento. Embora os ritos,
por serem algo herdado da Antiguidade, carregassem grande autoridade, mesmo
assim essa autoridade não pode garantir a correção deles. Se eles estão corretos
ou não depende de estarem à altura das exigências do que é correto. Serem ou
não corretos, por outro lado, é o critério pelo qual todos os atos têm, em última
instância, de ser avaliados. Assim, há uma íntima relação entre li e yi. O exame
crítico dos preceitos existentes é precisamente isso, sujeitar as regras à prova de
se ele condiz ou não ao que é considerado correto. Mas por que uma regra que
foi considerada correta no passado deveria ser submetida a novo e fresco
escrutínio? A resposta é a seguinte: primeiro, uma regra, uma vez formulada em
termos precisos, não pode se adaptar a circunstâncias cambiantes. O que foi
correto em uma época anterior não necessariamente continua sendo correto em
uma época subsequente. Essa consciência de que as regras têm de estar de
acordo com o os tempos que mudam é claramente sentida por Confúcio. Ele
disse: Os Yin basearam-se nos ritos de Hsia. Pode-se saber o que foi
acrescentado e o que foi omitido. Os Chou basearam-se nos os ritos de Yin. Podese
saber o que foi acrescentado e o que foi omitido (II.23). Aqui podemos ver
que, embora os ritos de uma época posterior tenham tido como base aqueles de
uma época anterior, por causa do passar do tempo novas regras tiveram de ser
acrescidas, e outras, obsoletas, tiveram de ser suprimidas. Essa consciência de
que aquilo que é apropriado muda com o tempo foi uma das características
diferenciadoras do pensamento de Confúcio, tanto que Mêncio o descreve como
o sábio cujas ações eram apropriadas ao seu tempo (Mencius, V.B.1). Em
segundo lugar, podem surgir circunstâncias em que uma regra entre em conflito
com outra. Tal conflito apenas pode ser solucionado lançando-se mão de
princípios morais básicos. Em terceiro lugar, mesmo com uma regra que possa
ser satisfatória em si, há ocasiões em que a observância dela entra em conflito
com a ideia por trás da regra. Por todas essas razões, é preciso sempre estar
alerta à possibilidade de que uma regra necessite reformulação a qualquer
momento e em qualquer ocasião. Até agora, apenas observamos o problema do
ponto de vista da subordinação da regra ao princípio. Igualmente, o princípio não
pode existir sem regras que lhe deem expressão. Princípios morais precisam ser
aplicados na prática, e qualquer ato que dê expressão a um princípio moral será,
na verdade, um exemplo de uma ou outra regra. Isso é, conforme vimos,
especialmente verdade nos casos em que o objetivo de um ato é mostrar certa
atitude, por exemplo, respeito. Nenhuma ação é, inerentemente, um sinal de
respeito. Uma ação pode apenas servir para demonstrar respeito dentro de uma
certa convenção, e uma convenção apenas pode ser pronunciada, declarada, em
uma regra. Dessa forma, enquanto uma regra pode continuar correta apenas
sendo constantemente medida e avaliada mediante necessidades de princípios,
um princípio não pode existir sem regras, no que diz respeito a ter expressão.
Esse diálogo entre regra e princípio constitui a essência do sistema de
pensamento moral de Confúcio.
Nesse sentido, a abordagem de Confúcio pode ter algo a oferecer ao
debate sobre se moral é algo objetivo ou uma convenção. O argumento funciona
mais ou menos da seguinte forma. Se moralidade é uma convenção, não tem
nenhuma objetividade. Apenas se podem julgar regras morais dentro das
convenções de um dado sistema social do qual elas fazem parte. Não há como
julgá-las misturando critérios de sistemas diferentes. Por outro lado, se a
moralidade é algo objetivo, como ficamos sabendo que essa realidade objetiva
nos coloca problemas epistemológicos? A abordagem de Confúcio parece
oferecer uma saída. Todas as regras morais têm implícito algum princípio ou
princípios. Uma regra pode, portanto, ser julgada por seu sucesso em realizar
esses princípios. Em outras palavras, regras morais têm embutidos padrões pelos
quais podem ser julgadas. Se deixam a desejar, isso aponta para o caminho do
seu aprimoramento. Por outro lado, os princípios implícitos são ideais que se
tornam mais claros para nós na medida em que são usados como padrões para
criticar as regras. Adquirimos uma visão mais aprofundada sobre um princípio
moral ao descobrir as inadequações das regras que lhe dão expressão.
Além de refletir sobre questões morais do passado, pensar também é
importante se conseguimos ver conexões entre fenômenos que à primeira vista
parecem não ter relação. Vimos que isso é importante tanto na esfera da
literatura quanto na esfera da moralidade. Na literatura, vimos que as Odes
podem estimular a imaginação de modo que seja possível ver similaridades
subjacentes entre fenômenos díspares. No campo da moralidade, é por meio do
método shu que podemos esperar ser capazes de praticar a benevolência, e shu
consiste em usar a nós mesmos como analogia para descobrir sobre as
preferências e aversões de outros seres humanos. Confúcio não toleraria nenhum
discípulo que, por não conseguir pensar, fosse incapaz de descobrir novas
aplicações para princípios já conhecidos. Ele disse: Se mostro um dos cantos de
um quadrado para alguém e essa pessoa não consegue encontrar os outros três,
não mostro uma segunda vez. De fato, Confúcio acreditava tanto no valor do
estudante que fizesse o máximo de esforço para pensar por si próprio que ele
disse, na mesma ocasião: Nunca explico nada para alguém que não esqueça do
mundo ao tentar entender um problema ou que não entre em um frenesi ao
tentar se expressar por palavras (VII.8). Vimos que Confúcio elogiou Tzu-hsia
como alguém com quem valia a pena discutir as Odes (III.8). Ao elogiar Tzukung
de modo similar, ele acrescentou a seguinte observação: Diga algo a este
homem, e ele poderá ver sua relevância em relação ao que não foi dito (I.15).
Essa também é a característica essencial para um professor. Merece ser um
professor o homem que descobre o novo ao refrescar na sua mente aquilo que
ele já conhece (II.11).
Inteligência é algo que Confúcio valorizava muito. O maior elogio feito por
ele foi dirigido a Yen Hui, que não apenas era superior aos seus colegas discípulos
em matéria de compreensão moral como também em inteligência. Quando Tzukung,
que não era homem de pouca inteligência, observou Como eu ousaria me
comparar a Hui? Quando lhe é dita uma coisa, ele compreende cem coisas.
Quando me é dita uma coisa, eu entendo apenas duas, Confúcio consolou-o
dizendo: De fato, você não é tão bom quanto ele. Nenhum de nós dois é tão bom
quanto ele (V.9).
Confúcio era um grande pensador, assim como um grande ser humano. Na
condição de pensador, ele propunha um ideal para todos os homens. Este
consistia na possibilidade de uma pessoa aperfeiçoar o próprio caráter. A
realização desse ideal envolve não apenas ser benevolente com outros indivíduos,
mas também trabalhar arduamente pelo bem-estar do povo. Por isso Confúcio
não podia oferecer nenhuma esperança de recompensa, seja nesta vida ou na
próxima. A recompensa reside no ato de fazer o que é bom, e isso constitui a
alegria de perseguir o Caminho. Ele tinha grande respeito pela sabedoria do
passado, mas não a aceitava sem fazer críticas. Para ele, o único modo de
progredir é refletir sobre aquilo que nos foi entregue pelo passado. Confúcio era
tudo, menos dogmático: recusava-se a fazer conjecturas ou a ser dogmático;
recusava-se a ser inflexível ou egocêntrico (IX.4). Ao descrever a si próprio,
ele disse: Não tenho preconceitos quanto ao que deve e ao que não deve ser
feito (XVIII.8). Não se pode negar que, ao longo dos séculos, o confucianismo
incorporou muitos dogmas e desenvolveu tendências autoritárias, mas seria tão
injusto acusar disso Confúcio quanto culpar Jesus pelos excessos da Igreja
Católica ao longo da história.
Confúcio era modesto quanto às suas próprias realizações. Ele disse:
Como posso me considerar um sábio ou um homem benevolente? (VII.34).
Apesar dessa modéstia, ele provavelmente realizou, em grande parte, o seu
próprio ideal. De outra forma, seria impossível justificar a reverência e a afeição
a ele demonstradas pelos discípulos, que eram muito diferentes em termos de
talento e temperamento.
Yen Hui, que era excepcional em matéria de moral e inteligência, disse-lhe
certa vez, quando Confúcio achou que ele tinha sido morto em uma emboscada:
Enquanto o senhor, Mestre, estiver vivo, como eu ousaria morrer? (XI.23). Ele
descreveu o ideal do Mestre e seu método de ensino da seguinte maneira:
Quanto mais o observo, mais alto ele parece. Quanto mais o pressiono,
mais duro ele se torna. Vejo-o à minha frente. De repente, está atrás de
mim.
O Mestre é bom em conduzir alguém passo a passo. Ele me estimula com
a literatura e me traz de volta às coisas essenciais por meio dos ritos. Eu
não conseguiria desistir nem que quisesse, mas, uma vez que dei o melhor
que pude, ele parece levantar-se acima de mim e não consigo segui-lo,
por mais que eu queira. (IX.11)
Tzu-kung, o homem do mundo que teve uma carreira bem-sucedidda tanto
como diplomata quanto mercador, fez o seguinte comentário quando alguém
criticou Confúcio:
Não é possível difamar Chung-ni. Em outros casos, homens de excelência
são como montanhas que uma pessoa pode escalar. Chung-ni é como o sol
e a lua, que ninguém escala. Mesmo que alguém quisesse escapar do sol e
da lua, como isso deporia contra eles? Isso somente serviria para mostrar
mais claramente que esse alguém não teve consciência do seu próprio
tamanho. (XIX.24)
Mais adiante ele disse:
O Mestre não pode ser igualado, assim como o céu não pode ser medido.
(...) Em vida, ele é glorificado e, na morte, será pranteado. Como pode ele
ser igualado? (XIX.25)
Tseng Tzu, o discípulo que levava sua responsabilidade moral tão
seriamente (VIII.7), disse, de acordo com Mencius, o seguinte sobre Confúcio:
Banhado pelo Rio e por Han, alvejado pelo sol de outono, tão imaculado
era ele que seu testemunho não pode ser ultrapassado. (III.1.4)
Mêncio deu eco a esse sentimento quando disse:
Desde que o ser humano veio para este planeta, nunca houve um maior do
que Confúcio. (II.A.2)
De sua parte, Confúcio nunca se disse superior em inteligência ou em
qualidades morais. Ele disse: Não nasci com conhecimento, mas, por gostar do
que é antigo, apressei-me em buscá-lo (VII.20), e Em um vilarejo de dez
casas, sempre haverá aqueles que são meus iguais quanto a fazer o melhor que
podem pelos outros e quanto a ser fiéis às próprias palavras, mas dificilmente
terão tanta vontade de aprender quanto eu tenho (V.28). Em ambos os dizeres,
tudo o que ele proclamava era sua sede de aprender. Esta era igualada apenas
por sua sede de ensinar. Ele disse: Silenciosamente depositar conhecimento na
minha mente, aprender sem perder a curiosidade, ensinar sem cansar: isso não
me apresenta dificuldade alguma (VII.2). Novamente, ao negar que fosse um
sábio, ele disse: Talvez possa ser dito sobre mim que aprendo sem esmorecer e
que ensino sem me cansar (VII.34). Como professor, ele era capaz tanto de
criticar seus discípulos com firmeza quanto de provocá-los de forma bemhumorada.
Quando Tsai Yü tirou um cochilo durante o dia, Confúcio disse: Um
pedaço de madeira podre não pode ser esculpido, tampouco pode uma parede de
esterco seco ser aplainada (V.10). De novo, quando o mesmo discípulo duvidou
da sabedoria do período de luto de três anos, Confúcio disse: Quão insensível é
Yü. (...) Os pais de Yü não lhe deram três anos de amor? (XVII.21) Na ocasião
em que Confúcio foi até Wu Cheng e encontrou Tzu-y u ensinando música às
pessoas, ele brincou com o discípulo ao dizer: Para que usar um cutelo de boi
para matar uma galinha? Quando Tzu-y u levou isso a sério e começou a
defender suas próprias ações, Confúcio admitiu que estava apenas brincando
(XVII.4).
A impressão predominante que fica de Confúcio, ao se ler Os analectos, é a
de um homem cuja vida era cheia de alegrias. Quando o prefeito de She
perguntou a Tzu-lu que tipo de homem Confúcio era, Tzu-lu não respondeu. O
comentário de Confúcio foi:
Por que você não falou simplesmente o seguinte: ele é o tipo de homem
que esquece de comer quando está distraído com um problema, que é tão
alegre que esquece suas preocupações e que não percebe a aproximação
da velhice? (VII.19)
Ele descreve essa alegria em termos mais concretos quando diz:
Ao comer arroz comum e ao beber água, ao utilizar o próprio cotovelo
como apoio, a alegria será encontrada. Riqueza e status conquistados por
meios imorais têm tanto a ver comigo quanto as nuvens que passam.
(VII.16)
Não há dúvida de que parte dessa alegria vinha da busca do Caminho.
Confúcio disse: aos setenta, segui o meu coração, sem passar dos limites (II.4).
É compreensível que ele tenha ficado alegre quando, após toda uma vida de
cultivação moral, ele descobriu que aquilo que ele desejava naturalmente
coincidia com aquilo que era moral. Mas a alegria não era confinada ao lado
moral da sua vida. Em uma ocasião em que ele estava com um grupo de
discípulos, Confúcio pediu que dissessem o que gostariam de fazer. Quando
terminaram, Confúcio demonstrou que sua simpatia estava com Tseng Hsi, que
dissera:
No final da primavera, uma vez confeccionadas as roupas da estação, eu
gostaria de, junto com cinco ou seis adultos ou sete meninos, ir tomar
banho no rio Yi e aproveitar a brisa no Altar da Chuva e então voltar para
casa entoando poesias. (XI.26)
Eis aqui um homem que, de fato, apreciava as alegrias da vida.
Qualquer um que tenha lido os dizeres de Confúcio atentamente e sem
preconceitos com certeza achará difícil reconhecer o incorrigível conservador e
arquivilão no qual às vezes ele é transformado. Confúcio é, talvez, uma nova
instância do profeta-modelo.
D.C.L.
Os analectos
Livro I
1. O Mestre disse: Não é um prazer, uma vez que se aprendeu algo, colocá-lo
em prática nas horas certas? Não é uma alegria ter amigos que vêm de longe?
Não é cavalheiresco não se ofender quando os outros falham em apreciar suas
habilidades?.
2. Yu Tzu[22] disse: É raro um homem que é bom como filho e obediente como
jovem ter a inclinação de transgredir contra seus superiores; não se sabe de
alguém que, não tendo tal tendência, tenha iniciado uma rebelião. O cavalheiro
dedica seus esforços às raízes, pois, uma vez que as raízes estão estabelecidas, o
Caminho daí brotará. Ser um filho bom e um jovem obediente é, talvez, a raiz do
caráter de um homem.
3. O Mestre disse: É raro, de fato, que um homem com palavras ardilosas e um
rosto bajulador seja benevolente.
4. Tseng Tzu disse: Todos os dias, examino a mim mesmo sob três aspectos.
Naquilo que fiz pelo bem-estar do outro, falhei em fazer o meu melhor? Ao tratar
com meus amigos, falhei em ser fiel às minhas palavras? Ensinei aos outros algo
que eu próprio não tenha experimentado?.
5. O Mestre disse: Ao governar um reino com mil carruagens, trate dos
negócios com reverência e seja coerente com aquilo que fala; evite gastos
excessivos e ame os seus semelhantes; empregue o trabalho do povo apenas nas
épocas certas.
6. O Mestre disse: Um rapaz deveria ser um bom filho em casa e um jovem
obediente fora de casa, parcimonioso com a fala, mas coerente com o que diz, e
deveria amar todo o povo, mas cultivar a amizade dos seus semelhantes.[23] Se
lhe sobrar alguma energia dessas ações, que ele a dedique a tornar-se um
homem culto.
7. Tzu-hsia disse: Eu diria que recebeu instrução aquele que aprecia homens de
excelência enquanto outros homens apreciam belas mulheres; que se dedica ao
máximo ao servir os seus pais e oferece a sua pessoa a serviço do seu senhor: e
que, nas relações com seus amigos, é coerente àquilo que diz, mesmo que afirme
que nunca recebeu educação.
8. O Mestre disse: Um homem a quem falta seriedade não inspira admiração.
Um cavalheiro que estuda não costuma ser inflexível.
Estabeleça[24] como princípio fazer o melhor pelos outros e ser coerente
com o que diz. Não aceite como amigo ninguém que não seja tão bom quanto
você.
Quando cometer um erro, não tenha medo de corrigi-lo.
9. Tseng Tzu disse: Conduza os funerais dos seus pais com esmero e não deixe
que sacrifícios aos seus remotos ancestrais sejam esquecidos, e a virtude do povo
penderá para a perfeição.
10. Tzu-chin perguntou a Tzu-kung: Quando o Mestre chega em um reino, ele
invariavelmente fica sabendo sobre o governo do lugar. Ele busca tais
informações? Ou elas lhe são fornecidas?.
Tzu-kung disse: O Mestre conquista-as sendo cordial, bom, respeitador,
moderado e deferente. O modo com que o Mestre busca informação é, talvez,
diferente do modo com que outros homens as buscam.
11. O Mestre disse: Observe o que um homem, enquanto seu pai está vivo,
planeja fazer e então observe o que ele faz quando seu pai falece. Se, durante
três anos, ele não se desviar do caminho do pai, ele pode ser chamado de um
bom filho.[25]
12. Yu Tzu disse: Das coisas proporcionadas pelos ritos, a harmonia é a mais
valiosa. Dos Caminhos dos antigos reis, este é o mais belo e é seguido igualmente
em questões grandes ou pequenas, embora nem sempre funcione: buscar sempre
a harmonia sem regulá-la pelos ritos, simplesmente pela harmonia, na verdade
não funcionará.
13. Yu Tzu disse: Ser coerente com as próprias palavras é ter moral, no sentido
de que isso faz com que as palavras dessa pessoa possam ser repetidas.[26] Ser
respeitoso significa ser observador dos ritos, no sentido de que isso possibilita que
se fique longe da desgraça e do insulto. Se, ao promover as boas relações com
parentes da sua esposa, um homem consegue não perder a boa vontade de seus
próprios parentes, então ele merece ser considerado o chefe do clã.[27]
14. O Mestre disse: O cavalheiro não almeja nem uma barriga cheia nem uma
casa confortável. Ele é rápido na ação mas cauteloso com o que diz.[28] Ele se
dirije a homens virtuosos para receber orientação. Tal homem pode ser descrito
como alguém ávido por aprender.
15. Tzu-kung disse: Pobre sem ser servil, rico sem ser arrogante. O que o
senhor pensa desse provérbio?.
O Mestre disse: É bom, mas melhor ainda é: Pobre, mas alegre no Caminho;
rico, porém observador dos ritos.
Tzu-kung disse: As Odes dizem
Cortado como osso, polido como chifre
Esculpido como jade, moído como pedra.
O que o senhor disse não é um caso semelhante?.
16. O Mestre disse: Ssu, apenas com um homem como você pode outro homem
discutir as Odes. Diga algo a este homem, e ele poderá ver sua relevância em
relação ao que não foi dito.
Não é quando os outros falham em apreciar as suas habilidades que você
deveria ficar incomodado, mas, antes, quando você falha em apreciar as
habilidades dos outros.
Livro II
1. O Mestre disse: O governo pela virtude pode ser comparado à estrela Polar,
que comanda a homenagem da multidão de estrelas sem sair do lugar.
2. O Mestre disse: As Odes são trezentas, em número. Podem ser resumidas a
uma frase:
Não se desvie do caminho.[29]
3. O Mestre disse: Guie-o por meio de editos, mantenha-o na linha com
punições, e o povo se manterá longe de problemas, mas não será capaz de sentir
vergonha. Guie-o pela virtude, mantenha-o na linha com os ritos, e o povo, além
de ser capaz de sentir vergonha, reformará a si mesmo.
4. O Mestre disse: Aos quinze anos, dediquei-me de coração a aprender; aos
trinta, tomei uma posição; aos quarenta, livrei-me das dúvidas; aos cinquenta,
entendi o Decreto do Céu; aos sessenta meus ouvidos foram sintonizados[30]; aos
setenta, segui o meu coração, sem passar dos limites.
5. Meng Yi Tzu perguntou sobre piedade filial. O Mestre respondeu: Nunca
deixe de obedecer.
Fan Chih estava conduzindo. O Mestre contou-lhe sobre a audiência: Mengsun
me perguntou sobre piedade filial. Eu respondi: Nunca deixe de obedecer.
Fan Chih perguntou: O que isso significa?.
O Mestre disse: Quando seus pais estão vivos, obedeça aos ritos ao servi-los;
quando eles morrerem, obedeça aos ritos ao enterrá-los; obedeça aos ritos ao
sacrificar-se por eles.
6. Meng Wu Po perguntou sobre piedade filial. O Mestre disse: Não dê ao seu
pai e à sua mãe nenhuma outra causa de preocupação além da doença.
7. Tzu-y u perguntou sobre piedade filial. O Mestre disse: Hoje em dia, ser filial
não quer dizer mais do que ser capaz de prover seus pais com comida. Até
mesmo cães e cavalos são, de algum modo, alimentados. Se um homem não
mostra reverência, qual é a diferença?.
8. Tzu-hsia perguntou sobre piedade filial. O Mestre disse: O que é difícil é a
atitude das pessoas. Quanto aos jovens tomarem para si o fardo quando há
trabalho a ser feito ou deixarem os velhos aproveitarem o vinho e a comida
quando há, isso dificilmente merece ser chamado de filial.
9. O Mestre perguntou: Posso falar com Hui o dia inteiro sem que ele discorde
de mim sobre qualquer coisa. Poderia parecer que ele é estúpido. Entretanto,
quando examino melhor o que ele faz privadamente, depois que saiu da minha
presença, descubro que, de fato, joga alguma luz sobre o que eu disse. Hui não é
estúpido, afinal das contas.
10. O Mestre disse: Veja os meios que um homem emprega, observe o caminho
que ele toma e examine a circunstância em que ele se sente confortável.[31]
Como poderia o verdadeiro caráter de um homem esconder-se? Como poderia o
verdadeiro caráter de um homem esconder-se?
11. O Mestre disse: Merece ser um professor o homem que descobre o novo ao
refrescar na sua mente aquilo que ele já conhece.
12. O Mestre disse: O cavalheiro não é um pote.[32]
13. Tzu-kung perguntou sobre como é o verdadeiro cavalheiro. O Mestre disse:
Ele coloca suas palavras em ação e só então permite que as palavras sigam-lhe
a ação.
14. O Mestre disse: O cavalheiro associa-se com pessoas, mas não entra em
clubes; o pequeno homem entra em clubes, mas não se associa com ninguém.
15. O Mestre disse: Se um homem aprende com os outros mas não pensa, ele
ficará confuso. Se, por outro lado, um homem pensa mas não aprende com os
outros, ele estará em perigo.
16. O Mestre disse: Atacar uma questão pelo lado errado nada mais pode senão
causar danos.
17. O Mestre disse: Yu, vou lhe contar o que há para saber. Dizer que você sabe
quando você sabe, e dizer que você não sabe quando não sabe: isso é
conhecimento.
18. Tzu-chang estudava com o objetivo de seguir uma carreira oficial. O Mestre
disse: Use seus ouvidos amplamente, mas deixe de fora o que é duvidoso; repita
o resto com cuidado e você cometerá poucos erros. Use seus olhos amplamente
e deixe de fora o que é perigoso; coloque o resto em prática com cautela e você
terá poucos arrependimentos. Quando ao falar você cometer poucos enganos e
ao agir tiver poucos arrependimentos, uma carreira oficial decorrerá com
certeza.
19. O duque Ai perguntou: O que devo fazer para que o povo me admire?.
Confúcio respondeu: Promova os homens corretos e coloque-os acima dos
desonestos[33], e o povo o admirará. Promova os homens desonestos e coloqueos
acima dos homens corretos, e o povo não o admirará.
20. Chi Kang perguntou: Como se pode inculcar no povo a virtude da
reverência, de dar o melhor de si e com entusiasmo?.
O Mestre disse: Governe-o com dignidade e o povo será reverente; trate-o
com bondade e o povo dará o melhor de si; promova os homens bons e eduque os
mais atrasados, e o povo ficará tomado de entusiasmo.
21. Alguém disse para Confúcio: Por que o senhor não faz parte do governo?.
O Mestre disse: O Livro da História diz: Oh, um homem pode exercer
influência no governo simplesmente sendo um bom filho e amistoso com seus
irmãos.[34] Ao agir dessa forma um homem estará, de fato, fazendo parte do
governo. Como ousam perguntar sobre ele fazer ativamente parte do governo?.
22. O Mestre disse: Não entendo como pode ser aceitável um homem que é
desleal com suas palavras. Se falta um prego na canga de uma grande
carruagem ou nos arreios de uma pequena carruagem, como pode se esperar
que o carro vá em frente?.
23. Tzu-chang perguntou: Pode-se prever como será o futuro, daqui a dez
gerações?.
O Mestre disse: Os Yin basearam-se nos ritos de Hsia. Pode-se saber o que foi
acrescentado e o que foi omitido. Os Chou basearam-se nos os ritos de Yin. Podese
saber o que foi acrescentado e o que foi omitido. Se houver sucessores aos
Chou, pode-se saber como serão, até mesmo daqui a cem gerações.
24. O Mestre disse: Oferecer sacrifício ao espírito de um ancestral que não é
nosso é bajulação. Não fazer o que é certo demonstra falta de coragem.
Livro III
1. Confúcio disse da família Chi: Eles usam oito fileiras de dançarinas cada
um[35] para performances no jardim. Se isso pode ser tolerado, o que não pode
ser tolerado?.
2. As Três Famílias[36] recitavam o yung[37] quando as oferendas sacrificiais
estavam sendo retiradas. O Mestre disse:
Como plateia figuravam os grandes senhores,
Em dignidade solene estava o imperador.
Que aplicação isso pode ter nos salões das Três Famílias?
3. O Mestre disse: O que pode um homem fazer com os ritos se ele não é
benevolente? O que pode um homem fazer com a música se ele não é
benevolente?
4. Lin Fang perguntou sobre o fundamento dos ritos. O Mestre disse: Uma nobre
pergunta, de fato! Com os ritos, é melhor pecar pela simplicidade do que pela
extravagância; em matéria de luto, é melhor pecar pela tristeza do que pela
formalidade.
5. O Mestre disse: Tribos bárbaras com seus líderes são inferiores aos reinos
chineses sem líderes.
6. A família Chi estava indo fazer sacrifícios para o monte Tai[38]. O Mestre
disse para Jan Chiu[39]: Você não pode impedi-los?.
Não, não posso.
O Mestre disse: Oh! Mas quem pode imaginar que o monte Tai desconhece
os ritos assim como Lin Fang?.[40]
7. O Mestre disse: Não há competição entre cavalheiros. O mais próximo disso
é, talvez, no tiro com arco. No tiro com arco eles se curvam e dão lugar um para
o outro quando iniciam e, ao terminarem, bebem juntos. Até mesmo a maneira
com que competem é cavalheiresca.
8. Tzu-hsia perguntou:
Seu encantador sorriso com covinhas,
Seus belos olhos esgazeando,
Padrões de cores em seda lisa.[41]
Qual o significado de tais linhas?.
O Mestre disse: As cores são acrescentadas após o branco.
E a prática dos ritos, também vem depois?
O Mestre disse: É você, Shang, quem iluminou o texto para mim. Apenas com
um homem como você é possível discutir as Odes.
9. O Mestre disse: Posso falar sobre os ritos de Hsia, mas o reino de Chi[42] não
preservou evidências suficientes; posso falar sobre os ritos de Yin, mas o reino de
Sung não preservou evidências suficientes. Isso é porque não há registros
suficientes nem homens de erudição. Não fosse assim, eu poderia sustentar o que
digo em evidências.
10. O Mestre disse: Não quero assistir à parte do sacrifício ti[43] que vem depois
da libação de abertura ao personificador.[44]
11. Alguém perguntou sobre o significado do sacrifício ti. O Mestre disse: Não é
algo que eu entenda, pois quem entender terá capacidade para gerenciar o
império com tanta facilidade quanto se o tivesse aqui, apontando para a palma
da mão.
12. Sacrifício presente diz-se que significa sacrifique aos deuses como se os
deuses estivessem presentes.
O Mestre, entretanto, disse: A menos que eu participe do sacrifício, é como se
eu nada tivesse sacrificado.
13. Wang-sun Chia disse:
Melhor homenagear o fogão da cozinha
Do que o canto sudoeste da casa.[45]
O que isso significa?.
O Mestre disse: O ditado está errado. Quando você ofende o Céu, não adianta
voltar suas preces para nenhum outro lugar.
14. O Mestre disse: A cultura de Chou resplandece, tendo o exemplo de duas
dinastias anteriores[46]. Sou a favor dos Chou.
15. Quando o Mestre entrou no Grande Templo[47], ele fez perguntas sobre tudo.
Alguém observou: Quem disse que o filho do homem de Tsou[48] entendia os
ritos? Quando ele entrou no Grande Templo, ele fez perguntas sobre tudo.
O Mestre, ao ouvir isso, disse: Fazer perguntas é, em si, o ritual correto.
16. O Mestre disse:
No tiro com arco, o objetivo não reside em perfurar o alvo
Pela razão de que a força varia de homem para homem.
Essa era a ideia na Antiguidade.
17. Tzu-kung queria libertar a ovelha sacrificial no anúncio da lua nova. O Mestre
disse: Ssu, você está relutando em se desfazer do valor da ovelha, mas eu reluto
em ver o fracasso do ritual.
18. O Mestre disse: Você será visto pelos outros como alguém bajulador se
observar cada detalhe dos ritos ao servir o seu senhor.
19. O duque Ting perguntou: De que modo o governante deveria empregar o
serviço dos seus ministros? Qual o modo com que um ministro deveria servir ao
seu governante?.
Confúcio respondeu: O governante deveria empregar o serviço dos seus
ministros de acordo com os ritos. Um ministro deveria servir o seu governante
dando o melhor de si.
20. O Mestre disse: No kuan chü[49] há alegria sem futilidade, e tristeza sem
amargura.
21. O duque Ai perguntou a Tsai Wo sobre o altar de sacrifício ao deus da terra.
Tsai Wo respondeu: Os Hsia usavam o pinho, os Yin usavam o cedro, e os
homens de Chou usavam castanheira (li), dizendo que fazia o povo tremer (li).
O Mestre, ouvindo a resposta, comentou: Não se explica o que já está feito,
não se discute sobre o que já foi realizado, e não se condena o que já passou.
22. O Mestre disse: Kuan Chung era, de fato, um vassalo de pouca capacidade.
Alguém observou: Kuan Chung era frugal, então?.
Kuan Chung mantinha três estabelecimentos independentes, cada um com
uma equipe própria. Como poderia ele ser chamado de frugal?
Nesse caso, Kuan Chung entendia os ritos?
Governantes de reinos erigem anteparos de tela para seus portões; Kuan
Chung também erigia tal anteparo. O governante de um reino, quando recebe o
governante de outro reino, tem um suporte especial para descansar sua xícara;
Kuan Chung igualmente tinha tal suporte. Se até Kuan Chung entendia os ritos,
quem não os entende?
23. O Mestre conversou sobre música com o grande musicista de Lu, dizendo:
Isso é o que se pode saber sobre música. Começa sendo tocada em uníssono.
Quando flui totalmente, é harmoniosa, límpida e contínua. Desse modo chega à
conclusão.
24. O fiscal de fronteira de Yi requereu uma audiência [com Confúcio], dizendo:
Nunca me foi negada nenhuma audiência por um cavalheiro que tenha vindo
aqui. Os acompanhantes o apresentaram [a Confúcio]. Quando saiu, o oficial
disse: Estão preocupados, cavalheiros, com a perda do cargo? O Império há
muito não segue o Caminho. O Céu vai usar o Mestre de vocês como o badalo de
um sino.[50]
25. O Mestre disse, sobre shao[51], que era perfeitamente linda e perfeitamente
boa e, sobre wu[52], que era perfeitamente linda, mas não perfeitamente boa.
26. O Mestre disse: O que posso achar digno de nota em um homem a quem
falta tolerância quando em uma alta posição, a quem falta reverência quando
realiza os ritos e a quem falta tristeza quando em luto?.
Livro IV
1. O Mestre disse: A benevolência constitui o mais belo aspecto de uma
vizinhança. Como pode ser considerado sábio um homem que, quando tem a
possibilidade, não se estabelece em uma vizinhança benevolente?.
2. O Mestre disse: Quem não é benevolente não pode permanecer por muito
tempo em uma situação difícil e tampouco pode permanecer durante muito
tempo em circunstâncias favoráveis.
O homem benevolente é atraído pela benevolência porque ele se sente
confortável com ela. O homem sábio é atraído pela benevolência porque
percebe que ela lhe é favorável.
3. O Mestre disse: Apenas o homem benevolente é capaz de gostar ou de não
gostar de outros homens.
4. O Mestre disse: Se um homem aplica o seu coração no caminho da
benevolência, ele estará livre do mal.
5. O Mestre disse: Riqueza e posições altas são o que os homens desejam, mas a
menos que eu as conseguisse do jeito certo, eu não as manteria. Pobreza e
posições baixas são o que os homens não querem, mas mesmo se eu não as
conseguisse do modo certo, eu não tentaria escapar delas.[53]
Se o cavalheiro abandona a benevolência, de que modo pode ele construir um
nome para si? Um cavalheiro nunca abandona a benevolência, nem mesmo pelo
pouco tempo que demora para se comer uma refeição. Se ele se apressa e
tropeça, pode-se ter certeza de que é na benevolência que ele o faz.
6. O Mestre disse: Nunca conheci um homem que amasse a benevolência ou
um homem que odiasse a ausência dela*. Um homem que ama a benevolência
não pode ser superado. Um homem que odeia a falta de benevolência pode,
talvez, ser considerado benevolente, pois ele não permitiria que aquilo que não é
benevolente contaminasse sua pessoa.
Existe um homem que, pelo período de um só dia, seja capaz de dedicar toda a
sua força à benevolência? Nunca conheci um homem cuja força seja
insuficiente para essa tarefa. Deve haver casos de força insuficiente, mas
simplesmente não os encontrei.[54]
7. O Mestre disse: Os erros de um homem são condizentes ao tipo de pessoa que
ele é. Observe os erros e você conhecerá o homem.
8. O Mestre disse: Não viveu em vão aquele que morre no dia em que descobre
o Caminho.
9. O Mestre disse: Não há razão de buscar as opiniões de um Cavalheiro[55]
que, apesar de aplicar seu coração no Caminho, tenha vergonha da comida
simples e de suas roupas pobres.
10. O Mestre disse: Nas suas relações com o mundo, o cavalheiro não é
rigidamente contra ou a favor de nada. Ele fica do lado daquilo que é justo.
11. O Mestre disse: Enquanto o cavalheiro acalenta o bom governo, o homem
vulgar acalenta sua terra natal. Enquanto o cavalheiro acalenta respeito pela lei, o
homem vulgar acalenta um tratamento generoso.[56]
12. O Mestre disse: Se as ações de alguém são guiadas pelo lucro, esse alguém
provocará muitos ressentimentos.
13. O Mestre disse: Se um homem é capaz de governar um reino por meio da
observação dos ritos e do respeito, que dificuldades terá na vida pública? Se ele é
incapaz de governar um reino por meio da observação dos ritos e do respeito, de
que lhe servem os ritos?
14. O Mestre disse: Não se preocupe por não ter um cargo oficial. Preocupe-se
com as suas qualificações. Não se preocupe porque ninguém aprecia as suas
qualidades. Procure ser merecedor de apreço.
15. O Mestre disse: Tsan! Uma única linha amarra todo o meu pensamento.
Tseng Tzu assentiu.
Depois que o Mestre tinha saído, os discípulos perguntaram: O que ele quis
dizer?
Tseng Tzu disse: O caminho do Mestre consiste em dar o melhor de si e usar a
si próprio como medida para julgar os outros. Isso é tudo.
16. O Mestre disse: O cavalheiro entende o que é moral. O homem vulgar
entende o que é lucrativo.
17. O Mestre disse: Quando conhecer alguém melhor do que você, dirija seus
pensamentos para tornar-se igual a essa pessoa. Quando conhecer alguém tão
bom quanto você, olhe para dentro e examine a si próprio.
18. O Mestre disse: Ao servir seu pai e sua mãe, você deve dissuadi-los das
ações erradas do modo mais gentil. Se você vir seu conselho ser ignorado, não
deve se tornar desobediente, mas permanecer reverente. Não reclame, mesmo
que, com isso, você se canse.
19. O Mestre disse: Enquanto seus pais estiverem vivos, não viaje para muito
longe. Se o fizer, seu paradeiro deve sempre ser conhecido por eles.
20. O Mestre disse: Se, por três anos, um homem não se desviar do caminho do
seu pai, ele pode ser chamado de um bom filho.[57]
21. O Mestre disse: Um homem não deve desconhecer a idade do seu pai e da
sua mãe. É, por um lado, uma razão para alegrias e, por outro, para ansiedade.
22. O Mestre disse: Na Antiguidade, os homens relutavam em falar. Isso porque
consideravam vergonhoso se não conseguissem ser fiéis às suas palavras.
23. O Mestre disse: É raro que um homem apegado às coisas essenciais perca o
autocontrole.
24. O Mestre disse: O cavalheiro procura ser suave no falar mas rápido no
agir.
25. O Mestre disse: A virtude nunca está sozinha. Está destinada a ter vizinhos.
26. Tzu-y u disse: Ser inoportuno com seu senhor significará humilhação. Ser
inoportuno com os amigos significará afastamento.
Livro V
1. O Mestre disse de Kung-y eh Chang que ele era uma boa escolha para marido,
pois, embora estivesse preso, não havia feito nada errado. E lhe deu sua filha em
casamento.
2. O Mestre disse de Nan-jung que, quando o Caminho prevaleceu no reino, este
não foi posto de lado e, quando o Caminho caiu em desgraça, ele ficou longe da
humilhação e da punição. E lhe deu a filha do seu irmão mais velho em
casamento.[58]
3. O comentário do Mestre sobre Tzu-chien foi Que cavalheiro! Onde ele teria
adquirido as suas qualidades, se não houvesse cavalheiros no reino de Lu?.
4. Tzu-kung perguntou: O que acha de mim?.
O Mestre disse: Você é um navio.[59]
Que tipo de navio?
Um navio sacrificial.[60]
5. Alguém disse: Yung é benevolente mas não fala muito bem.
O Mestre disse: Qual a necessidade de ele falar bem? Um homem rápido nas
respostas frequentemente provocará o ódio dos outros. Não posso dizer se Yung é
benevolente ou não, mas qual a necessidade de ele falar bem?.
6. O Mestre aconselhou Chi-tiao Kai a assumir um cargo oficial. Chi-tiao Kai
disse: Acho que ainda não estou pronto. O Mestre ficou satisfeito.
7. O Mestre disse: Se o Caminho não pudesse prevalecer e eu fosse lançado ao
mar em uma jangada, aquele que me seguiria seria Yu, sem dúvida alguma.
Tzu-lu, ao ouvir isso, transbordou de alegria. O Mestre disse: Yu tem mais amor
à coragem do que eu, mas lhe falta juízo.
8. Meng Wu Po perguntou se Tzu-lu era benevolente. O Mestre disse: Não posso
dizer. Meng Wu Po repetiu a pergunta. O Mestre disse: A Yu pode ser dada a
responsabilidade de coordenar as tropas de um reino de mil carruagens, mas se
ele é benevolente ou não, não posso dizer.
E quanto a Chiu?
O Mestre disse: A Chiu pode ser dada a responsabilidade de administrar uma
cidade de mil casas ou uma família nobre de cem carruagens, mas se ele é
benevolente ou não, não posso dizer.
E quanto a Chih?
O Mestre disse: Quando Chih coloca a sua faixa e toma lugar na corte, a ele
pode ser dada a responsabilidade de conversar com os convidados, mas se ele é
benevolente ou não, não posso dizer.
9. O Mestre disse a Tzu-kung: Quem é o melhor homem, você ou Hui?.
Como eu ousaria me comparar a Hui? Quando lhe é dita uma coisa, ele
compreende cem coisas. Quando me é dita uma coisa, eu entendo apenas duas.
O Mestre disse: De fato, você não é tão bom quanto ele. Nenhum de nós dois
é tão bom quanto ele.
10. Tsai Yü estava na cama durante o dia. O Mestre disse: Um pedaço de
madeira podre não pode ser esculpido, tampouco pode uma parede de esterco
seco ser aplainada. Em se tratando de Yü, de que adianta condená-lo?. O Mestre
acrescentou: Eu costumava ouvir as palavras de um homem e confiar que ele
agiria de acordo. Agora, tendo ouvido as palavras de um homem, parto para
observar suas ações. Foi por causa de Yü que mudei quanto a isso.
11. O Mestre disse: Nunca conheci alguém que fosse verdadeiramente
constante.
Alguém perguntou: E quanto a Shen Cheng?.
O Mestre disse: Cheng é cheio de desejos. Como pode ser constante?.
12. Tzu-kung disse: Do mesmo modo que não quero que os outros mandem em
mim, também não quero mandar nos outros.
O Mestre disse: Ssu, isso ainda está bem acima de você.
13. Tzu-kung disse: Pode-se ouvir sobre as realizações do Mestre, mas não se
pode ouvir suas opiniões sobre a natureza humana e o Caminho para o Céu.
14. A única coisa que Tzu-lu temia era que, antes que pudesse colocar em prática
algo que aprendera, lhe ensinassem outra coisa diferente.
15. Tzu-kung perguntou: Por que Kung Wen Tzu foi chamado de wen?.
O Mestre disse: Ele era rápido e ávido por aprender: não teve vergonha de
buscar o conselho daqueles que lhe eram inferiores em posição. É por isso que
ele é chamado wen.[61]
16. O Mestre disse sobre Tzu-chan que sob quatro aspectos ele tinha as maneiras
de um cavalheiro: era respeitoso no modo como se comportava; era reverente no
serviço ao seu senhor; ao tratar com as pessoas comuns, ele era generoso e, ao
empregar os serviços destas, era justo.
17. O Mestre disse: Yen Ping-chung era um excelente amigo: mesmo quando
conhecia seus amigos há muito tempo, ele os tratava com reverência.
18. O Mestre disse: Ao fazer uma casa para sua grande tartaruga, Wen-chung
mandou esculpir os capitéis dos pilares na forma de montanhas e pintar os
caibros do telhado com desenhos de plantas aquáticas. O que se deve pensar
sobre a inteligência dele?.
19. Tzu-chang perguntou: Ling Yin[62] Tzu-wen não demonstrou júbilo algum
quando por três vezes foi feito primeiro-ministro. Tampouco demonstrou desgosto
quando por três vezes foi removido do cargo. Ele sempre dizia ao seu sucessor o
que havia feito durante seu mandato. O que acha disso?
O Mestre disse: Ele pode, de fato, ser considerado um homem que dá o
melhor de si.
E pode ele ser chamado de benevolente?
Sequer pode ser chamado de sábio. Como poderia ser chamado de
benevolente?
Quando o senhor de Chi foi assassinado por Tsui Tzu, Chen Wen Tzu, que
possuía dez grupos de quatro cavalos cada, abandonou-os e deixou o reino. Ao
chegar em outro reino, ele disse: Os oficiais aqui não são melhores do que o
nosso ministro Tsui Tzu e partiu de novo. O que acha disso?
O Mestre disse: Ele pode, de fato, ser considerado um homem puro.
Pode ele ser chamado de benevolente?
Sequer pode ser chamado de sábio. Como poderia ser chamado de
benevolente?
20. Chi Wen Tzu sempre pensava três vezes antes de agir. Quando o Mestre ficou
sabendo disso, comentou: Duas vezes é suficiente.
21. O Mestre disse: Ning Wu Tzu era inteligente enquanto o Caminho prevalecia
no reino, mas foi estúpido quando não prevaleceu. Outros podem igualar sua
inteligência, mas não podem igualar sua estupidez.
22. Quando estava em Chen, o Mestre disse: Vamos para casa. Vamos para
casa. Em casa, nossos jovens rapazes são furiosamente ambiciosos e têm
grandes talentos, mas não sabem usá-los.
23. O Mestre disse: Po Yi e Shu Chi nunca lembravam de velhas rixas. Por essa
razão, muito raramente provocavam ressentimentos.
24. O Mestre disse: Quem disse que Wei-sheng era correto? Uma vez, quando
um pedinte lhe mendigou vinagre, ele foi e pediu-o para um vizinho.
25. O Mestre disse: Palavras ardilosas, rosto adulador e absoluta subserviência:
essas coisas Tso-chiu considerava vergonhosas. Eu também as considero
vergonhosas. Ser amigável com alguém enquanto escondemos nossa hostilidade:
também isso Tso-chiu considerava vergonhoso. Eu também considero
vergonhoso.
26. Yen Yüan e Chi-lu estavam presentes. O Mestre disse: Sugiro que cada um
de vocês me conte os seus desejos mais fortes.
Tzu-lu disse: Eu desejaria partilhar minha carruagem e cavalos, roupas e
peles com meus amigos sem me arrepender, mesmo que eles ficassem gastos.
Yen Yüan disse: Eu desejaria nunca me vangloriar da minha própria bondade
e nunca impor tarefas pesadas aos outros.
Tzu-lu disse: Eu gostaria de ouvir quais os seus desejos secretos, Mestre.
O Mestre disse: Trazer paz aos velhos, ter confiança nos meus amigos e dar
afeto aos jovens.
27. O Mestre disse: Acho que devo abandonar as esperanças. Ainda estou para
conhecer o homem que, ao ver os próprios erros, seja capaz de se criticar
internamente.
28. O Mestre disse: Em um vilarejo de dez casas, sempre haverá aqueles que
são meus iguais quanto a fazer o melhor que podem pelos outros e quanto a ser
fiéis às próprias palavras, mas dificilmente terão tanta vontade de aprender
quanto eu tenho.
Livro VI
1. O Mestre disse: A Yung pode ser dado o assento de frente para o sul.[63]
2. Chung-kung perguntou sobre Tzu-sang Po-tzu. O Mestre disse: É sua
simplicidade de estilo que o torna aceitável.
Chung-kung disse: Ao governar o povo, não é aceitável ser exigente consigo
mesmo e condescendente ao tomar medidas? Por outro lado, não é exagerar na
simplicidade ser condescendente consigo mesmo, assim como ao tomar
medidas?.
O Mestre disse: Yung tem razão no que ele diz.
3. Quando o duque Ai perguntou qual dos seus discípulos tinha sede de aprender,
Confúcio respondeu: Havia um Yen Hui que tinha sede de aprender. Ele não
descarregava sua raiva em uma pessoa inocente, tampouco cometia o mesmo
erro duas vezes. Infelizmente, o tempo de vida que lhe coube era curto, e ele
morreu. Agora, não há ninguém. Ninguém com sede de aprender chegou ao
meu conhecimento.
4. Jan Tzu pediu grãos para dar à mãe de Tzu-hua, que estava fora em uma
missão para Chi. O Mestre disse: Dê-lhe um fu[64]. Jan Tzu pediu mais. Dêlhe
um yü. Jan Tzu deu-lhe cinco ping de grãos.
O Mestre disse: Chih foi para Chi carregado por cavalos bem-alimentados e
usando finas peles. Sempre ouvi dizer que um cavalheiro dá para ajudar os
necessitados, e não para manter os ricos em uma vida farta.
5. Ao tornar-se seu[65] administrador, Yüan Ssu recebeu novecentas medidas de
grãos, as quais declinou. O Mestre disse: Os grãos não podem ser úteis para
ajudar as pessoas no teu vilarejo?.
6. O Mestre disse de Chung-kung: Se um touro nascido de gado de arado tivesse
cor castanha e chifres bem-formados, será que os espíritos das montanhas e dos
rios o rejeitariam, mesmo que não o achássemos bom o suficiente para ser
usado?.
7. O Mestre disse: Em seu coração, Hui pode praticar a benevolência durante
três meses ininterruptos. Os outros atingem a benevolência meramente por
ataques repentinos.
8. Chi Kang Tzu perguntou: Chung Yu é bom o suficiente para que lhe seja
oferecido um cargo oficial?.
O Mestre disse: Yu é decidido. Que dificuldades ele poderia encontrar ao
assumir um cargo?.
Ssu é bom o suficiente para que lhe seja oferecido um cargo oficial?
Ssu é um homem inteligente. Que dificuldades ele poderia encontrar ao
assumir um cargo?
Chiu é bom o suficiente para que lhe seja oferecido um cargo oficial?
Chiu é um homem completo. Que dificuldades ele poderia encontrar ao
assumir um cargo?
9. A família Chi queria fazer de Min Tzu-chien o administrador de Pi. Min Tzuchien
disse: Decline a oferta delicadamente por mim. Se alguém tornar a vir
atrás de mim, estarei do outro lado do rio Wen.[66]
10. Po-niu estava doente. O Mestre visitou-o e, segurando sua mão através da
janela, disse: Vamos perdê-lo. Deve ser o Destino. Por que outra razão tal
homem seria fulminado por tal doença? Por que outra razão tal homem seria
fulminado por tal doença?.
11. O Mestre disse: Como Hui é admirável! Morar em um pequeno casebre
com uma tigela de arroz e uma concha de água por dia é uma provação que a
maioria dos homens acharia intolerável, mas Hui não permite que isso atrapalhe
sua alegria. Como Hui é admirável!.
12. Jan Chiu disse: Não é que eu não esteja satisfeito com o Caminho do
Mestre, mas me faltam forças. O Mestre disse: Um homem a quem faltam
forças entra em colapso ao longo do trajeto. Mas você desiste antes de
começar.
13. O Mestre disse para Tzu-hsia: Seja um ju[67] cavalheiro, não um ju
mesquinho.
14. Tzu-y u era o governador de Wu Cheng. O Mestre disse: Você fez alguma
descoberta lá?.
Há um Tan-tai Mieh-ming que nunca toma atalhos e que nunca esteve em
meus aposentos, exceto por razões oficiais.
15. O Mestre disse: Meng chih Fan não era dado a vangloriar-se. Quando o
exército tomou a estrada, ele ficou na retaguarda. Mas, ao adentrar o portão, ele
esporeava[68] seu cavalo, dizendo: Eu não fiquei para trás por modéstia.
Simplesmente, meu cavalo recusava-se a ir adiante.
16. O Mestre disse: Você pode ter a beleza de Sung Chao, mas será difícil
escapar ileso neste mundo se, ao mesmo tempo, não tiver a eloquência do
sacerdote Tuo.
17. O Mestre disse: Quem é que pode sair de uma casa sem usar a porta? Por
que, então, este Caminho não é seguido?.
18. O Mestre disse: Quando a natureza de alguém prevalece sobre a educação
recebida, o resultado será uma pessoa intratável. Quando a educação prevalece
sobre a natureza, o resultado será uma pessoa pedante. Apenas uma mistura bem
equilibrada das duas resultará em cavalheirismo.
19. O Mestre disse: Um homem sobrevive graças à sua retidão. Um homem
que engana os outros sobrevive graças à sorte de ser poupado.
20. O Mestre disse: Gostar de algo é melhor do que meramente conhecê-lo, e
encontrar alegria nesse algo é melhor do que meramente gostar dele.
21. O Mestre disse: Você pode explicar àqueles que estão acima da média sobre
os melhores, mas não pode explicar àqueles que estão abaixo da média.
22. Fan Chih perguntou sobre a sabedoria. O Mestre disse: Trabalhar pelas
coisas às quais o povo tem direito e manter-se à distância dos deuses e dos
espíritos enquanto lhes mostra reverência pode ser chamado de sabedoria.
Fan Chih perguntou sobre a benevolência. O Mestre disse: O homem
benevolente colhe o benefício apenas após vencer as dificuldades. Isso pode ser
chamado de benevolência.[69]
23. O Mestre disse: O sábio encontra alegria na água. O benevolente encontra
alegria nas montanhas. Os sábios são ativos; os benevolentes são plácidos. Os
sábios são alegres; os benevolentes são longevos.
24. O Mestre disse: Com uma só reforma, Chi pode ser transformado em um
Lu, e Lu, com uma só reforma, pode ser levado a atingir o Caminho.[70]
25. O Mestre disse: Uma garrafa ku[71] que não mede volume algum. Que
garrafa ku estranha! Que garrafa ku estranha!.
26. Tsai Wo perguntou: Se a um homem benevolente fosse dito que havia outro
homem benevolente no poço, iria ele, ainda assim, juntar-se ao outro?.
O Mestre disse: Por que deveria ser esse o caso? Um cavalheiro pode ser
mandado para lá, mas não pode ser atraído à armadilha. Ele pode ser enganado,
mas não pode ser feito de bobo.
27. O Mestre disse: O cavalheiro que é muito culto mas que é levado às coisas
essenciais pelos ritos dificilmente vai se voltar contra aquilo que apoiou.
28. O Mestre foi ver Nan Tzu.[72] Tzu-lu não gostou. O Mestre jurou: Se fiz algo
inapropriado, que o castigo do Céu caia sobre mim! Que o castigo do Céu caia
sobre mim!.
29. O Mestre disse: Supremo, de fato, é o Caminho do Meio como virtude
moral. Tem sido raro entre o povo há muito tempo.
30. Tzu-kung disse: Se houvesse um homem que desse generosamente ao povo e
trouxesse auxílio às multidões, o que o senhor pensaria dele? Ele poderia ser
considerado benevolente?.
O Mestre disse: Nesse caso não se trata mais de benevolência. Se é preciso
descrever tal homem, sábio é, talvez, a palavra adequada. Mesmo Yao e Shun
achariam difícil realizar tanto. Mas, por outro lado, um homem benevolente
ajuda os outros a firmar sua atitude do mesmo modo que ele próprio deseja
firmar a sua[73] e conduz os outros a isso do mesmo modo que ele próprio
deseja chegar lá. A capacidade de tomar o que está ao alcance da mão[74]
como parâmetro pode ser considerado o método da benevolência.
Livro VII
1. O Mestre disse: Eu transmito, mas não inovo; sou verdadeiro no que digo e
devotado à Antiguidade. Arrisco me comparar ao nosso Velho Peng.[75]
2. O Mestre disse: Silenciosamente depositar conhecimento na minha mente,
aprender sem perder a curiosidade, ensinar sem cansar: isso não me apresenta
dificuldade alguma.
3. O Mestre disse: Estas são as coisas que me causam preocupação: não
conseguir cultivar a virtude, não conseguir ir mais fundo naquilo que aprendi,
incapacidade de, quando me é dito o que é certo, tomar uma atitude e
incapacidade de me reformar quando apresento defeitos.
4. Durante seus momentos de lazer, o Mestre permanecia altivo, embora
relaxado.
5. O Mestre disse: Como caí montanha abaixo! Faz tanto tempo desde que
sonhei com o duque de Chou.
6. O Mestre disse: Aplico meu coração no caminho, baseio-me na virtude,
confio na benevolência para apoio e encontro entretenimento nas artes.
7. O Mestre disse: Nunca neguei instrução para ninguém que, por vontade
própria, tenha me dado um pacote de carne seca de presente.
8. O Mestre disse: Nunca explico nada para alguém que não esqueça do mundo
ao tentar entender um problema ou que não entre em um frenesi ao tentar se
expressar por palavras.
Se mostro um dos cantos de um quadrado para alguém e essa pessoa não
consegue encontrar os outros três, não mostro uma segunda vez.
9. Ao fazer uma refeição na presença de alguém que estivesse de luto, o Mestre
nunca comia toda sua porção.
10. O Mestre nunca cantava se, naquele dia, tivesse chorado.
11. O Mestre disse para Yen Yüan: Apenas você e eu temos a habilidade de
aparecer quando requisitados e de desaparecer quando deixados de lado.
Tzu-lu disse: Se você estivesse liderando os Três Exércitos, quem levaria
consigo?.
O Mestre disse: Eu não levaria comigo ninguém que tentasse lutar com um
tigre usando apenas as próprias mãos ou cruzar o rio[76] a nado e morrer na
tentativa sem mostrar arrependimento. Se eu levasse alguém, teria que ser um
homem que, ao se defrontar com uma missão, tivesse medo do fracasso e que,
ao mesmo tempo que gostasse de fazer planos, fosse capaz de executá-los com
sucesso.
12. O Mestre disse: Se a riqueza fosse um objetivo decente, eu, para obtê-la,
estaria disposto até mesmo a trabalhar como zelador do lado de fora do mercado,
com um chicote na mão. Se não é, devo seguir minhas próprias preferências.
13. Jejum, guerra e doença eram coisas que o Mestre tratava com cuidado.
14. O Mestre ouviu o shao[77] em Chi e por três meses não sentiu o gosto das
refeições que comia. Ele disse: Jamais sonhei que as alegrias da música
pudessem chegar a tais alturas.
15. Jan Yu disse: O Mestre está do lado do senhor de Wei?.[78]
Tzu-kung disse: Bem, vou perguntar a ele.
Ele entrou e disse: Que tipo de homens eram Po Yi e Shu Chi?.
Eram excelentes anciãos.
Tinham alguma queixa?
Procuravam a benevolência e a encontraram. Então, por que teriam qualquer
queixa?
Quando Tzu-kung saiu, ele disse: O Mestre não está do lado dele.
16. O Mestre disse: Ao comer arroz comum e ao beber água, ao utilizar o
próprio cotovelo como apoio, a alegria será encontrada. Riqueza e status
conquistados por meios imorais têm tanto a ver comigo quanto as nuvens que
passam.
17. O Mestre disse: Concedam-me mais alguns anos para que eu possa estudar
até os cinquenta, e então estarei livre de maiores erros.
18. As coisas para as quais o Mestre usava a pronúncia correta: as Odes, o Livro
da História e a realização das cerimônias rituais. Em todos esses casos ele usava
a pronúncia correta.
19. O governador do She perguntou a Tzu-lu sobre Confúcio. Tzu-lu não
respondeu. O Mestre disse: Por que você não falou simplesmente o seguinte: ele
é o tipo de homem que esquece de comer quando está distraído com um
problema, que é tão alegre que esquece suas preocupações e que não percebe a
aproximação da velhice?.
20. O Mestre disse: Não nasci com conhecimento, mas, por gostar do que é
antigo, apressei-me em buscá-lo.
21. Os assuntos sobre os quais o Mestre não discorria eram milagres, violência,
desordem e espíritos.
22. O Mestre disse: Sou fadado a, mesmo enquanto caminho na companhia de
dois homens quaisquer, aprender com eles. Imito as qualidades de um; os
defeitos do outro, corrijo-os em mim mesmo.
23. O Mestre disse: O Céu é o autor da virtude que há em mim. O que pode
Huan Tui fazer comigo?.[79]
24. O Mestre disse: Meus amigos, acham que sou misterioso? Não há nada que
eu esconda de vocês. Não há nada que eu não compartilhe com vocês, meus
amigos. Eis como sou.
25. O Mestre ensina quatro matérias: cultura, conduta moral, fazer o melhor
possível e ser coerente com aquilo que se diz.
26. O Mestre disse: Não tenho qualquer esperança de encontrar um sábio.
Ficaria contente se encontrasse um cavalheiro.
O Mestre disse: Não tenho qualquer esperança de encontrar um homem bom.
Eu ficaria contente se encontrasse alguém constante.[80] É difícil considerar
constante um homem que diz ter quando lhe falta, que diz estar cheio quando está
vazio e estar confortável quando está em circunstâncias difíceis.
27. O Mestre usava uma linha de pesca, mas não uma rede; ele sabia usar o arco,
mas não atirava em pássaros que cantassem.
28. O Mestre disse: Existem, presumivelmente, homens que inovam sem possuir
conhecimento, mas essa é uma falha que não tenho. Faço amplo uso de meus
ouvidos e sigo o que é bom daquilo que ouvi; faço amplo uso dos meus olhos e
retenho na minha mente o que vi.[81] Isso constitui o melhor substituto para o
conhecimento inato.[82]
29. Era difícil ensinar algo ao povo de Hu Hsiang. Um menino foi recebido pelo
Mestre, e os discípulos ficaram perplexos. O Mestre disse: Aprovação à vinda
dele não significa aprovação quando ele não está aqui. Por que deveríamos ser
tão preciosistas? Quando um homem vem a nós após ter se purificado,
aprovamos sua purificação, mas não podemos chancelar seu passado.[83]
30. O Mestre disse: A benevolência é realmente algo tão distante? Tão logo a
desejo e ela está aqui.
31. Chen Ssu-pai perguntou se o duque Chao era versado nos ritos. Confúcio
disse: Sim.
Depois de Confúcio ir embora, Chen Ssu-pai, curvando-se para Wu-ma Chi,
convidou este para se aproximar e disse: Ouvi dizer que um cavalheiro não
demonstra parcialidade. E mesmo assim o seu Mestre é parcial? O senhor tomou
como esposa uma filha de Wu, que é do mesmo clã que ele[84], mas ele permite
que ela seja chamada Wu Meng Tzu[85]. Se esse senhor é versado nos ritos,
quem não é?.
Quando Wu-ma Chi relatou-lhe isso, o Mestre disse: Sou um homem de sorte.
Sempre que cometo um erro, as outras pessoas percebem.[86]
32. Quando o Mestre estava cantando na companhia de outros homens e gostava
da música de um companheiro, ele sempre pedia para ouvi-la mais uma vez
antes de tomar parte no coro.
33. O Mestre disse: Quanto a fazer esforços irrestritos, sou igual aos outros
homens, mas quanto a viver de acordo com os preceitos de um cavalheiro, não
obtive, ainda, sucesso algum.
34. O Mestre disse: Como posso me considerar um sábio ou um homem
benevolente? Talvez possa ser dito sobre mim que aprendo sem esmorecer e que
ensino sem me cansar.[87] Jung-hsi Hua disse: Isso é, precisamente, aquilo
que nós, discípulos, somos incapazes de aprender com o seu exemplo.
35. O Mestre estava gravemente doente. Tzu-lu pediu permissão para fazer uma
oração. O Mestre disse: Isso foi feito alguma vez?. Tzu-lu disse: Sim, foi. A
oração foi a seguinte: rogo aos espíritos do mundo inferior e do mundo superior.
O Mestre disse: Nesse caso, há tempos venho oferecendo minhas orações.
36. O Mestre disse: Extravagância significa ostentação; frugalidade significa
desalinho. Eu preferiria ser um maltrapilho do que um ostentador.
37. O Mestre disse: O cavalheiro tem a mente tranquila, enquanto o homem
vulgar está sempre tomado de ansiedade.
38. O Mestre é cordial embora severo, inspira autoridade sem ser bravo e é
respeitoso ao mesmo tempo em que é tranquilo.
Livro VIII
1. O Mestre disse: Seguramente Tai Po pode ser considerado muito virtuoso.
Três vezes ele abriu mão de seu direito de governar o Império sem dar ao povo a
oportunidade de louvá-lo.
2. O Mestre disse: A menos que um homem tenha o espírito dos ritos, ao ser
respeitoso ele vai exaurir a si mesmo, ao ser cuidadoso ele vai se tornar tímido,
ao ter coragem ele vai se tornar indisciplinado e, ao ser íntegro, ele vai se tornar
intolerante.[88]
Quando o cavalheiro sente profunda afeição por seus pais, o povo será levado
à benevolência. Quando ele não esquece amigos de longa data, o povo não fugirá
de suas obrigações.
3. Quando estava seriamente doente, Tseng Tzu chamou seus discípulos e disse:
Olhem para as minhas mãos. Olhem para os meus pés. As Odes dizem:
Com medo e tremendo
Como se aproximando de um profundo abismo,
Como se andando sobre gelo fino.[89]
Somente agora tenho a certeza de ter sido poupado[90], meus jovens amigos.
4. Tseng Tzu estava muito doente. Quando Meng Ching Tzu o visitou, eis o que
Tseng Tzu disse:
Triste é o canto de um pássaro que morre;
Boas são as palavras de um homem que morre.
Há três coisas que o cavalheiro mais valoriza no Caminho: ficar longe de
violência ao apresentar uma aparência séria, tornar-se confiável ao mostrar no
rosto uma expressão apropriada e evitar ser entediante e pouco razoável ao falar
em um tom apropriado. Quanto às questões da liturgia ritual, há oficiais
responsáveis por isso.
5. Tseng Tzu disse: Ser competente e ainda assim pedir conselho para aqueles
que não são. Ter muitos talentos e no entanto pedir conselho para aqueles que têm
poucos. Ter e no entanto parecer que não tem. Estar cheio e no entanto parecer
vazio.[91] Sofrer uma transgressão e no entanto não se importar. Era para esses
objetivos que meu amigo[92] costumava dirigir seus esforços.
6. Tseng Tzu disse: Se a um homem pode ser confiado um órfão de seis
chih[93] de altura e o destino de um reino de cem li quadrados de tamanho, sem
que ele se desvie dos seus propósitos nem mesmo em momentos de crise, não se
trata de um cavalheiro? Trata-se, de fato, de um cavalheiro.
7. Tseng Tzu disse: Um Cavalheiro deve ser forte e resoluto, pois seu fardo é
pesado e sua estrada, longa. Ele toma a benevolência como fardo. Isso não é
pesado? Apenas com a morte a estrada chega a um final. Isso não é longo?.
8. O Mestre disse: Inspire-se nas Odes, firme sua atitude com os ritos e
aperfeiçoe-se pela música.
9. O Mestre disse: O povo pode ser obrigado a seguir um caminho, mas não
pode ser forçado a entendê-lo.
10. O Mestre disse: A insatisfação com a pobreza levará um homem de índole
corajosa a um comportamento indisciplinado. O ódio excessivo levará homens
que não são benevolentes a um comportamento indisciplinado.
11. O Mestre disse: As qualidades de um homem tão talentoso quanto o duque
de Chou não mereceriam atenção se ele fosse também arrogante e egoísta.
12. O Mestre disse: Não é fácil achar um homem capaz de estudar durante três
anos sem pensar em receber um salário.
13. O Mestre disse: Dedique-se com fé a aprender e espere a morte da maneira
certa. Não entre em um reino instável; não permaneça em um reino instável.
Mostre-se quando o Caminho vingar no Império, mas esconda-se quando isso não
acontecer. É vergonhoso ser pobre e humilde quando o Caminho prevalece no
reino. Igualmente, é vergonhoso ser rico e nobre quando o Caminho cai em
desgraça no reino.
14. O Mestre disse: Não se preocupe com questões de governo a menos que
sejam da responsabilidade do seu cargo.[94]
15. O Mestre disse: Quando Chih, o mestre de música, começa a tocar, e
quando o Kuan chü[95] chega ao fim, como o som enche os ouvidos!.
16. O Mestre disse: Homens que rejeitam a disciplina e que, no entanto, não são
corretos, homens que são ignorantes e que, no entanto, não são cautelosos,
homens que são desprovidos de habilidade e que, no entanto, são inconfiáveis
estão bem além da minha compreensão.
17. O Mestre disse: Mesmo com um homem que persegue os estudos como
quem luta pela própria vida meu temor é que ainda assim ele não consiga fazê-lo
a tempo.
18. O Mestre disse: Quão superiores Shun e Yü foram ao se manter à distância
do Império quando, na verdade, tinham domínio sobre ele.
19. O Mestre disse: Yao foi de fato um grande governante! Que sublime! O Céu
é grande, e Yao espelhou-se nele. Ele era tão grandioso que o povo não tinha
palavras para louvar-lhe as virtudes. Superior foi ele em seus sucessos e brilhante
em suas realizações!.
20. Shun tinha cinco oficiais, e o Império era bem-governado. O rei Wu disse:
Tenho dez oficiais competentes.
Confúcio comentou: É difícil encontrar pessoas talentosas: que verdade! Os
tempos de Tang e Yü[96] foram ricos em pessoas talentosas.[97] Eram, na
verdade, apenas nove, incluindo uma mulher.[98] A dinastia Chou continuou
servindo a Yin mesmo quando dominava dois terços do Império. A virtude de
Chou pode ser considerada suprema.
21. O Mestre disse: Em Yü não encontro defeito algum. Ele comia e bebia
frugalmente ao passo que fazia oferendas aos espíritos dos ancestrais e aos
deuses com a mais extrema devoção, apropriada a um descendente. Ele vestia
roupas comuns ao passo que não poupava enfeites em suas vestes e chapéus
litúrgicos. Ele morava em pobres casebres ao passo que devotava toda sua
energia à construção de canais de irrigação. Em Yü não encontro defeito
algum.
Livro IX
1. As ocasiões em que o Mestre falava sobre lucro, Destino e benevolência eram
raras.
2. Um homem de um vilarejo em Ta Hsiang disse: Grande é Confúcio! Ele
acumulou muito conhecimento, mas não se sobressaiu pessoalmente em campo
nenhum. O Mestre, ao ouvir isso, disse aos seus discípulos: Em que deveria eu
tornar-me proficiente? Em dirigir? Ou no arco? Acho que preferiria dirigir.
3. O Mestre disse: Os ritos prescrevem um boné cerimonial de linho. Hoje,
usamos seda preta no lugar. Isso é mais frugal, e eu sigo a maioria. Os ritos
prescrevem que a pessoa se prostre antes de subir os degraus. Hoje faz-se isso
após tê-los descido. Isso é casual, e, embora indo de encontro à maioria, sigo a
prática de prostrar-me antes de subir.
4. Havia quatro coisas com as quais o Mestre recusava ter qualquer relação:
recusava-se a fazer conjecturas[99] ou a ser dogmático; recusava-se a ser
inflexível ou egocêntrico.
5. Quando estava em estado de sítio em Kuang, o Mestre disse: Com o rei Wen
morto, a civilização (wen) não depende agora de mim? Se o Céu quer que a
civilização seja destruída, aqueles que vierem depois de mim não terão qualquer
coisa a ver com ela. Se o Céu não quer que esta civilização seja destruída, então
o que os homens de Kuang podem fazer contra mim?.
6. O tai tsai[100] perguntou a Tzu-kung: Com certeza o Mestre é um sábio, não
é mesmo? De outra forma, por que teria ele tantas habilidades?. Tzu-kung disse:
É verdade, o Céu colocou-o no caminho da sabedoria. Entretanto, ele tem vários
outros talentos.
O Mestre, ao ouvir isso, disse: Como o tai tsai me conhece bem! Eu era de
origem humilde quando jovem. É por isso que tenho várias habilidades manuais.
Mas deveria um cavalheiro ter várias habilidades? Não, de modo algum.
7. Lao[101] disse: O Mestre disse Nunca recebi um cargo oficial. É por isso que
sou um faz-tudo.
8. O Mestre disse: Possuo conhecimento? Não, não possuo. Um camponês me
fez uma pergunta, e minha mente ficou completamente vazia. Revirei a pergunta
por todos os lados até que consegui extrair tudo dela.[102]
9. O Mestre disse: A fênix não aparece, tampouco o rio revela um mapa.[103] É
o meu fim.
10. Quando o Mestre encontrava homens que estavam de luto ou de chapéu e
trajes cerimoniais, ou que eram cegos, ele punha-se de pé, mesmo que fossem
mais jovens do que ele, e, ao passar por eles, apressava o passo.[104]
11. Yen Yüan, suspirando, disse: Quanto mais o observo, mais alto ele parece.
Quanto mais o pressiono, mais duro ele se torna. Vejo-o à minha frente. De
repente, está atrás de mim.
O Mestre é bom em conduzir alguém passo a passo. Ele me estimula com a
literatura e me traz de volta às coisas essenciais por meio dos ritos. Eu não
conseguiria desistir nem que quisesse, mas, uma vez que dei o melhor que pude,
ele[105] parece levantar-se acima de mim e não consigo segui-lo, por mais que
eu queira.
12. O Mestre estava muito doente. Tzu-lu disse a seus discípulos para servirem de
empregados.[106] Quando sua saúde melhorou, o Mestre disse: Yu vem
enganando há muito tempo. Ao fingir que eu tinha empregados quando não os
tinha, a quem ele estaria enganando? Estaríamos enganando os céus? Além disso,
não preferiria eu morrer nas mãos de vocês, meus amigos, do que nas mãos de
empregados? E, mesmo que não me fossem dados funerais requintados, eu não
morreria em negligência.
13. Tzu-kung disse: Se tivesse um belo pedaço de jade, você o guardaria com
cuidado em uma caixa ou tentaria vendê-lo por um bom preço?. O Mestre disse:
Claro que o venderia. Claro que o venderia. Estou apenas esperando pela oferta
certa.
14. O Mestre queria se estabelecer entre as nove tribos bárbaras do Leste.
Alguém disse: Mas o senhor conseguiria suportar seus modos selvagens?. O
Mestre disse: Uma vez que um cavalheiro se estabelecesse entre eles, que
selvageria ainda existiria?.
15. O Mestre disse: Foi depois da minha volta de Wei para Lu que a música
voltou à ordem, com o ya e o sung[107] sendo designados para os devidos
lugares.
16. O Mestre disse: Servir a altos oficiais quando no exterior e àqueles mais
velhos que eu quando em casa; ao preparar funerais, não poupar a mim mesmo
e beber pouco essas são as coisas comuns que não me causam problema
algum.
17. Certa vez de pé, junto a um rio, o Mestre disse: Tudo o que passa é, talvez,
como este rio. Dia e noite, ele nunca desacelera.
18. O Mestre disse: Ainda estou para conhecer o homem que tenha tanta
afeição pela virtude quanto pela beleza feminina.[108]
19. O Mestre disse: É como fazer um monte: se paro antes de encher a última
cesta de terra, então não chegarei ao fim. É como aterrar o chão: se sigo adiante
apesar de ter nivelado apenas o conteúdo de uma cesta de terra, então farei
progressos.
20. O Mestre disse: Se há alguém que consegue me ouvir com atenção
incansável, trata-se de Hui, suponho.
21. O Mestre disse sobre Yen Yüan: Vi-o progredir, mas não o vi dar completa
vazão ao seu potencial. Que pena!.
22. O Mestre disse: Há, não é verdade?, plantas jovens que não conseguem
produzir botões, e botões que não conseguem produzir frutas?.
23. O Mestre disse: Deve-se admirar os jovens. Como podemos ter certeza de
que as gerações futuras não serão iguais à presente? Creio que apenas quando um
homem atinge a idade de quarenta ou cinquenta anos sem se destacar de
nenhuma maneira pode-se dizer que ele não merece ser admirado.
24. O Mestre disse: Não se pode senão concordar com palavras exemplares,
mas o importante é retificar a si mesmo. Não se pode senão ficar satisfeito com
palavras elogiosas, mas o importante é reformar a si próprio. Nada posso fazer
com o homem que concorda com esses preceitos mas que não retifica a si
próprio, ou com o homem que fica lisonjeado mas que não reforma a si
próprio.
25. O Mestre disse: Fazer o melhor pelos outros e ser coerente com o que diz:
faça disso o seu princípio norteador. Não aceite como amigo ninguém que não
seja tão bom quanto você. Quando cometer um erro, não tenha medo de corrigilo.[
109]
26. O Mestre disse: Pode-se privar os Três Exércitos do seu comandante, mas
nem mesmo um homem comum pode ser privado do seu livre-arbítrio.
27. O Mestre disse: Se há alguém que pode usar um gorro surrado e remendado
com velhos fios de seda e ainda assim conseguir permanecer junto a um homem
que veste pele de raposa ou de texugo sem se sentir envergonhado, este é, creio,
Yu.
Nem invejoso nem ambicioso,
Que pode ser ele, senão Bom?.[110]
Portanto, Tzu-lu constantemente recitava esses versos. O Mestre comentava: O
caminho resumido nesses versos dificilmente tornará alguém bom.
28. O Mestre disse: Apenas quando chega o frio percebe-se que o pinheiro e o
cipreste são os últimos a perder as folhas.
29. O Mestre disse: O homem sábio nunca fica indeciso;[111] o homem
benevolente nunca fica aflito;[112] o homem corajoso nunca tem medo.[113]
30. O Mestre disse: Um homem apropriado para ser o parceiro de alguém nos
estudos não é, necessariamente, apropriado como o parceiro na busca pelo
Caminho; um homem apropriado para ser um parceiro na busca pelo Caminho
não é, necessariamente, apropriado como alguém com quem compartilhar um
compromisso; um homem apropriado como alguém com quem compartilhar um
compromisso não necessariamente é apropriado como parceiro para o exercício
da excelência moral.
31.
As flores da cerejeira,
Como ondulam no ar!
Não é que eu não pense em você,
Mas sua casa fica longe demais.[114]
O Mestre comentou: Ele não a amava de verdade. Se amasse, não existiria algo
como longe demais.
Livro X
1. Na comunidade local, Confúcio era submisso e parecia inarticulado. No
templo ancestral e na corte, embora fluente, ele não falava com leveza.
2. Na corte, quando falava com ministros de nível hierárquico mais baixo, ele era
afável; quando falava com ministros de nível hierárquico mais elevado, ele era
franco, embora respeitoso. Na presença do governante, sua atitude, embora
respeitosa, era calma.
3. Quando ele era chamado pelo senhor para receber um convidado, seu rosto
adquiria uma expressão séria, e suas passadas tornavam-se vigorosas. Quando
ele curvava-se para os seus colegas, esticando os braços para a esquerda ou para
a direita, suas vestimentas seguiam-lhe os movimentos sem se desalinharem. Ele
avançava com passos rápidos, como se tivesse asas. Após a retirada dos
convidados, ele invariavelmente relatava: O convidado foi embora.
4. Ao atravessar os portões externos até a corte do senhor, ele esgueirava-se para
dentro, como se a entrada fosse pequena demais para admiti-lo.
Quando ficava parado, não ocupava o centro do portão de entrada[115];
quando caminhava, não pisava na soleira.
Quando ele passava pelo trono do governante, seu rosto assumia uma
expressão séria, suas passadas tornavam-se vigorosas, e suas palavras pareciam
mais lacônicas.
Quando ele erguia a bainha de suas roupas para subir até o salão de audiências,
ele se inclinava para a frente e parava de inspirar, como se pudesse prescindir da
respiração.
Quando ele saía e descia o primeiro degrau, relaxando a expressão, ele não
mais parecia tenso.
Quando ele chegava ao final dos degraus, seguia adiante com passos mais
rápidos, e suas mangas pareciam asas.
Quando retomava seu lugar, sua atitude era respeitosa.
5. Quando segurava a tabuleta de jade[116], ele se inclinava, como se o peso da
tabuleta fosse demais para ele. Segurava a parte superior como se estivesse se
curvando numa saudação; segurava a parte inferior como se fosse entregar um
presente. Sua expressão era solene, como se tivesse medo, e hesitante, e seus
passos eram contidos como se seguissem uma linha predeterminada.
Quando fazia o discurso, sua expressão era plácida.
Em uma audiência privada, mostrava-se descontraído.
6. O cavalheiro evitava usar seda tingida de roxo escuro e marrom para lapelas e
mangas. Seda vermelha e violeta não eram usadas para roupas informais.
Quando, no verão, ele vestia uma roupa simples, fosse feita de tecido fino ou
grosseiro, ele invariavelmente a usava sobre uma roupa de baixo.
Por baixo de um casaco preto, ele usava pele de ovelha; sob um casaco
branco, ele usava pele de falcão; sob um casaco amarelo, ele usava pele de
raposa.
Seu casaco de pele de raposa para usar em casa era comprido mas com a
manga direita curta.
Ele invariavelmente usava uma roupa de dormir que era tão longa quanto a
metade da sua altura.[117]
Por serem muito espessas, a pele da raposa e do texugo eram usadas como
tapetes.
Uma vez terminado o período de luto, ele usava qualquer tipo de ornamento na
cintura.
A não ser pelo manto cerimonial, tudo mais era costurado a partir de pedaços
de tecidos.
Casacos de pele de ovelha e gorros pretos não eram usados em visitas de
condolências.
No dia de Ano-Novo, ele invariavelmente ia à corte em roupas formais.
7. Em períodos de purificação, ele invariavelmente usava uma roupa de ficar em
casa feita do material mais barato.
Em períodos de purificação, ele invariavelmente seguia uma dieta mais
austera e, quando em casa, não sentava no seu lugar habitual.
8. Ele não comia toda a sua porção de arroz refinado, nem comia sua parte de
carne finamente cortada.
Não comia arroz que ficara azedo ou peixe e carne estragados. Ele não comia
alimentos que tivessem perdido a cor ou que tivessem mau cheiro. Ele não comia
alimentos que não fossem devidamente preparados, tampouco comia fora de
hora. Não comia alimentos que não tivessem sido devidamente cortados,
tampouco comia se o molho certo não estivesse disponível.
Mesmo quando havia bastante carne, ele evitava comer mais carne do que
arroz.
Apenas em se tratando de vinho ele não estipulava para si um limite rígido. Ele
simplesmente nunca bebia a ponto de ficar confuso.
Ele não consumia vinho ou carne comprados em lojas.
Mesmo quando o prato de gengibre não era levado embora da mesa, ele não
comia mais do que o apropriado.
9. Depois de participar de um sacrifício nos domínios do governante, ele não
guardava sua porção da carne sacrificial de um dia para o outro. Em outros
casos, ele não guardava a carne sacrificial por mais do que três dias. Se tivesse
sido guardada por mais de três dias, ele não mais a comia.
10. Ele não conversava durante as refeições; tampouco falava quando deitado na
cama.
11. Mesmo quando uma refeição consistia de apenas uma porção de arroz e
caldo de legumes, ele invariavelmente oferecia um pouco em sacrifício e
invariavelmente o fazia de modo solene.
12. Ele jamais sentava sobre uma esteira que não estivesse bem esticada.
13. Ao beber em uma reunião da comunidade, ele ia embora na mesma hora
que aqueles que usavam bengalas.
14. Quando os camponeses exorcizavam maus espíritos, ele punha suas roupas de
corte e postava-se sobre os degraus do leste.[118]
15. Ao enviar uma mensagem para alguém de outro reino, ele curvava-se até o
chão duas vezes antes de despachar o mensageiro.
16. Quando Kang Tzu mandou-lhe remédios de presente, [Confúcio] curvou a
cabeça até o chão antes de aceitá-los. Entretanto, disse: Como não conheço as
propriedades destes remédios, não ouso prová-los.
17. Os estábulos pegaram fogo. O Mestre, ao voltar da corte, perguntou:
Alguém se feriu?. Ele não perguntou sobre os cavalos.
18. Quando o governante o presenteava com alimentos cozidos, a primeira coisa
que ele invariavelmente fazia era prová-los, após ajustar sua esteira. Quando o
governante o presenteava com alimentos crus, ele invariavelmente os cozinhava
e oferecia aos ancestrais. Quando o governante o presenteava com um animal
vivo, ele invariavelmente passava a criar o animal. À mesa do seu governante,
quando este havia feito uma oferenda antes da refeição, ele invariavelmente
começava pelo arroz.
19. Durante uma doença, quando o governante lhe fez uma visita, ele ficou
deitado com a cabeça voltada para o leste, com suas vestimentas de corte abertas
sobre si e sua faixa colocada ao lado da cama.
20. Quando chamado pelo governante, ele partia sem esperar que cavalos
fossem atrelados à sua carruagem.
21. Quando entrou no Grande Templo, ele fez perguntas sobre tudo.[119]
22. Sempre que morria um amigo que não tinha parentes por quem o corpo
pudesse ser levado, ele dizia: O funeral partirá da minha casa.
23. Mesmo que o presente dado por um amigo fosse uma carruagem e cavalos,
ele não se curvava até o chão a menos que o presente fosse a carne de um
sacrifício.
24. Quando na cama, ele não ficava deitado como um cadáver; tampouco
sentava formalmente, como um convidado, quando sozinho.
25. Quando ele encontrava uma pessoa simples em trajes de luto, mesmo que
fosse algum conhecido, ele invariavelmente assumia uma atitude solene. Quando
ele encontrava uma pessoa vestindo um gorro cerimonial ou alguém cego,
mesmo que fossem conhecidos seus, ele invariavelmente mostrava respeito.
[120]
Ao passar por uma pessoa vestida de luto, inclinava-se para fora da carruagem
para mostrar respeito; agia de forma similar para com uma pessoa que
carregasse documentos oficiais.
Quando um suntuoso banquete era trazido, ele invariavelmente assumia uma
expressão solene e punha-se de pé.
Quando havia uma repentino troar de trovões ou um vento violento, ele
invariavelmente assumia uma atitude solene.[121]
26. Quando subia em uma carruagem, ele invariavelmente punha-se ereto e
segurava a maçaneta.
Quando na carruagem, ele não se voltava completamente para o lado de
dentro, tampouco gritava ou apontava.
27. Assustado, o pássaro levantou-se e volteou antes de pousar. Ele disse: Como
a fêmea do faisão sobre a ponte da montanha sabe o momento certo, como sabe
o momento certo, como sabe!. Tzu-lu juntou as mãos em um gesto de respeito
para com o pássaro que, batendo três vezes as asas, voou para longe.
Livro XI
1. O Mestre disse: Quanto aos ritos e à música, os primeiros discípulos que
vieram até mim eram camponeses, ao passo que aqueles que vieram depois
eram cavalheiros. Quando se trata de pôr em uso os ritos e a música, sigo os
primeiros.
2. O Mestre disse: Nenhum daqueles que estiveram comigo em Chen e Tsai
jamais foram além da minha porta.[122]
3. Conduta virtuosa: Yen Yüan, Min Tzu-chien, Jan Po-niu e Chung-kung;
discurso: Tsai Wo e Tzu-kung; governo: Jan Yu e Chi-lu; cultura e educação: Tzuy
u e Tzu-hsia.
4. O Mestre disse: Hui não me é de nenhuma utilidade. Ele fica satisfeito com
tudo o que digo.
5. O Mestre disse: Que bom filho é Min Tzu-chien! Ninguém encontra nada de
ruim naquilo que seus pais e irmãos têm a dizer sobre ele.
6. Nan Jung sempre repetia as linhas sobre o cetro de jade branco.[123] Confúcio
deu-lhe a filha de seu irmão mais velho em casamento.[124]
7. Chi Kang Tzu perguntou qual dos seus discípulos tinha sede de aprender.
Confúcio respondeu: Havia um chamado Yen Hui que tinha sede de aprender,
mas infelizmente o tempo que lhe foi concedido era curto, e ele morreu. Agora,
não há ninguém.
8. Quando Yen Yüan morreu, Yen Lu[125] pediu que o Mestre lhe desse sua
carruagem para pagar um caixão externo para o seu filho. O Mestre disse:
Todos defendem o próprio filho, tenha este talentos ou não. Quando Li[126]
morreu, ele tinha um caixão, mas não um caixão externo, eu não fui a pé para
fornecer a ele um caixão externo porque não teria sido apropriado que eu fosse a
pé, já que assumi um cargo entre os ministros do reino.
9. Quando Yen Yüan morreu, o Mestre disse: Ai! O Céu está me destruindo! O
Céu está me destruindo!.
10. Quando Yen Yüan morreu, ao chorar por ele, o Mestre mostrou muita
tristeza. Seus seguidores disseram: Mestre, a tristeza que o senhor está
mostrando é excessiva. É? Se não por ele, por quem deveria eu mostrar tristeza
excessiva?
11. Quando Yen Yüan morreu, os discípulos quiseram dar-lhe um funeral
suntuoso. O Mestre disse: Não seria apropriado. Mesmo assim, deram-lhe um
funeral suntuoso. O Mestre disse: Hui me tratava como um pai, e, no entanto, fui
impedido de tratá-lo como um filho. Não foi por escolha minha. Foi coisa desses
outros.
12. Chi-lu perguntou como os espíritos dos mortos e os deuses deveriam ser
servidos. O Mestre disse: Você sequer é capaz de servir aos homens. Como
poderia servir aos espíritos?.
Posso perguntar sobre a morte?
Você sequer entende a vida. Como poderia entender a morte?
13. Quando na presença do Mestre, Min Tzu parecia respeitoso e digno; Tzu-lu
parecia resoluto; Jan Yu e Tzu-kung pareciam afáveis. O Mestre ficava feliz.
Um homem como Yu não morrerá de morte natural.[127]
14. O povo de Lu estava reconstruindo o tesouro. Min Tzu-chien disse: Por que
não apenas restaurá-lo? Por que ele precisa ser totalmente reconstruído?.
O Mestre disse: Este homem ou não fala, ou vai direto ao âmago da questão.
15. O Mestre disse: O que o alaúde de Yu está fazendo do lado de dentro da
minha porta?. Os discípulos deixaram de tratar Tzu-lu com respeito. O Mestre
disse: Pode ser que Yu não tenha entrado nas dependências íntimas, mas ele
subiu até o salão.
16. Tzu-kung perguntou: Quem é superior, Shih ou Shang?. O Mestre disse:
Shih passa do alvo; Shang não chega até ele.
Isso significa que Shih é, de fato, o melhor?
O Mestre disse: Tanto aquele que passa do alvo quanto o que não chega até ele
não atingem o objetivo.
17. A riqueza da família Chi era maior do que a do duque de Chou, e mesmo
assim Chiu ajudou-a a enriquecer ainda mais por meio do recolhimento de
impostos. O Mestre disse: Ele não é discípulo meu. Vocês, meus jovens amigos,
podem atacá-lo abertamente ao rufar dos tambores.[128]
18. O Mestre disse: Chai é estúpido; Tsan é devagar; Shih é parcial; Yu é justo.
19. O Mestre disse: Talvez Hui seja difícil de se aprimorar; ele constantemente
se permite cair em uma pobreza abjeta. Ssu recusa-se a aceitar seu quinhão e se
põe a ganhar dinheiro e frequentemente está certo em suas conjecturas.
20. Tzu-chang perguntou sobre o caminho do homem bom. O Mestre disse: Tal
homem não segue os passos de outras pessoas; tampouco é admitido nas
dependências íntimas.[129]
21. O Mestre disse: Alguém que simplesmente apoia opiniões tenazes é um
cavalheiro? Ou está ele apenas tentando aparentar dignidade?.
22. Tzu-lu perguntou: Deve-se imediatamente colocar em prática o que se
ouviu? O Mestre disse: Como seu pai e irmãos mais velhos ainda estão vivos,
dificilmente você estará em posição de colocar imediatamente em prática o que
ouviu.
Jan Yu perguntou: Deve-se imediatamente colocar em prática o que se
ouviu?. O Mestre disse: Sim. Deve-se.
Kung-hsi Hua disse: Quando Yu perguntou se se deveria imediatamente
colocar em prática o que se ouviu, o senhor apontou que o pai e os irmãos mais
velhos dele estavam vivos. E, no entanto, quando Chiu perguntou se se deveria
imediatamente colocar em prática o que se ouviu, o senhor respondeu que sim.
Estou confuso. Pode me iluminar?.
O Mestre disse: Chiu é acanhado. É por essa razão que eu tentei encorajá-lo.
Yu tem a energia de dois homens. É por essa razão que tentei refreá-lo.
23. Quando o Mestre foi emboscado em Kuang, Yen Yüan ficou para trás. O
Mestre disse: Pensei que você tinha encontrado a morte. Enquanto o senhor,
Mestre, estiver vivo, como eu ousaria morrer?
24. Chi Tzu-jan perguntou: Podem Chung Yu e Jan Chiu ser considerados
grandes ministros?.
O Mestre disse: Eu esperava uma pergunta um tanto diferente. Nunca me
ocorreu que você fosse me perguntar sobre Yu e Chiu. O termo grande ministro
refere-se àqueles que servem ao seu governante de acordo com o Caminho e
que, quando isso não mais é possível, demitem-se do cargo. Agora, homens
como Yu e Chiu pode ser descritos como ministros apontados para preencher
vagas.
Nesse caso, são eles do tipo que sempre fará o que lhes for mandado?
Não. Não o farão quando se tratar de parricídio ou regicídio.
25. Na ocasião em que Tzu-lu fez de Tzu-kao prefeito de Pi, o Mestre disse: Ele
está arruinando o filho de outro homem.
Tzu-lu disse: Há as pessoas comuns e os oficiais, e há os altares para os deuses
da terra e dos grãos. Por que seria necessário ler livros para aprender?.
O Mestre disse: É por essa razão que não gosto de homens de fala astuciosa.
26. Tzu-lu, Tseng Hsi, Jan Yu e Kung-hsi Hua estavam sentados com o Mestre.
Este disse: Não se sintam constrangidos só porque sou um pouco mais velho do
que vocês. Agora vocês têm o hábito de dizer: Minhas habilidades não são
apreciadas, mas se alguém apreciasse suas habilidades, digam-me o que vocês
fariam.
Tzu-lu prontamente respondeu: Se eu fosse administrar um reino de mil
carruagens, situado entre poderosos vizinhos, perturbado por invasões armadas e
ameaçado constantemente pela fome, eu poderia, ao cabo de três anos, dar
coragem ao povo e um senso de dever.
O Mestre sorriu para ele.
Chiu, e quanto a você?
Se eu fosse administrar uma área medindo sessenta ou setenta li quadrados,
ou até mesmo cinquenta ou sessenta li quadrados, eu poderia, ao cabo de três
anos, fazer a população crescer até um nível adequado. Quanto aos ritos e à
música, eu deixaria isso para cavalheiros mais capazes.
Chih, e quanto a você?
Não digo que eu já tenha a habilidade, mas estou aprendendo. Em
cerimônias, no templo ancestral ou em reuniões diplomáticas, eu gostaria de
participar como um pequeno oficial encarregado do protocolo, devidamente
vestido com meu gorro e meu traje cerimonial.
Tien, e você?
Após algumas notas finais, veio a nota derradeira, e então ele colocou o alaúde
de lado e se levantou. Difiro dos outros três em minhas escolhas.
O Mestre disse: E que mal há nisso? Afinal de contas, cada homem está
dizendo aquilo que está no seu coração.
No final da primavera, uma vez confeccionadas as roupas da estação, eu
gostaria de, junto com cinco ou seis adultos ou sete meninos, ir tomar banho no
rio Yi e aproveitar a brisa no Altar da Chuva e então voltar para casa entoando
poesias.
O Mestre suspirou e disse: Estou de pleno acordo com Tien.
Quando os três foram embora, Tseng Hsi ficou para trás. Ele disse: O que
acha do que os outros três disseram?.
Estavam apenas dizendo aquilo que estava em seus corações.
Por que você sorriu para Yu?
É por meio dos ritos que um reino é administrado, mas do modo com que ele
falou, Yu mostrou falta de modéstia. Foi por isso que sorri para ele.
No caso de Chiu, não estava ele pensando em um reino?
O que pode justificar que alguém diga que sessenta ou setenta li quadrados de
terra ou até mesmo cinquenta ou sessenta li quadrados não merecem o nome de
reino?
No caso de Chih, não estava ele falando de um reino?
O que são cerimônias no templo ancestral e reuniões diplomáticas senão
questões que dizem respeito a governantes de reinos? Se Chiu desempenha
apenas um pequeno papel, quem seria capaz de desempenhar um papel maior?
Livro XII
1. Yen Yüan perguntou sobre a benevolência. O Mestre disse: Voltar-se à
observância dos ritos sobrepondo-se ao indivíduo constitui a benevolência. Se por
um único dia um homem puder retornar à observância dos ritos ao sobrepor-se a
si mesmo, então todo o Império o considerará benevolente. Entretanto, a prática
da benevolência depende inteiramente da própria pessoa, e não dos outros.
Yen Yüan disse: Gostaria que vocês listassem os passos deste processo. O
Mestre disse: Não olhe a menos que esteja de acordo com os ritos; não escute a
menos que esteja de acordo com os ritos; não fale a menos que seja de acordo
com os ritos; não se mexa a menos que seja de acordo com os ritos.
Yen Yüan disse: Embora eu não seja rápido, hei de dirigir meus esforços para
o que o Mestre falou.
2. Chung-kung perguntou sobre a benevolência. O Mestre disse: Quando em
terra estrangeira, comporte-se como se recebesse um convidado importante.
Quando empregar os serviços do povo comum, comporte-se como se estivesse
oficiando um importante sacrifício. Não imponha aos outros aquilo que você não
deseja para si próprio.[130] Desse modo, você estará livre de maus sentimentos,
seja no âmbito do reino ou de uma família nobre.
Chung-kung disse: Embora eu não seja rápido, hei de dirigir meus esforços
para o que o Mestre falou.
3. Ssu-ma perguntou sobre a benevolência. O Mestre disse: A marca distintiva
do homem benevolente é que ele reluta em falar.
Nesse caso, pode-se dizer que um homem é benevolente simplesmente
porque reluta em falar?
O Mestre disse: Quando agir é difícil, causa alguma surpresa que alguém
relute em falar?.[131]
4. Ssu-ma Niu perguntou sobre o cavalheiro. O Mestre disse: O cavalheiro é
livre de preocupações e medos.
Nesse caso, pode-se dizer que um homem é um cavalheiro simplesmente
porque está livre de preocupações e medos?
O Mestre disse: Se, ao examinar a si próprio, um homem não encontra
nenhuma razão para se repreender, que preocupações e medos pode ele ter?.
5. Ssu-ma Niu apareceu preocupado, dizendo: Todos os homens têm irmãos. Só
eu não tenho nenhum. Tzu-hsia disse: Já ouvi dizer: vida e morte são uma
questão de Destino; riqueza e honra dependem do Céu. O cavalheiro é reverente
e não faz nada errado, é respeitoso para com os outros e observa os ritos, e todos
habitantes dos Quatro Mares serão seus irmãos. Qual a necessidade de o
cavalheiro preocupar-se quanto a não ter irmãos?.
6. Tzu-chang perguntou sobre a perspicácia. O Mestre disse: Quando um
homem não é influenciado por difamações continuamente repetidas ou por
denúncias pelas quais ele sente alguma simpatia, ele pode ser chamado de
perspicaz. Ao mesmo tempo, ele pode ser chamado de previdente.
7. Tzu-kung perguntou sobre governo. O Mestre disse: Dê-lhes comida
suficiente, dê-lhes armas suficientes, e as pessoas comuns confiarão em você.
Tzu-kung perguntou: Se alguém tivesse de abrir mão de um desses três, de
qual deveria abrir mão primeiro?.
Abra mão das armas.
Tzu-kung disse: Se alguém tivesse que abrir mão de um dos dois restantes, de
qual deveria abrir mão primeiro?.
Abra mão da comida. A morte sempre esteve conosco, desde o começo dos
tempos, mas quando não há confiança, as pessoas comuns não terão nada a que
se agarrar.
8. Chi Tzu-cheng disse: O mais importante a respeito de um cavalheiro é o
material do qual ele é feito. Para que ele precisa de refinamento?. Tzu-kung
comentou: É uma pena que um cavalheiro fale desse modo sobre o cavalheiro.
Uma parelha de quatro cavalos não pode ir mais rápido do que a língua de
alguém. O material não difere do refinamento; o refinamento não difere do
material. A pele de um tigre ou de um leopardo, desprovida de pelos, não é
diferente da de um cachorro ou de uma ovelha.
9. O duque Ai perguntou a Yu Juo: A colheita vai mal, e não tenho o suficiente
para cobrir os gastos. Que devo fazer?.
Yu Juo respondeu: Que tal taxar as pessoas em uma de dez partes?.
Já não tenho o suficiente agora que as taxo em duas partes de dez. Como eu
poderia taxá-las em uma parte de dez?
Quando as pessoas têm o suficiente, quem sobra na insuficiência? Quando as
pessoas não tem o suficiente, quem resta para gozar da abundância?
10. Tzu-chang perguntou sobre a exaltação da virtude e sobre como reconhecer a
incoerência. O Mestre disse: Faça o seu princípio norteador dar o melhor de si
pelos outros e ser coerente com aquilo que diz, e vá onde há retidão, então você
estará exaltando a virtude. Quando se ama um homem, deseja-se que ele viva, e
quando se odeia um homem, deseja-se que ele morra. Se, tendo uma vez
desejado que ele vivesse, você depois deseja que ele morra, isso é incoerência.
Se você não o fez pelo bem dos ricos,
Você deve tê-lo feito pelo bem da mudança.[132]
11. O duque Ching de Chi perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio
respondeu: Deixe que o governante seja um governante, o súdito, um súdito, o
pai, um pai, o filho, um filho. O duque disse: Esplêndido! Realmente, se o
governante não for um governante, o súdito, um súdito, se o pai não for um pai e
o filho, um filho, então, mesmo que houvesse grãos, conseguiria eu comê-los?.
12. O Mestre disse: Se alguém pode chegar à verdade de uma disputa legal
apenas a partir das evidências de uma das partes, é, talvez, Yu.
Tzu-lu nunca posterga o cumprimento de uma promessa ao dia seguinte.
13. O Mestre disse: Ao julgar uma disputa judicial, sou igual a qualquer outro
homem. Mas, se vocês insistem em uma diferença, é, talvez, que, em primeiro
lugar, tento convencer as partes a não recorrer ao litígio.
14. Tzu-chang perguntou sobre governo. O Mestre disse: Quanto à rotina diária,
não mostre cansaço, e quando houver alguma ação a ser tomada, dê o melhor de
si.
15. O Mestre disse: O cavalheiro que é muito culto mas que é levado às coisas
essenciais pelos ritos dificilmente vai se voltar contra aquilo que apoiou.[133]
16. O Mestre disse: O cavalheiro ajuda os outros a perceberem o que há de bom
neles; não os ajuda a perceberem o que há de ruim. O homem vulgar faz o
contrário.
17. Chi Kang Tzu perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio respondeu:
Governar (cheng) é corrigir (cheng).[134] Se você der exemplo ao ser correto,
quem ousaria continuar sendo incorreto?.
18. O grande número de ladrões na região era uma fonte de preocupação para
Chi Kang Tzu, que pediu conselho a Confúcio. Confúcio respondeu: Se você não
fosse um homem ganancioso[135], ninguém roubaria, nem mesmo se
oferecessem recompensas aos ladrões.
19. Chi Kang Tzu perguntou a Confúcio sobre o governo, dizendo: O que o
Mestre pensaria se, para me aproximar daqueles que seguem o Caminho, eu
matasse aqueles que não o seguem?.
Confúcio respondeu: Qual a necessidade de matar para administrar um
governo? Apenas deseje o bem, e o povo será bom. A virtude do cavalheiro é
como o vento; a virtude do homem comum é como grama. Que o vento sopre
sobre a grama, e ela com certeza se dobrará.[136]
20. Tzu-chang perguntou: Como um cavalheiro deve ser para que digam que ele
conseguiu distinguir-se?. O Mestre disse: Que diabos você quer dizer com
distinguir-se?. Tzu-chang respondeu: O que tenho em mente é um homem
que tem certeza de ser conhecido, sirva ele em um reino ou em uma família
nobre. O Mestre disse: Isso é ser conhecido, não se distinguir. O termo
distinguir-se descreve um homem que é correto por natureza e que gosta do que
é certo, sensível às palavras das outras pessoas e observador da expressão nos
rostos delas e que sempre se preocupa em ser modesto. Tal homem é destinado a
distinguir-se, sirva ele em um reino ou em uma família nobre. Por outro lado, o
termo ser conhecido descreve um homem que não tem dúvidas de que é
benevolente, quando tudo o que ele está fazendo é mostrar uma fachada de
benevolência que não condiz com suas ações. Tal homem é destinado a ser
conhecido, sirva ele em um reino ou em uma família nobre.
21. Fan Chih estava com Confúcio durante uma visita ao Altar da Chuva. Ele
disse: Posso perguntar sobre o acúmulo da virtude, a reforma dos corrompidos e
a admissão do mau julgamento?. O Mestre disse: Que esplêndida pergunta!
Colocar o serviço prestado acima da recompensa que você ganha, não é isso
acúmulo da virtude?[137] Atacar o mal como o mal e não como o mal de um
homem em particular, não é isso o caminho para reformar os corrompidos?
Deixar que um repentino ataque de raiva faça com que você esqueça da
segurança da sua própria pessoa ou mesmo da dos seus parentes, não é isso um
mau julgamento?
22. Fan Chih perguntou sobre benevolência. O Mestre disse: Ame seus
semelhantes.
Ele perguntou sobre a sabedoria. O Mestre disse: Conheça os homens. Fan
Chih não entendeu. O Mestre disse: Promova os justos e coloque-os acima dos
corrompidos.[138] Isso pode endireitar os corrompidos.
Fan Chih retirou-se e foi falar com Tzu-hsia, dizendo: Há pouco fui ver o
Mestre e perguntei sobre a sabedoria. O Mestre disse: Promova os justos e
coloque-os acima dos corrompidos. Isso pode endireitar os corrompidos. O que
ele quis dizer?.
Tzu-hsia disse: Rico, de fato, é o significado de tais palavras. Quando Shun
dominava o Império, escolhendo entre a multidão ele promoveu Kao Yao e, ao
fazer isso, afastou aqueles que não eram benevolentes. Quanto Tang dominava o
Império, escolhendo entre a multidão promoveu Yi Yin e, ao fazer isso, afastou
aqueles que não eram benevolentes.
23. Tzu-kung perguntou sobre como os amigos devem ser tratados. O Mestre
disse: Aconselhe-os o melhor que puder e guie-os corretamente, mas pare
quando hão houver esperança de sucesso. Não peça para ser rejeitado.[139]
24. Tseng Tzu disse: Um cavalheiro faz amigos por meio da sua cultura, mas
busca os amigos para apoio benevolente.
Livro XIII
1. Tzu-lu perguntou sobre governo. O Mestre disse: Dê o exemplo você mesmo
e, assim, estimule o povo a trabalhar duro. Tzu-lu perguntou mais. O Mestre
disse: Não permita que seus esforços esmoreçam.
2. Enquanto era administrador da família Chi, Chung-kung perguntou sobre
governo. O Mestre disse: Sirva de exemplo para os seus oficiais seguirem;
mostre tolerância para com pequenos ofensores; e promova homens de talento.
E como identificar os homens de talento, para promovê-los?
O Mestre disse: Promova aqueles que você reconhece. Acha que os outros
vão permitir que aqueles que você não reconhece sejam esquecidos?.
3. Tzu-lu disse: Se o senhor de Wei o encarregasse da administração (cheng) do
estado, o que o senhor faria primeiro?.
O Mestre disse: Se algo tem de ser feito primeiro, é, talvez, a retificação
(cheng)[140] dos nomes.
Tzu-lu disse: É mesmo? Que caminho indireto o Mestre toma! Para que tratar
da retificação?.
O Mestre disse: Yu, como você é atrapalhado. Espera-se que um cavalheiro
não ofereça nenhuma opinião sobre aquilo que desconhece. Quando os nomes
não são corretos, o que é dito não soará razoável; quando o que é dito não soa
razoável, os negócios não culminarão em sucesso e ritos e músicas não
florescerão; quando ritos e música não florescerem, a punição não encerrará os
crimes; quando a punição não encerrar os crimes, o povo ficará desanimado.
Assim, quando o cavalheiro nomeia algo, o nome com certeza terá uma função
no seu discurso, e, quando ele disser algo, com certeza será algo passível de ser
colocado em prática. Um cavalheiro é tudo menos casual quando se trata de
linguagem.
4. Fan Chih pediu que Confúcio lhe ensinasse a criar animais. O Mestre disse:
Não sou tão bom quanto um velho fazendeiro. Fan Chih pediu que lhe
ensinasse como cultivar vegetais. Não sou tão bom quanto um velho jardineiro.
Quando Fan Chih foi embora, o Mestre disse: Que tolo é Fan Hsü! Quando os
governantes amam os ritos, nenhuma pessoa comum ousará ser irreverente;
quando amam aquilo que é correto, nenhuma pessoa comum ousará ser
insubordinada; quando amam que haja coerência com aquilo que é dito,
nenhuma das pessoas comuns ousará ser insincera. Desse modo, pessoas dos
quatro cantos acorrerão, com os filhos atados às costas. Que necessidade há de
falar sobre a criação de animais?.
5. O Mestre disse: Se um homem que conhece as trezentas Odes de cor falha
quando lhe são dadas responsabilidades administrativas e se mostra incapaz de ter
iniciativa própria quando enviado para estados estrangeiros, então qual a utilidade
das Odes para ele, independentemente de quantas ele tenha aprendido?.
6. O Mestre disse: Se um homem é correto, então haverá obediência sem que
ordens sejam dadas; mas se ele não é correto, não haverá obediência, mesmo
que ordens sejam dadas.
7. O Mestre disse: Em seus governos, os reinos de Lu e Wei são como irmãos.
8. O Mestre disse sobre o príncipe Ching de Wei que ele mostrava uma atitude
louvável em relação à sua moradia. Quando ele pela primeira vez teve uma
casa, disse: É adequada. Quando a ampliou um pouco, disse: É completa.
Quando ela se tornou suntuosa, ele disse: É admirável.
9. Quando o Mestre foi para Wei, Jan Yu conduziu a carruagem para ele. O
Mestre disse: Que população florescente!.
Jan Yu disse: Quando a população floresce, que outro benefício pode-se
acrescentar?.
Fazer as pessoas ricas.
Quando as pessoas tornam-se ricas, que outro benefício pode-se
acrescentar?
Educá-las.[141]
10. O Mestre disse: Se alguém me empregasse, dentro do período de um ano eu
deixaria as coisas em um estado satisfatório e depois de três anos eu teria provas
disso para mostrar.
11. O Mestre disse: Como é verdadeiro o ditado que diz que depois que um reino
foi governado durante cem anos por bons homens é possível vencer a crueldade
e acabar com os homicídios!.
12. O Mestre disse: Mesmo com um rei de verdade, leva-se uma geração
inteira para que a benevolência torne-se realidade.
13. O Mestre disse: Se um homem consegue fazer com que ele próprio seja
correto, que dificuldade haverá para ele tomar parte no governo? Se ele não
consegue fazer com que ele próprio seja correto, o que tem ele a ver com fazer
os outros serem corretos?.
14. Jan Tzu voltou da corte. O Mestre disse: Por que tão tarde?. Assuntos de
Estado. O Mestre disse: Só podem ter sido coisas de rotina. Houvesse algum
assunto de Estado, eu teria ficado sabendo sobre ele, mesmo que eu não tenha
mais nenhum cargo.
15. O duque Ting perguntou: Existe uma máxima que garanta a prosperidade de
um reino?.
Confúcio respondeu: Uma máxima não pode fazer exatamente isso. Há um
ditado entre os homens: É difícil ser um governante, e tampouco é fácil ser
súdito. Se um governante entende a dificuldade de ser um governante, então não
se trata praticamente de uma máxima levando o reino à prosperidade?.
Existe uma máxima que possa levar o reino à ruína?
Confúcio respondeu: Uma máxima não pode fazer exatamente isso. Há um
ditado entre os homens: Não gosto de ser um governante, exceto pelo fato de que
ninguém vai contra aquilo que eu digo. Se o que ele diz é bom e ninguém vai
contra ele, ótimo. Mas e se o que ele diz não é bom e ninguém vai contra ele,
então não se trata praticamente de uma máxima levando o reino à ruína?.
16. O governador de She perguntou sobre governo. O Mestre disse: Certifique-se
sempre de que aqueles que estão perto estejam satisfeitos e de que aqueles que
estão longe sejam atraídos.
17. Ao se tornar prefeito de Chü Fu, Tzu-hsia perguntou sobre governo. O Mestre
disse: Não seja impaciente. Não tenha em mente apenas ganhos pequenos. Se
você for impaciente, não atingirá o seu objetivo. Se tiver em mente apenas
pequenos ganhos, as grandes missões não serão cumpridas.
18. O governador de She disse a Confúcio: Em nossa aldeia há um homem que
é chamado de Retidão. Quando o pai dele roubou uma ovelha, ele o denunciou.
Confúcio respondeu: Em nossa aldeia, aqueles que são corretos são muito
diferentes. Os pais protegem os filhos, e os filhos protegem os pais. Retidão é algo
encontrado nesse comportamento.
19. Fan Chih perguntou sobre benevolência. O Mestre disse: Quando estiver em
casa, mantenha-se em uma atitude respeitosa; quando estiver servindo como
oficial, seja reverente; quando lidar com outros, dê o melhor de si. Essas são
qualidades que não podem ser deixadas de lado, mesmo que você vá viver entre
bárbaros.
20. Tzu-kung perguntou: Como deve ser um homem para que possam chamá-lo
verdadeiramente de Cavalheiro?. O Mestre disse: Um homem que se mostra
honrado na forma com que se conduz e que, quando enviado para o exterior em
missão, não desgraça o nome de seu senhor pode ser chamado de Cavalheiro.
E abaixo dele, quem merece figurar?
Alguém que dentro do próprio clã é elogiado por ser um bom filho e que na
sua aldeia é elogiado por ser um jovem respeitoso.
E a seguir?
Um homem que insiste em manter sua palavra e em levar suas ações até o
fim talvez esteja qualificado para ser o próximo, mesmo que mostre uma
teimosa estreiteza da mente.
E quanto aos homens que estão na vida pública, presentemente?
O Mestre disse: Oh, eles são de capacidade tão limitada que mal contam.
21. O Mestre disse: Se é impossível encontrar homens moderados para
companheiros, deve-se, se não há alternativa, voltar-se aos indisciplinados e aos
cautelosos. Os primeiros arriscam-se a qualquer coisa, enquanto os últimos
demarcam o limite para alguns tipos de ações.
22. O Mestre disse: As pessoas do sul têm um ditado: Um homem sem
consistência[142] não dará nem um xamã nem um médico. Muito bem dito! Se
uma pessoa não demonstra uma virtude consistente, essa pessoa passará, talvez,
vergonha.[143] O Mestre continuou, para comentar: A importância do ditado é
simplesmente a de que, em tal caso, não há razão alguma para consultar um
oráculo.
23. O Mestre disse: O cavalheiro concorda com os outros sem ser um eco. O
homem vulgar ecoa sem estar de acordo.
24. Tzu-kung perguntou: Todos na aldeia gostam dele. O que você acha disso?
O Mestre disse: Isso não é o suficiente.
Ninguém na aldeia gosta dele. O que acha disso?
O Mestre disse: Isso tampouco é suficiente. Aqueles na aldeia que são bons
gostam dele e aqueles na aldeia que são maus não gostam dele. Isso ficaria
melhor.
25. O Mestre disse: O cavalheiro é fácil de ser servido mas difícil de agradar.
Ele não ficará satisfeito a menos que você tente agradá-lo seguindo o Caminho,
mas quando se trata de empregar os serviços de outras pessoas, ele o faz dentro
dos limites da capacidade delas. O homem vulgar é difícil de ser servido mas
fácil de agradar. Ele ficará satisfeito mesmo que você tente agradá-lo sem seguir
o Caminho, mas quando se trata de empregar os serviços de outros, ele exige
perfeição.
26. O Mestre disse: O cavalheiro fica à vontade sem ser arrogante; o homem
vulgar é arrogante sem ficar à vontade.
27. O Mestre disse: Força inquebrantável, resolução, simplicidade e
reticência[144] são próximas da benevolência.
28. Tzu-lu perguntou: Como deve ser um homem para que mereça que o
chamem de Cavalheiro?. O Mestre disse: Alguém que é, por um lado, sincero
e inteligente e, por outro lado, cordial merece ser chamado de Cavalheiro
sincero e inteligente entre os seus amigos e cordial entre irmãos.
29. O Mestre disse: Depois que um homem bom educou o povo por sete anos, aí
então o povo estará pronto para pegar em armas.
30. O Mestre disse: Mandar o povo para a guerra sem que ele tenha educação é
jogá-lo fora.
Livro XIV
1. Hsien perguntou sobre a vergonha. O Mestre disse: É vergonhoso fazer do
salário seu único objetivo, indiferente quanto a se o Caminho prevalece no reino
ou não.
Manter-se longe da tentação de tentar agir em proveito próprio, de jactar-se
de si mesmo, de guardar rancores e de ser ambicioso pode ser considerado
benevolente?
O Mestre disse: Pode ser considerado difícil, mas não sei se se trata de
benevolência.
2. O Mestre disse: Um cavalheiro que é apegado ao conforto não merece ser
chamado de Cavalheiro.
3. O Mestre disse: Quando o Caminho prevalece no reino, fale e aja
destemidamente e com altivez; quando o Caminho não prevalece, aja
destemidamente e com altivez, mas fale com reserva e de modo suave.
4. O Mestre disse: Um homem de virtude com certeza é o autor de dizeres
memoráveis, mas o autor de dizeres memoráveis não é necessariamente
virtuoso. Um homem benevolente com certeza é corajoso, mas um homem
corajoso não necessariamente é benevolente.
5. Nan-kung Kuo perguntou a Confúcio: Tanto Yi, que era bom no tiro com
arco, e Ao, que era tão bom marinheiro que podia fazer um barco navegar sobre
a terra seca, tiveram mortes violentas, enquanto Yü e Chi, que ajudaram a
semear as lavouras, dominaram o Império. O Mestre nada replicou.
Depois que Nan-kung Kuo foi embora, o Mestre comentou: Quão cavalheiro
é esse homem! Como ele reverencia a virtude!.
6. O Mestre disse: Podemos supor que há casos de cavalheiros que não são
benevolentes, mas não há um homem vulgar que seja, ao mesmo tempo,
benevolente.
7. O Mestre disse: É possível amar alguém sem fazer com que essa pessoa
trabalhe duro? É possível dar o melhor de si por alguém sem educá-lo?.
8. O Mestre disse: Ao redigir o texto de um tratado, Pi Chen escrevia o
rascunho, Shih Shu fazia comentários, Tzu-y ü, o mestre de protocolo, fazia os
retoques, e Tzu-chan de Tung Li o embelezava.
9. Alguém perguntou sobre Tzu-chan. O Mestre disse: Era um homem
generoso. A mesma pessoa perguntou por Tzu-hsi. O Mestre disse: Aquele
homem! Aquele homem!. Então perguntou sobre Kuan Chung. O Mestre disse:
Era um homem.[145] Tomou trezentas casas do domínio da família Po na
cidade de Pien, e Po, obrigado a viver apenas de arroz comum, não disse uma só
palavra em reclamação, até o fim dos seus dias.
10. O Mestre disse: É mais difícil não reclamar da injustiça quando pobre do
que não se comportar com arrogância quando rico.
11. O Mestre disse: Meng-kung chuo seria mais do que qualificado para o cargo
de administrador de grandes e nobres famílias como Chao ou Wei, mas ele não
seria qualificado para o cargo de ministro, nem mesmo em um pequeno reino
como Teng ou Hsüeh.
12. Tzu-lu perguntou sobre o homem completo.
O Mestre disse: Um homem tão sábio quanto Tsang Wu-chung, tão livre de
desejos quanto Meng-kung-chuo, tão corajoso quanto Chuang-tzu de Pien e tão
talentoso quanto Jan Chiu, que é mais refinado em matéria de ritos e música,
pode ser considerado um homem completo. Então acrescentou: Mas para ser
um homem completo hoje em dia não é necessário ter todas essas coisas. Se um
homem, à vista de uma vantagem a ser obtida, lembra-se do que é certo, se, em
face do perigo, está pronto para dar a própria vida e se não esquece seus
princípios mesmo quando passa por longos períodos de dificuldade, então ele
pode ser chamado de completo.
13. O Mestre perguntou a Kung-ming Chia sobre Kung-shu Wen-tzu: É verdade
que o seu Mestre nunca falava, nunca ria e nunca aceitava?.
Kung-ming Chia respondeu: Seja lá quem for que disse isso, exagerou. Meu
Mestre falava apenas quando era o momento de ele falar. De modo que as
pessoas nunca se cansavam da sua fala. Ria apenas quando se sentia feliz. De
modo que as pessoas nunca se cansavam do seu riso. Aceitava alguma coisa
apenas quando era certo que o fizesse. De modo que as pessoas nunca achavam
que ele aceitava demais.
O Mestre disse: Será que essa pode ser a explicação correta para o modo
como ele era?, é o que me pergunto.
14. O Mestre disse: Tsang Wu-chung valia-se do seu domínio sobre o seu feudo
para exigir que esse fosse reconhecido como hereditário. Se alguém dissesse que
ele não estava coagindo o seu senhor, eu não acreditaria.
15. O Mestre disse: O duque Wen de Chin era hábil e lhe faltava integridade. O
duque Huan de Chi, por outro lado, tinha integridade e não era hábil.
16. Tzu-lu disse: Quando o duque Huan mandou matar o príncipe Chiu, Shao Hu
morreu pelo príncipe, mas Kuan Chung, não. Ele acrescentou: Nesse caso,
faltou benevolência a este último?. O Mestre disse: Foi por causa de Kuan
Chung que o duque Huan pôde, sem ter de demonstrar força, reunir nove vezes
os senhores dos estados feudais. Essa era a sua benevolência. Essa era a sua
benevolência.
17. Tzu-kung disse: Não acho que Kuan Chung fosse um homem benevolente.
Não apenas ele não morreu pelo príncipe Chiu, mas viveu para ajudar o duque
Huan, que havia mandado assassinar o príncipe.
O Mestre disse: Kuan Chung ajudou o duque Huan a se tornar o líder dos
senhores feudais e a evitar que o Império entrasse em colapso. Até hoje, o povo
ainda goza dos benefícios dos seus atos. Não fosse por Kuan Chung, poderíamos
muito bem estar usando os cabelos soltos e dobrando nossos trajes à esquerda.
[146] Certamente ele não foi como o homem ou a mulher que, por causa de suas
pequenas fidelidades, cometem suicídio em uma vala sem que ninguém se
aperceba.
18. O ministro Chuan, que tinha sido um oficial na casa de Kung-shu Wen-tzu, foi
promovido a um alto cargo no governo, servindo lado a lado com Kung-shu Wentzu.
Ao ouvir isso, o Mestre comentou: Kung-shu Wen-tzu merecia o epíteto
wen.[147]
19. Quando o Mestre falou sobre a absoluta falta de princípios morais de parte do
duque Ling de Wei, Kang Tzu comentou: Sendo esse o caso, como é que ele
não perdeu seu reino?.
Confúcio disse: Chung-shu Yü era o responsável pelos visitantes estrangeiros,
o sacerdote Tuo pelo templo ancestral, e Wang-sun Chia pelas questões militares.
Sendo esse o caso, que possibilidade haveria de o duque perder o reino?.
20. O Mestre disse: Promessas feitas imodestamente são difíceis de cumprir.
21. Chen Cheng Tzu matou o duque Chien. Depois de lavar-se cuidadosamente,
Confúcio foi à corte e reportou-se ao duque Ai, dizendo: Chen Heng matou seu
próprio senhor. Posso pedir que um exército seja enviado para puni-lo?. O duque
respondeu: Diga isso aos Três Senhores.[148] Confúcio disse: Reportei-o ao
senhor simplesmente porque tenho o dever de fazê-lo, já que ocupo lugar junto
aos ministros, mas mesmo assim o senhor diz: Diga aos Três Senhores.
Ele foi e reportou-se aos Três Senhores, e eles recusaram seu pedido. Confúcio
disse: Reporto isso aos senhores simplesmente porque tenho o dever de fazê-lo,
já que ocupo um lugar junto aos ministros.[149]
22. Tzu-lu perguntou sobre o modo correto de servir um senhor. O Mestre disse:
Certifique-se de que não está sendo desonesto quando ficar frente a frente com
ele.
23. O Mestre disse: O progresso do cavalheiro é para cima; o progresso do
homem vulgar é para baixo.[150]
24. O Mestre disse: Os homens de antigamente estudavam para aprimorar a si
próprios; os homens de hoje estudam para impressionar os outros.
25. Chü Po-y ü enviou um mensageiro a Confúcio. Confúcio sentou-se com ele e
perguntou-lhe: O que faz o seu Mestre?. Ele respondeu: Meu mestre tenta
reduzir seus erros, mas não tem obtido êxito.
Quando o mensageiro foi embora, o Mestre comentou: Que mensageiro! Que
mensageiro!.
26. O Mestre disse: Não se preocupe com questões de governo a menos que
sejam da sua alçada.[151]
Tseng Tzu comentou: O cavalheiro não permite que seus pensamentos
devaneiem além do seu cargo.
27. O Mestre disse: O cavalheiro tem vergonha de que suas palavras sejam
mais ambiciosas que suas ações.
28. Os cavalheiros têm sempre três princípios em mente, nenhum dos quais
consegui seguir: O homem benevolente nunca fica aflito[152]; o homem sábio
nunca fica indeciso[153]; o homem corajoso nunca tem medo.[154] Tzu-kung
disse: Aquilo que o Mestre acaba de citar é uma descrição de si mesmo.
29. Tzu-kung era dado a classificar as pessoas. O Mestre disse: Quão superior é
Ssu! De minha parte, não tenho tempo para essas coisas.
30. O Mestre disse: Não é quando os outros falham em apreciar as suas
habilidades que você deveria ficar incomodado,[155] mas sim quando essas
habilidades de fato faltam.
31. O Mestre disse: Não é superior um homem que, sem antecipar traições ou
prever atos de má-fé, é, ainda assim, o primeiro a perceber quando tais ações
ocorrem?
32. Wei-sheng Mu disse a Confúcio: Chiu, por que está tão inquieto? Está, talvez,
tentando se exibir?.
Confúcio respondeu: Não sou tão impertinente a ponto de me exibir. Só que
detesto a inflexibilidade.
33. O Mestre disse: Um bom cavalo é exaltado por suas virtudes, não por sua
força.
34. Alguém disse:
Pague uma injúria com uma boa ação.[156]
O que você acha desse ditado?.
O Mestre disse: Com o quê, então, você paga uma boa ação? Deve-se pagar a
injúria com a retidão, mas pagar com uma boa ação apenas uma boa ação.
35. O Mestre disse: Ninguém me entende. Tzu-kung disse: Como assim,
ninguém o entende?. O Mestre disse: Não estou reclamando do Céu, tampouco
culpo os homens. Em meus estudos, começo de baixo e vou em direção às coisas
mais elevadas. Se sou compreendido de algum modo, é, talvez, pelo Céu.
36. Kung-po Liao falou mal de Tzu-lu para Chi-Sun. Tzu-fu Ching-po relatou-o,
dizendo: Meu Mestre mostra sinais inequívocos de estar sendo influenciado por
Kung-po Liao, mas ainda tenho influência suficiente para expor seu cadáver no
mercado público.
O Mestre disse: Se o Caminho prevalece, é o Destino; também é o Destino se
o Caminho cai em desgraça. Como pode Kung-po Liao desafiar o Destino?.
37. O Mestre disse: Homens que evitam o mundo vêm em primeiro lugar;
aqueles que evitam um lugar em particular vêm em seguida; aqueles que evitam
um olhar hostil, em seguida; aqueles que evitam palavras hostis vêm por último.
O Mestre disse: Houve sete que se levantaram.[157]
38. Tzu-lu preparava-se para passar a noite no Portão de Pedra. O porteiro disse:
De onde você vem?. Tzu-lu disse: Da família Kung. Do Kung que
continua perseguindo um objetivo que ele sabe ser impossível?
39. Enquanto o Mestre estava tocando os sinos de pedra em Wei, um homem que
passava em frente à porta, carregando um cesto, disse: O modo com que ele
toca os sinos de pedra está carregado de sentimento. Mas logo em seguida,
disse: Que medíocre esta musiquinha. Se ninguém entende este homem,[158]
então ele deveria desistir, isso é tudo.
Quando a água é funda, caminhe devagar;
Quando é rasa, erga seu traje e caminhe.[159]
O Mestre disse: Ele é muito decidido, de fato. Contra tal determinação, não pode
haver qualquer argumento.
40. Tzu-chang disse: O Livro da História diz:
Kao Tsung confinou-se no seu casebre, enlutado, e por três anos permaneceu
em silêncio.[160]
O que isso significa?.
O Mestre disse: Não há necessidade de recorrer a Kao Tsung para exemplo.
Isso sempre foi assim entre os homens de antigamente. Quando o governante
morria, todos os oficiais juntavam-se e apresentavam-se ao primeiro-ministro e,
por três anos, aceitavam seu comando.
41. O Mestre disse: Quando aqueles que governam são observadores dos ritos, o
povo será facilmente comandado.[161]
42. Tzu-lu perguntou sobre o cavalheiro. O Mestre disse: Ele cultiva a si próprio
e, portanto, obtém respeito.
Isso é tudo?
Ele cultiva a si próprio e, portanto, traz paz e prosperidade aos seus
semelhantes.
Isso é tudo?
Ele cultiva a si próprio e, portanto, traz paz e segurança às pessoas comuns.
Até mesmo Yao e Shun achariam penosa a tarefa de trazer paz e segurança às
pessoas.
43. Yüan Jang esperava sentado, com as pernas bem abertas. O Mestre disse:
Não ser nem modesto nem deferente quando jovem, não conquistar nada válido
na idade adulta e recusar-se a morrer quando velho, isto é o que eu chamo de um
parasita. E assim dizendo, o Mestre cutucou-lhe o queixo com seu cajado.
44. Depois que um garoto de Chüeh anunciou um visitante, alguém perguntou
sobre ele: Trata-se de alguém que progredirá?. O Mestre disse: Já o vi
afirmando que ocupará um cargo e andando lado a lado com seus colegas mais
velhos. Ele não quer progredir. Ele está atrás de resultados rápidos.
Livro XV
1. O duque Ling de Wei perguntou a Confúcio sobre táticas militares. Confúcio
respondeu: De fato, já ouvir falar sobre o uso de embarcações sacrificiais, mas
nunca estudei a questão do comando de tropas. No dia seguinte, foi embora do
reino.
2. Em Chen, quando as provisões acabaram, os seguidores[162] tinham se
tornado tão fracos que nenhum deles conseguia pôr-se em pé. Tzu-lu, com
indignação pintada em todo o rosto, disse: É possível que haja momentos em
que até mesmo os cavalheiros são levados a circunstâncias tão extremas?. O
Mestre disse: Não causa nenhuma surpresa ao cavalheiro encontrar-se em
circunstâncias extremas. O homem vulgar, ao encontrar-se em circunstâncias
extremas, jogaria para cima qualquer escrúpulo.
3. O Mestre disse: Ssu, você acha que eu sou o tipo de homem que aprende
muitas coisas e que depois armazena na mente cada uma dessas coisas que
aprendeu?.
Sim, acho. Não é assim?
Não. Tenho apenas um único fio que liga todas elas.[163]
4. O Mestre disse: Yu, raros são aqueles que compreendem a virtude.
5. O Mestre disse: Se houve um governante que conseguia impor a ordem sem
ter de tomar nenhuma ação, foi, talvez, Shun. Tudo o que ele precisava fazer era
mostrar-se em uma postura respeitosa e olhar na direção do sul.[164]
6. Tzu-chang perguntou sobre o progresso. O Mestre disse: Se você tem
consciência das próprias palavras e é coerente com elas, e se é determinado e
reverente ao agir, então até mesmo nas terras dos bárbaros você progredirá.
Mas, se falhar em ser consciencioso e coerente em relação a suas palavras ou
determinado e reverente ao agir, então, mesmo na sua aldeia, como conseguiria
progredir? Onde você estiver, tenha esse ideal à frente, inscreva-o na canga da
sua carruagem. Apenas então você com certeza progredirá.
Tzu-chang tomou nota disso no seu cinturão.
7. O Mestre disse: Quão correto é Shih Yü! Quando o Caminho prevalece no
reino, ele é reto como uma flecha e, no entanto, quando o Caminho cai em
desuso no reino, ainda assim ele tem a retidão de uma flecha.
Quão cavalheiro Chü Po-y ü é! Quando o Caminho prevalece no reino, ele
exercita seus talentos em um cargo oficial, mas quando o Caminho cai em
desuso no reino, ele deixa que o enrolem e que o guardem em algum lugar
seguro.[165]
8. O Mestre disse: Não falar com um homem que pode se beneficiar com isso é
desperdiçar o homem. Falar com um homem que é incapaz de se beneficiar
com isso é desperdiçar as palavras. Um homem sábio não desperdiça nem
homens nem palavras.
9. O Mestre disse: Em se tratando de cavalheiros determinados e homens de
benevolência, ao mesmo tempo em que é inconcebível que busquem
permanecer vivos sacrificando a benevolência, pode acontecer que tenham de
aceitar a morte para conseguir realizar a benevolência.
10. Tzu-kung perguntou sobre a prática da benevolência. O Mestre disse: Um
artesão que deseja praticar bem sua habilidade deve primeiro afiar seus
instrumentos. Você deveria, portanto, buscar a proteção do mais distinto ministro
e fazer amizade com o mais benevolente cavalheiro, esteja no reino onde
estiver.
11. Yen Yüan perguntou sobre como governar um reino. O Mestre disse: Siga o
calendário Hsia, ande em uma carruagem dos Yin e use um barrete cerimonial
dos Chou, mas, quanto à música, adote o shao e o wu.[166] Bane as melodias de
Cheng e mantenha homens de fala persuasiva à distância. As melodias de Cheng
são insolentes, e homens de fala persuasiva são perigosos.
12. O Mestre disse: Aquele que não pensa em dificuldades futuras com certeza
será assaltado por preocupações muito mais próximas.
13. O Mestre disse: Acho que devo abrir mão da esperança. Ainda estou para
conhecer o homem que tenha tanta afeição pela virtude quanto pela beleza
feminina.
14. O Mestre disse: Tsang Wen-chung não ocupou um cargo a que não tem
direito? Ele sabia que Liu Hsia Hui era mais qualificado, mas mesmo assim não
cedeu a ele sua posição.[167]
15. O Mestre disse: Uma pessoa que exige muito de si mesma e pouco dos
outros ficará a salvo de críticas.
16. O Mestre disse: Não há nada que se fazer com um homem que está
constantemente perguntando O que devo fazer? O que devo fazer?.
17. O Mestre disse: Trata-se de um feito bastante memorável que um grupo de
homens passe o dia inteiro juntos apenas divertindo-se com mostras vãs de
esperteza sem jamais tocar, durante a conversa, no assunto da moralidade!.
18. O Mestre disse: O cavalheiro tem a moralidade como matéria-prima e, ao
observar os ritos, coloca-a em prática, ao ser modesto dá-lhe expressão e, ao ser
fiel às próprias palavras, a completa. Assim é um cavalheiro, de fato!.
19. O Mestre disse: O cavalheiro se ressente por sua própria falta de habilidade,
não pela inabilidade dos outros de o admirarem.[168]
20. O Mestre disse: O cavalheiro detesta não deixar um nome atrás de si quando
vai embora.
21. O Mestre disse: Aquilo que um cavalheiro procura, ele procura dentro de si
próprio; aquilo que um homem vulgar procura, ele procura nos outros.
22. O Mestre disse: O cavalheiro tem consciência de sua própria superioridade
sem ser agressivo e junta-se a outros cavalheiros sem ser sectário.
23. O Mestre disse: Um cavalheiro não recomenda um homem por causa
daquilo que este diz, tampouco despreza o que é dito por conta da pessoa que o
fala.
24. O Mestre disse: Tzu-kung perguntou: existe uma palavra que possa ser um
guia de conduta durante toda a vida de alguém?. O Mestre disse: Talvez, a
palavra shu.[169] Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si
próprio.
25. O Mestre disse: Quem eu alguma vez elogiei ou condenei? Se elogiei
alguém, podem ter certeza de que ele tinha sido testado. Essas pessoas comuns
são a pedra de toque por meio da qual as Três Dinastias foram mantidas no
caminho certo.
26. O Mestre disse: Sou velho o suficiente para ter visto escribas a quem faltava
refinamento. Aqueles que possuíam cavalos permitiam que outros os
conduzissem.[170] Hoje em dia não há mais, suponho, tais casos.
27. O Mestre disse: A fala ardilosa arruína a virtude de uma pessoa; a falta de
autocontrole em pequenas questões arruína grandes planos.
28. O Mestre disse: Aja com cuidado em relação a um homem que é odiado
por todos. Aja com cuidado em relação a um homem que é amado por todos.
[171]
29. O Mestre disse: O homem é capaz de ampliar o Caminho. O caminho não é
capaz de ampliar o homem.
30. O Mestre disse: Não emendar a si próprio quando se errou é errar, de fato.
31. O Mestre disse: Uma vez passei todo o dia pensando, sem comer nada, e
toda a noite pensando sem ir para a cama, mas descobri que nada ganhei com
isso. Teria sido melhor gastar o tempo estudando.
32. O Mestre disse: O cavalheiro se dedica a atingir o Caminho e não a garantir
comida. Vá e cultive a terra e você terminará tendo fome, é claro; estude e você
terminará com um salário de oficial, é claro. O cavalheiro preocupa-se com o
Caminho, não com a pobreza.
33. O Mestre disse: Aquilo que está ao alcance do conhecimento de um homem
mas não pode ser mantido por sua benevolência é algo que ele acabará
perdendo. Um homem pode ser sábio o suficiente para atingi-lo e benevolente o
suficiente para mantê-lo, mas se ele não governar com dignidade, então o povo
não o respeitará. Um homem pode ser sábio o suficiente para atingi-lo,
benevolente o suficiente para mantê-lo e pode governar o povo com dignidade,
mas se ele não colocá-lo para trabalhar de acordo com os ritos, não terá atingido
a perfeição.[172]
34. O Mestre disse: O cavalheiro não pode ser apreciado por pequenas coisas,
mas é competente em grandes questões. Um homem vulgar não é competente
em grandes questões, mas pode ser apreciado por pequenas coisas.
35. O Mestre disse: A benevolência é mais vital ao povo do que o fogo e a água.
No caso do fogo e da água, já vi homens morrerem ao se entregarem a eles,
mas nunca vi nenhum homem morrer ao se entregar à benevolência.
36. O Mestre disse: Quando diante de uma oportunidade de praticar a
benevolência, não ceda a vez nem mesmo ao seu professor.
37. O Mestre disse: O cavalheiro é devotado aos seus princípios, mas não é
inflexível em pequenas questões.
38. O Mestre disse: Ao servir o senhor, deve-se cumprir os deveres com
reverência e considerar o pagamento como algo de importância secundária.
39. O Mestre disse: Em educação, não há distinção de pessoa para pessoa.
40. O Mestre disse: Não há sentido em duas pessoas que tomam caminhos
diferentes se aconselharem uma com a outra.
41. O Mestre disse: É suficiente que as palavras utilizadas por alguém
comuniquem o seu sentido.
42. Mien, o mestre de música,[173] fez uma visita. Quando ele chegou aos
degraus, o Mestre disse: O senhor chegou aos degraus, e quando ele chegou até
o tapete, o Mestre disse: O senhor chegou ao tapete. Quando todos se sentaram,
o Mestre disse a ele: Este é Fulano de Tal e aquele ali é Fulano de Tal.
Depois que o mestre de música foi embora, Tzu-chang perguntou: É esta a
maneira de falar com um músico?. O Mestre disse: Sim. Esta é a maneira de
guiar um músico.
Livro XVI
1. O chefe da família Chi estava prestes a atacar Chuan Yü. Jan Yu e Chi-lu
foram falar com Confúcio e disseram: Os Chi vão atacar Chuan Yü.
Confúcio disse: Chiu, com certeza isso é culpa sua. Outrora, um ancestral real
nosso deu a Chuan Yü a responsabilidade de fazer sacrifícios à montanha Tung
Meng; além disso, o território deles agora localiza-se nos nossos domínios. São
nossos vassalos. Que razão pode haver para atacá-los?.
Jan Yu disse: É o que o nosso senhor deseja. Nenhum de nós é a favor disso.
Confúcio disse: Chiu, há um ditado de Chou Jen que diz o seguinte: que os
homens que têm força juntem-se às fileiras e que aqueles a quem falta força
cedam seus lugares. Que utilidade tem para um cego um assistente que não o
apoia quando ele tropeça ou que não o segura quando ele cai? Além disso, o que
você disse está errado. De quem é o erro quando o tigre e o rinoceronte escapam
de suas jaulas ou quando o casco de uma tartaruga e o jade são destruídos dentro
de seus estojos?.
Jan Yu disse: Mas Chuan Yü é fortemente fortificada e próxima a Pi. Se não
for tomada agora, com certeza será uma fonte de problemas para os
descendentes de nossos senhores no futuro.
Confúcio disse: Chiu, o cavalheiro detesta aqueles que, em vez de dizerem
claramente que querem alguma coisa, ficam inventando desculpas. Sempre ouvi
dizer que o chefe de um reino ou de uma família nobre preocupa-se não com
subpopulação, mas com a distribuição desigual; não com a pobreza, mas com a
instabilidade.[174] Pois onde há distribuição igualitária não há pobreza, onde há
harmonia não há subpopulação e onde há estabilidade não há golpes de estado. É
por essa razão que, quando súditos de outras regiões sublevam-se, o governante
deve atraí-los por meio de sua força moral e, uma vez que eles se aproximem,
satisfazê-los. Mas você e Yu sequer foram capazes de ajudar o seu senhor a
atrair os súditos de outras regiões quando estas se sublevam ou a preservar o
reino quando este está se desintegrando. Em vez disso, você propõe que se
recorra ao uso das armas contra uma província do próprio reino. Receio que os
problemas de Chi-sun estejam não em Chuan Yü, mas dentro do próprio
palácio.
2. Confúcio disse: Quando o Caminho prevalece no Império, os ritos, a música e
as expedições militares são determinados pelo Imperador. Quando o Caminho
não prevalece no reino, eles são determinados pelos senhores feudais. Quando
são determinados pelos senhores feudais, dificilmente o poder permanecerá nas
mãos do imperador por mais de dez gerações. Quando são determinados pelos
ministros, dificilmente o poder permanecerá nas mãos dos senhores feudais por
mais de cinco gerações. Quando a prerrogativa de comando em um reino está a
cargo de oficiais dos ministros, dificilmente o poder permanecerá nas mãos dos
ministros por mais de três gerações. Quando o Caminho prevalece no Império,
não é aos ministros que cabe a iniciativa política. Quando o Caminho prevalece
no Império, as pessoas comuns não expressam críticas.
3. Há cinco gerações a autoridade saiu do controle da casa ducal. Há quatro
gerações o governo passou para o controle dos ministros. Por essa razão os
descendentes das três casas de Huan estão em declínio.[175]
4. Confúcio disse: Beneficia-se aquele que faz amizade com três tipos de pessoa.
Igualmente, prejudica-se aquele que faz amizade com outros três tipos de pessoa.
Fazer amizade com os retos, com aqueles que são fiéis às próprias palavras e
com os bem-informados é beneficiar-se. Fazer amizade com aqueles que são
subservientes em suas ações, agradáveis na aparência e eloquentes no discurso é
prejudicar-se.
5. Confúcio disse: Beneficia-se aquele que tem prazer em três tipos de coisas.
Igualmente, prejudica-se aquele que tem prazer em outros três tipos de coisas.
Ter prazer com a correta realização dos ritos e da música, em tecer loas à
bondade de outros homens e ao ter um grande número de homens excelentes
como amigos é beneficiar-se. Ter prazer em exibir-se, em levar uma vida
dissoluta e em comer e beber é prejudicar-se.
6. Confúcio disse: Na presença de um cavalheiro, corre-se o risco de cometer
três erros. Dirigir a palavra antes que a palavra lhe tenha sido dirigida é
temerário; não dirigir a palavra quando a palavra lhe foi dirigida é ser evasivo;
falar sem observar a expressão na face do cavalheiro é ser cego.
7. Confúcio disse: Há três coisas das quais um cavalheiro deveria se resguardar.
Na juventude, quando o sangue e o chi[176] ainda não estão estabilizados, ele
deve se resguardar da atração da beleza feminina. No princípio da vida, quando o
sangue e o chi estiverem em pleno vigor, ele deve se resguardar da
belicosidade. Na velhice, quando o sangue e o chi estiverem em declínio, ele
deve se resguardar da vontade de ter propriedades.
8. Confúcio disse: O cavalheiro teme três coisas. Teme o Decreto do Céu. Teme
grandes homens. Teme a palavra dos sábios. O homem vulgar, sendo ignorante
do Decreto do Céu, não o teme. Trata grandes homens com insolência e as
palavras dos sábios com ironia.
9. Confúcio disse: Aqueles que nascem com conhecimento são os mais
elevados. A seguir vêm aqueles que atingem o conhecimento por meio do estudo.
A seguir vêm aqueles que se voltam para o estudo depois de terem passado por
dificuldades. No nível mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem
esforço algum para estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades.
10. Confúcio disse: Há nove coisas às quais o cavalheiro deve dedicar seu
pensamento: enxergar claramente ao usar os olhos, escutar acuradamente ao
usar os ouvidos, ter uma atitude cordial, ter um comportamento respeitoso, ser
consciencioso ao falar, ser reverente ao cumprir seus deveres, buscar conselho
quando estiver em dúvida, prever as consequências ao ficar com raiva e, à vista
de uma vantagem a ser obtida, saber o que é correto.
11. Confúcio disse: Ao contemplar o que é bom, ajo como se estivesse
correndo o risco de ser deixado para trás; ao contemplar que não é bom, ajo
como se estivesse bebendo água fervente. Conheci tal homem; ouvi tal
declaração.
Vivo retiradamente para atingir meu propósito e praticar o que é direito com
o intuito de realizar o meu caminho. Ouvi tal declaração, mas ainda não conheci
tal homem.
12. O duque Ching de Chi tinha mil carruagens com quatro cavalos cada, mas, à
sua morte, as pessoas comuns foram incapazes de encontrar qualquer coisa pela
qual elogiá-lo, ao passo que Po Yi e Shu Chi morriam de fome ao pé do monte
Shou Yang e até hoje as pessoas comuns os admiram. Isso provavelmente é o
que significa.[177]
13. Chen Kang perguntou a Po-y ü: Foi-lhe ensinado algo fora do comum por
seu pai?.
Não, não foi. Uma vez meu pai estava sozinho. Enquanto eu cruzava o jardim
com passos apressados,[178] ele disse: Você estudou as Odes?. Respondi: Não.
A menos que estude as Odes, não será capaz de sustentar uma conversa. Eu me
retirei e estudei as Odes.
Outro dia, meu pai estava novamente sozinho. Enquanto eu atravessava o
jardim com passos apressados, ele disse: Você estudou os ritos?. Eu respondi:
Não. A menos que estude os ritos, não será capaz de assumir teu lugar no
mundo. Eu me retirei e estudei os ritos. Foram-me ensinadas essas duas coisas.
Chen Kang retirou-se, encantado, e disse: Fiz uma pergunta e recebi três
respostas. Aprendi sobre a importância das Odes, aprendi sobre a importância
dos ritos e aprendi que um homem mantém reserva para com seu filho.
14. O governante de um reino usa o termo senhora para sua esposa. Ela usa o
termo pequena criada para si própria. O povo do reino refere-se a ela pela
expressão a senhora do senhor, mas, quando no estrangeiro, usa a expressão a
pequena senhora. As pessoas de outros reinos também se referem a ela por a
senhora do senhor.[179]
Livro XVII
1. Yang Huo queria ver Confúcio e, quando Confúcio recusou-se a ir vê-lo, ele
mandou a Confúcio um leitão de presente.[180]
Confúcio mandou alguém vigiar a casa de Yang Huo e foi agradecer o
presente durante a ausência dele. No caminho, calhou de ele encontrar Yang
Huo, que lhe disse: Venha, agora. Preciso falar com você. Então ele continuou:
Pode ser chamado de benevolente o homem que, enquanto esconde seus
tesouros, permite que o reino se extravie? Eu diria que não. Pode ser chamado de
sábio o homem que, ao mesmo tempo que é ávido por participar da vida pública,
constantemente deixa passar a oportunidade? Eu diria que não. Os dias e os
meses passam. O tempo não está do nosso lado. Confúcio disse: Muito bem.
Aceitarei um cargo.
2. O Mestre disse: Os homens são próximos por natureza. É o hábito que os
separa.
3. O Mestre disse: Apenas os mais sábios e os mais estúpidos não mudam.
4. O Mestre foi até Wu Cheng. Lá ele ouviu o som de instrumentos de cordas e
de cantoria. O Mestre abriu um sorriso e disse: Para que usar um cutelo de boi
para matar uma galinha?.
Tzu-y u respondeu: Há algum tempo ouvi do senhor, Mestre, que o cavalheiro
instruído no Caminho ama seus semelhantes e que os homens vulgares instruídos
no Caminho são fáceis de serem comandados.
O Mestre disse: Meus amigos, o que Yen diz é correto. Minha observação de
ainda há pouco foi apenas uma brincadeira.
5. Kung-shan Fu-jao, usando Pi como baluarte, iniciou uma revolta.[181] Ele
chamou o Mestre para juntar-se a ele, e o Mestre quis ir.
Tzu-lu não gostou e disse: Pode ser que não tenhamos nenhum lugar para ir,
mas por que devemos ir a Kung-shan?.
O Mestre disse: O homem que me chama deve ter algo a dizer. Se se trata de
uma oferta de emprego, não poderia eu, talvez, criar outra dinastia Chou no
leste?.
6. Tzu-chang perguntou a Confúcio sobre benevolência. Confúcio disse: Há
cinco coisas, e qualquer um que seja capaz de colocá-las em prática no Império
é, com certeza, benevolente.
Posso perguntar que coisas são essas?
Elas são o respeito, a tolerância, a coerência com as próprias palavras, a
rapidez e a generosidade. Se um homem é respeitoso, ele não será tratado com
insolência. Se é tolerante, ele conquistará o povo. Se é coerente com as próprias
palavras, seus semelhantes confiarão nele. Se é rápido, atingirá resultados. Se é
generoso, ele será bom o suficiente a ponto de ser colocado em uma posição
acima de seus semelhantes.
7. Pi Hsi mandou chamar o Mestre, e o Mestre ficou tentado a ir.
Tzu-lu disse: Há algum tempo ouvi do senhor, Mestre, que o cavalheiro não
entra nos domínios daquele que não pratica o bem. Agora Pi Hsi está usando
Chung Mou como baluarte para iniciar uma revolta. Como o Mestre pode querer
ir até lá?.
O Mestre disse: É verdade, falei isso. Mas não foi dito Duro, de fato, é aquilo
que pode suportar a opressão? Não foi dito Branco, de fato, é aquilo que pode
resistir ao tingimento preto? Além disso, como posso admitir que eu seja tratado
como um melão que, em vez de ser comido, serve de ornamento?.
8. O Mestre disse: Yu, você ouviu sobre as seis qualidades e sobre os seis erros
dos quais devemos nos resguardar?.
Não.
Sente-se e eu vou dizê-lo. Amar a benevolência sem amar o aprendizado
pode levar à tolice. Amar a esperteza sem amar o aprendizado pode levar ao
desvio do caminho correto. Amar a coerência com as próprias palavras sem
amar o aprendizado pode levar a um comportamento destrutivo. Amar a
determinação sem amar o aprendizado pode levar à intolerância. Amar a
coragem sem amar o aprendizado pode levar à insubordinação. Amar a força
sem amar o aprendizado pode levar à indisciplina.[182]
9. O Mestre disse: Por que nenhum de vocês, meus jovens amigos, estuda as
Odes? Uma correta citação das Odes pode servir para estimular a imaginação,
para demonstrar cultura, para superar dificuldades dentro de um grupo e para
dar vazão a reclamações.
Dentro da família, permitem que sirva-se ao próprio pai; fora da família
permitem que sirva-se ao senhor; proporcionam também a aquisição de um
amplo conhecimento sobre nomes de pássaros e animais, plantas e árvores.
[183]
10. O Mestre disse para Po-y ü: Você estudou o Chou nan e o Shao nan?[184] Ser
um homem e não estudá-los é, eu diria, como ficar com a cara colada na
parede.[185]
11. O Mestre disse: Diz-se Os ritos, os ritos, mas o ritos não significam apenas
presentes de jade e seda. Diz-se Música, música, mas música não é apenas
sinos e tambores.[186]
12. O Mestre disse: Um homem covarde que veste uma máscara de braveza é
como o ladrão que invade uma casa ou que trepa pelos muros.
13. O Mestre disse: Os respeitáveis de um vilarejo são a ruína da virtude.[187]
14. O Mestre disse: Os fofoqueiros são párias da virtude.
15. O Mestre disse: É realmente possível trabalhar lado a lado com um homem
mau ao serviço de um senhor? Antes que ele consiga o que quer, ele se preocupa
com a possibilidade de não consegui-lo. Depois de consegui-lo, ele se preocupa
com a possibilidade de perdê-lo, e quando isso acontecer, nada o deterá.
16. O Mestre disse: Na Antiguidade, as pessoas comuns tinham três defeitos,
mas hoje nem mesmo esses elas têm. Na Antiguidade, ao serem selvagens os
homens eram incontroláveis; hoje, eles simplesmente desviam-se do bom
caminho. Na Antiguidade, por serem orgulhosos, os homens eram inconfiáveis;
hoje, ao serem orgulhosos, eles são apenas temperamentais. Na Antiguidade,
mesmo ao serem tolos, eles eram sinceros; hoje, a tolice é apenas uma
impostura.
17. O Mestre disse: É raro, de fato, que um homem com palavras ardilosas e
um rosto bajulador seja benevolente.[188]
18. O Mestre disse: Detesto o púrpura por deslocar o vermelho. Detesto as
melodias de Cheng por corromperem a música clássica.[189] Detesto homens de
fala esperta que derrubam reinos e famílias nobres.
19. O Mestre disse: Estou pensando em desistir da fala. Tzu-kung disse: Se o
senhor não falasse, o que haveria para nós, seus discípulos, transmitirmos?. O
Mestre disse: O que fala o Céu? E, no entanto, quatro estações se sucedem e
centenas de criaturas continuam a nascer. O que fala o Céu?.
20. Ju Pei queria ver Confúcio. Confúcio recusou-se a vê-lo, dizendo que estava
doente. Assim que o mensageiro pôs os pés do lado de fora da porta do Mestre,
este tomou seu alaúde e cantou, certificando-se de que o homem estava ouvindo.
21. Tsai Wo perguntou sobre o luto de três anos, dizendo: Até mesmo um ano é
demais. Se o cavalheiro desiste da prática dos ritos durante três anos, os ritos com
certeza ficarão em ruínas; se ele abandonar a prática da música durante três
anos, a música com certeza entrará em colapso. Um ano inteiro de luto é o
suficiente. Afinal de contas, ao longo de um ano, tendo-se usado o grão velho, o
grão novo germina, e nova madeira é utilizada para o fogo.[190]
O Mestre disse: Você, então, seria capaz de saborear seu arroz[191] e vestir
suas melhores roupas?.
Sim, eu seria.
Se você se sente confortável com isso, então faça-o. O cavalheiro de luto não
vê sabor na comida, prazer na música nem conforto em sua própria casa. É por
isso que ele não come seu arroz nem veste suas melhores roupas. Já que você se
sente confortável com isso, faça-o, por favor.
Depois que Tsai Wo foi embora, o Mestre disse: Quão insensível é Yü. Uma
criança deixa o colo dos pais apenas quando tem três anos de idade. O luto de três
anos é observado em todo o Império. Os pais de Yü não lhe deram três anos de
amor?.
22. O Mestre disse: Não é fácil para um homem que está sempre de barriga
cheia usar a cabeça em algo útil. Não existem coisas como po e yi[192]? Até
mesmo jogar esses jogos é melhor do que não fazer nada.
23. Tzu-lu disse: O cavalheiro considera a coragem uma qualidade suprema?.
O Mestre disse: Para o cavalheiro, é a moralidade que é suprema. Com
coragem mas desprovido de moralidade, um cavalheiro causará problemas, ao
passo que um homem vulgar sem moralidade se tornará um bandido.
24. Tzu-kung disse: Até mesmo o cavalheiro tem seus desafetos?. O Mestre
disse: Sim. O cavalheiro tem seus desafetos. Ele detesta aqueles que chamam a
atenção para o mal em outros. Ele detesta aqueles que difamam seus superiores.
Ele detesta aqueles a quem, embora possuam coragem, falta o espírito dos ritos.
Ele detesta aqueles cuja determinação não é temperada pela compreensão.
O Mestre acrescentou: Você, Ssu, também tem os seus desafetos?.
Detesto aqueles cujo plágio passa por sabedoria. Detesto aqueles cuja
insolência passa por coragem. Detesto aqueles cuja crítica aos outros passa por
retidão.
25. O Mestre disse: Em casa, é com as mulheres e com os homens vulgares que
é difícil de se lidar. Se permitir que se aproximem demais, eles se tornarão
insolentes. Se os mantiver à distância, eles reclamarão.
26. O Mestre disse: Se, à idade de quarenta anos, um homem ainda tem
inimigos, então não resta esperança para ele: continuará assim até o fim.
Livro XVIII
1. O visconde de Wei abandonou-o, o visconde de Chi tornou-se um escravo por
sua causa e Pi Kan perdeu a vida por protestar contra ele.[193] Confúcio
comentou: Havia três homens benevolentes na dinastia Yin.
2. Liu Hsia Hui foi demitido três vezes quando era um magistrado. Alguém disse:
Não é hora de você ir embora?. Se, a serviço de alguém, um homem não está
preparado para fazer o Caminho se dobrar, onde ele poderá ir sem ser demitido
três vezes? Se, a serviço de alguém, um homem está preparado para dobrar o
Caminho, que necessidade há de abandonar a terra de seu pai e sua mãe?
3. Refletindo sobre como deveria tratar Confúcio, o duque Ching de Chi disse:
Não posso tratá-lo de forma tão exaltada quanto a que é dispensada para a
família Chi.[194] Então ele o colocou em algum lugar entre os Chi e os
Meng[195], dizendo: Estou ficando velho. Receio não ser capaz de aproveitar os
talentos dele. Confúcio foi embora.
4. Os homens de Chi enviaram de presente moças cantoras e dançarinas. Chi
Huan Tzu aceitou-as e não foi à corte durante três dias. Confúcio foi embora.
5. Chieh Yü, o Louco de Chu, passou por Confúcio, cantando
Fênix, oh, fênix!
Como vossa virtude declinou!
O que é passado não pode ser recuperado,
O que está por vir ainda não está perdido.
Desista, desista!
Perigoso é o fardo dos oficiais de hoje.
Confúcio desceu de sua carruagem com intenção de falar-lhe, mas o Louco
evitou-o, fugindo, e no final das contas Confúcio não pôde falar com ele.
6. Chang Chü e Chieh Ni estavam arando juntos, alinhados como uma parelha.
Confúcio passou por eles e mandou que Tzu-lu perguntasse onde estava o rio.
Chang Chü disse: Quem é aquele, tomando conta da carruagem?.[196] Tzu-lu
disse: É Kung Chiu. Então, ele deve ser o Kung Chiu de Lu. Sim, é.
Então, ele não precisa perguntar onde está o rio.
Tzu-lu perguntou a Chieh Ni. Chieh Ni disse: Quem é você?. Sou Chung
Yu. Então deve ser o discípulo de Kung Chiu de Lu? Tzu-lu respondeu:
Sou. Em todo o Império, os homens são sempre iguais. Com quem você[197]
poderia trocar de lugar? Além disso, para seu próprio bem, não seria melhor se,
em vez de seguir um cavalheiro que continua fugindo dos homens[198], você
seguisse um que foge do mundo, simplesmente?[199] Tudo isso enquanto
continuava arando, incessantemente.
Tzu-lu foi e reportou a Confúcio o que foi dito.
O Mestre ficou perdido em pensamentos durante algum tempo e disse: Um
homem não pode associar-se a pássaros e animais. Por acaso não sou membro
da raça humana? A quem, então, deveria eu me associar? Enquanto o Caminho
se encontrar no Império, não trocarei de lugar com aquele homem.
7. Tzu-lu, quando viajava junto [com Confúcio], foi ficando para trás. Ele
encontrou um velho, carregando um cesto em uma vara sobre os ombros.
Tzu-lu perguntou: O senhor viu meu Mestre?.
O velho disse: Você parece não ter caminhado com os próprios pés nem
parece capaz de distinguir um tipo de grão do outro. Quem pode ser o seu
Mestre?. Ele apoiou a sua vara no chão e começou a capinar.
Tzu-lu ficou parado, em pé, com as mãos respeitosamente uma contra a outra,
em concha.
O velho convidou Tzu-lu para passar a noite. Matou uma galinha, preparou um
pouco de painço para a visita comer e apresentou a ele seus dois filhos.
No dia seguinte, Tzu-lu retomou seu caminho e relatou essa conversa. O
Mestre disse: Ele deve ser um eremita. Mandou Tzu-lu de volta para falar
novamente com ele. Quando Tzu-lu chegou, o velho tinha ido embora.
Tzu-lu comentou: Não tomar parte na vida pública é ignorar os próprios
deveres. Nem mesmo os deveres entre velhos e jovens podem ser deixados de
lado. Como, então, podem os deveres entre governante e súdito ser deixados de
lado? Isso causará confusão nas relações humanas mais importantes
simplesmente porque alguém deseja manter a sua personalidade intocada. O
cavalheiro aceita um cargo oficial para cumprir seu dever. Quanto a colocar o
Caminho em prática, ele sabe o tempo todo que é uma causa perdida.[200]
8. Homens que se retiraram da sociedade: Po Yi, Shu Chi, Yü Chung, Yi Yi, Chu
Chang, Liu Hsia Hui, Shao Lien. O Mestre comentou: Não abrir mão dos seus
propósitos nem permitir que fossem humilhados: isso descreve, talvez, Po Yi e
Shu Chi. Sobre Liu Hsia Hui e Shao Lien ele disse: Eles, de fato, abriram mão
dos seus propósitos e se permitiram ser humilhados, mas suas palavras eram
condizentes com sua postura, e suas ações eram discretas. Isso é tudo. Sobre Yü
Chung e Yi Yi ele disse: Eles deram plena vazão às próprias palavras enquanto
viviam como eremitas, mas tinham um caráter imaculado e mostraram juízo ao
aceitarem sua demissão. Eu, entretanto, sou diferente. Não tenho preconceitos
quanto ao que deve e ao que não deve ser feito.
9. Chih, o grande músico, partiu para Chi; Kan, músico do segundo banquete,
partiu para Chu; Liao, músico do terceiro banquete, partiu para Tsai; Chüe,
músico do quarto banquete, partiu para Chin; Fang Shu, o tocador de tambor,
cruzou o rio; Wu, tocador de pandeiro, cruzou o rio Han; Yang, o substituto do
grande músico, e Hsiang, que tocava os sinos de pedra, cruzaram o mar.
10. O duque de Chou disse para o duque de Lu[201]: O cavalheiro não trata
displicentemente aqueles que lhe são próximos, tampouco dá a seus altos oficiais
oportunidade para reclamar de que a opinião deles não foi ouvida. A menos que
haja razões graves, ele não abandona oficiais de longa carreira. Ele não espera
perfeição de ninguém.[202]
11. Havia oito cavalheiros na dinastia Chou: Po Ta, Po Kuo, Chung Tu, Shu Yeh,
Shu Hsia, Chi Sui e Chi Kuo.
Livro XIX
1. Tzu-chang disse: Pode-se, talvez, ficar satisfeito com um cavalheiro que, em
face do perigo, esteja pronto a sacrificar a própria vida, que, à vista de um
benefício a ser obtido, não esquece do que é certo[203] e que, durante um
sacrifício, não esquece a reverência, nem a dor enquanto de luto.
2. Tzu-chang disse: Se um homem não consegue se agarrar à virtude com todas
as suas forças nem acreditar no Caminho com todo o coração, como se pode
dizer que ele tem alguma coisa, ou que não tem nada?.
3. Os discípulos de Tzu-hsia perguntaram a Tzu-chang sobre a amizade. Tzuchang
disse: O que Tzu-hsia diz?. Tzu-hsia diz: Você deveria fazer amizade
com aqueles que são adequados e desprezar os inadequados.
Tzu-chang disse: Isso é diferente do que eu ouvi. Ouvi que o cavalheiro honra
aqueles que lhe são superiores e é tolerante para com a multidão, que é cheio de
elogios para com os bons ao mesmo tempo em que se apieda dos incapazes. Se
sou muito superior, qual homem eu não toleraria? Se sou inferior, então outros
vão me desprezar, e como poderia eu desprezá-los?.
4. Tzu-hsia disse: Mesmo artes menores têm aspectos válidos, mas o cavalheiro
não se aventura com elas, pois o medo do homem que tem um longo caminho a
percorrer é ser barrado por algo.
5. Tzu-hsia disse: Se um homem tem consciência, ao longo do dia, do que ele
não sabe e não esquece, ao longo de um mês, aquilo que ele já dominou, então
ele pode, de fato, ser considerado alguém que gosta de aprender.
6. Tzu-hsia disse: Aprenda bastante e seja persistente; pergunte com sinceridade
e reflita sobre o que está à disposição, e não haverá necessidade de procurar
benevolência em outro lugar.
7. Tzu-hsia disse: Os artesãos das cem artes dominam seu ofício ao
permanecerem na oficina; o cavalheiro aperfeiçoa seu Caminho por meio do
estudo.
8. Tzu-hsia disse: Quando o homem vulgar comete um erro, ele com certeza
tenta mascará-lo.
9. Tzu-hsia disse: O cavalheiro passa três impressões diferentes. À distância ele
parece formal; de perto ele parece cordial; ao falar ele parece severo.
10. Tzu-hsia disse: Apenas depois de conquistar a confiança do povo o
cavalheiro o faz trabalhar duramente, pois de outra maneira o povo se sentiria
usado. Apenas depois de conquistar a confiança dos senhores o cavalheiro pode
criticar suas medidas, pois de outra maneira o senhor se sentiria ofendido.
11. Tzu-hsia disse: Se uma pessoa não passa dos limites no que diz respeito a
questões importantes, não importa se ela não é meticulosa no que diz respeito a
questões desimportantes.
12. Tzu-y u disse: Os discípulos e jovens seguidores de Tzu-hsia com certeza
conseguem varrer e limpar, atender a porta e responder perguntas corriqueiras,
apresentar-se e retirar-se, mas isso são apenas detalhes. Em tudo que é básico
eles são ignorantes. O que se pode fazer com eles?.
Quando Tzu-hsia ouviu isso, disse: Oh! Quão enganado está Yen Yu! No
caminho do cavalheiro, como saber o que pode ser ensinado antes e o que deve
ser deixado por último, por ser menos urgente? O primeiro pode ser facilmente
distinguido do último como a grama o é das árvores. É fútil tentar passar um
retrato tão falso do caminho do cavalheiro. Apenas o sábio, tendo começado
alguma coisa, sempre a levará a cabo.[204]
13. Tzu-hsia disse: Quando um homem com um cargo oficial descobre que
pode fazer mais do que dar conta dos seus deveres, então ele estuda; quando um
estudante descobre que ele pode mais do que dar conta dos seus estudos, então
ele aceita um cargo oficial.
14. Tzu-y u disse: Quando o luto dá plena expressão à tristeza, nada mais pode
ser pedido.
15. Tzu-y u disse: Meu amigo Chang é difícil de ser imitado. Mesmo assim ele
ainda não conseguiu atingir a benevolência.
16. Tseng Tzu disse: Grande, de fato, é Chang, tanto que é difícil trabalhar ao
lado dele no cultivo da benevolência.
17. Tseng Tzu disse: Ouvi o Mestre dizer que em nenhuma ocasião um homem
tem plena consciência de si próprio, embora, quando pressionado, ele tenha dito
que o luto pelos próprios pais pode ser uma exceção.
18. Tseng Tzu disse: Ouvi o Mestre dizer que outros homens poderiam imitar
tudo que Meng Chuang Tzu fazia como bom filho, exceto uma coisa: ele manteve
inalterados tanto os oficiais de seu pai quanto suas políticas. Eis o que era difícil
de imitar.[205]
19. A família Meng apontou Yang Fu como magistrado, e ele buscou o conselho
de Tseng Tzu. Tseng Tzu disse: As autoridades perderam o Caminho, e o povo
está, há muito tempo, sem raízes. Se você conseguir extrair a verdade de pessoas
do povo, não se congratule por isso, mas tenha-lhes compaixão.
20. Tzu-kung disse: Chou não era tão malvado assim. É por isso que o cavalheiro
detesta morar para os lados do sul, pois é lá que tudo o que é sórdido no Império
abre caminho.
21. Tzu-kung disse: Os erros do cavalheiro são como um eclipse do sol e da lua
no sentido de que, quando ele erra, o mundo inteiro vê e, quando ele corrige seu
erro, o mundo inteiro o observa, admirado.
22. Kung-sun Chao de Wei perguntou a Tzu-kung: Com quem Chung-ni[206]
aprendeu?. Tzu-kung disse: O caminho do rei Wen e do rei Wu ainda não caiu
por terra, mas ainda pode ser encontrado nos homens. Não há homem que não
tenha algo do caminho de Wen e Wu em si. Homens superiores guardaram
aquilo que tem maior importância, ao passo que homens inferiores guardaram o
que é de pouca importância. De quem, então, o Mestre não aprende? Do mesmo
modo, como poderia ele ter um único professor?
23. Shu-sun Wu-shu disse para os ministros da corte: Tzu-kung é superior a
Chung-ni. Isso foi relatado a Tzu-kung por Tzu-fu Ching-po.
Tzu-kung disse: Peguemos os muros como uma analogia. Meus muros são da
altura do ombro, de modo que é possível olhar por sobre eles e apreciar a beleza
da casa. Mas os muros do Mestre têm sete ou dez metros de altura, de modo que,
a não ser que uma pessoa seja admitida pelo portão, não é possível ver a
magnificência dos templos ancestrais ou a suntuosidade dos prédios oficiais. Já
que aqueles que são admitidos pelo portão são, podemos dizer, poucos, é de se
admirar que o cavalheiro falasse como falou?.
24. Shu-sun Wu-shu fez comentários difamatórios sobre Chung-ni. Tzu-kung
disse: Ele está simplesmente perdendo o seu tempo. Não é possível difamar
Chung-ni. Em outros casos, homens de excelência são como montanhas que uma
pessoa pode escalar. Chung-ni é como o sol e a lua, que ninguém escala. Mesmo
que alguém quisesse escapar do sol e da lua, como isso deporia contra eles? Isso
somente serviria para mostrar mais claramente que não teve consciência do seu
próprio tamanho.
25. Chen Tzu-chin disse para Tzu-kung: Você está apenas sendo respeitoso, não
é? Certamente Chung-ni não é superior a você.
Tzu-kung disse: Um homem é considerado sábio por apenas uma palavra que
ele diga; igualmente, ele é considerado tolo por apenas uma palavra que ele diga.
É por isso que devemos ter muito cuidado quanto ao que dizemos. O Mestre não
pode ser igualado, assim como o céu não pode ser medido. Estivesse o Mestre
prestes a se tornar o líder de um reino ou de uma família nobre, ele seria como o
homem descrito no provérbio: tudo o que ele tem a fazer é ajudá-los a ficar de
pé, e eles ficarão de pé, guiá-los, e eles caminharão, trazer paz a eles, e eles o
seguirão, destinar-lhes tarefas, e eles trabalharão em harmonia. Em vida, ele é
glorificado e, na morte, será pranteado. Como pode ele ser igualado?.
Livro XX
1. Yao disse:
Oh! Shun,
A sucessão, ordenada pelo Céu, recaiu sobre a tua pessoa.
Apega-te com firmeza ao caminho do meio.
Se o Império for reduzido ao estado de caos,
As honras concedidas a ti pelo Céu estarão terminadas para sempre.
Foi com essas mesmas palavras que Shun comandou Yü.
[Tang] disse: Eu, Lü, o pequeno, ouso oferecer um touro negro e fazer esta
declaração perante o grande senhor. Não ouso perdoar aqueles que
transgrediram. Apresentarei vossos servos como são, de modo que a escolha seja
apenas Vossa. Se eu transgredir, não permitais que os dez mil reinos sofram por
minha causa; mas se os dez mil reinos transgredirem, a culpa é minha, apenas.
A dinastia Chou foi imensamente abençoada, e os homens bons abundaram.
Tenho parentes próximos,
Mas melhor para mim é ter homens benevolentes.
Se o povo transgredir
Que recaia sobre a minha cabeça apenas.[207]
* * *
Decida sobre pesos e medidas após cuidadosa consideração e restabeleça
postos oficiais que caíram em desuso, e as medidas governamentais serão
fortalecidas em toda parte. Restitua reinos que foram anexados, reviva linhagens
que foram extintas, promova homens que se retiraram da sociedade, e os
corações de todas as pessoas comuns do Império o admirarão.
O que era considerado de importância: as pessoas comuns, comida, luto e
sacrifícios.
Se um homem é tolerante, ele conquistará o povo. Se é coerente com as
próprias palavras, as pessoas comuns confiarão nele. Se é rápido, atingirá
resultados.[208] Se é imparcial, as pessoas comuns ficarão satisfeitas.[209]
2. Tzu-chang perguntou a Confúcio: Como deve ser um homem para que ele
possa fazer parte de um governo?.
O Mestre disse: Se ele enaltece as cinco práticas excelentes e foge das quatro
práticas perniciosas, ele pode participar do governo.
Tzu-chang disse: O que significam as cinco práticas excelentes?.
O Mestre disse: O cavalheiro é generoso sem gastar, faz com que os outros
trabalhem sem que padeçam, tem desejos sem ser ambicioso, é casual sem ser
arrogante e é admirado sem parecer orgulhoso.
Tzu-chang disse: O que significa ser generoso sem gastar?.[210]
O Mestre disse: Se um homem beneficia o povo comum utilizando as coisas
ao redor deles que eles acham benéficas, não se trata de ser generoso sem
gastar? Se um homem, ao fazer com que os outros trabalhem, escolhe fardos que
os outros conseguem carregar, quem vai se queixar? Se, ao desejar
benevolência, um homem a obtém, onde está a ambição? O cavalheiro jamais
ousa negligenciar as boas maneiras, esteja ele com muitas ou poucas pessoas,
com jovens ou velhos. Não se trata de ser informal sem ser arrogante? O
cavalheiro, com seu traje e chapéu bem-ajustados e com seu olhar altivo, tem
uma atitude que inspira admiração às pessoas que o vêm. Não se trata de ser
admirado sem parecer orgulhoso?.
Tzu-chang disse: O que significam as quatro práticas perniciosas?.
O Mestre disse: Impor a pena de morte sem antes tentar reformar é ser cruel;
esperar resultados sem antes avisar é ser tirânico; insistir em prazos quando se
dão ordens tardias é causar dano. Quando algo precisa ser dado a alguém, ser
sovina ao fazê-lo é ser impertinente.
3. Confúcio disse: Um homem não pode se tornar um cavalheiro a menos que
entenda o Destino; ele não pode ocupar o seu lugar a menos que entenda os ritos;
ele não pode julgar os homens a menos que entenda as palavras.
Apêndice 1
Acontecimentos na vida de Confúcio
Comparado a outros pensadores da China antiga, sobre a maioria dos quais
quase nada é sabido, Confúcio parece ter se saído muito bem. A principal fonte
sobre sua vida é a biografia que compõe o capítulo 47 de Shih chi (Registros do
historiador), escrito no início do século I a.C. por Ssu-ma Chien. É uma biografia
de bastante fôlego e parece, à primeira vista, ser repleta de informações, mas
essa impressão se mostra enganosa. A maior parte dessas informações é pouco
confiável. De fato, Tsui Shu (1740-1816), que examinou meticulosamente as
evidências de acontecimentos na vida de Confúcio no seu Chu Ssu kao hsin lu,
que ainda é o melhor trabalho sobre o assunto, definiu muito bem a questão ao
dizer: No Shih chi [biografia], aquilo que não tem fundamento chega a setenta
ou oitenta por cento.[211] Ao refletirmos sobre o assunto, isso dificilmente
causa surpresa.
Pelo fato de Confúcio ter ganho, talvez até mesmo durante a própria vida, a
reputação de um sábio, histórias apócrifas sobre ele abundaram desde o início.
Por exemplo, o Kuo yü, uma compilação mista de relatos dos vários reinos no
período da Primavera e do Outono (chun chiu), já inclui um certo número de
histórias sobre Confúcio que só podem ser encaradas como invenções
ocasionadas por sua reputação de homem sábio. Em uma delas, ele consegue
identificar um animal desconhecido que se parecia com uma ovelha.[212] Em
outra, ele identifica um esqueleto gigante como sendo de Fang Feng Shih, que,
dizia-se, tinha sido executado por Yü, o fundador da dinastia Hsia, por ter
chegado atrasado a uma reunião.[213] Em outra ocasião ainda, uma águia que
cai, moribunda, traz uma flecha com uma ponta de pedra de mais de um pé de
comprimento. Confúcio é capaz de dizer que o pássaro é proveniente das
distantes terras dos bárbaros ao norte de Su Shen, já que tal tipo de flecha era
própria desse grupo.[214] Além desse tipo de história, que mostra o quão
imensamente erudito Confúcio era, havia ainda histórias que eram propagadas e
difundidas por escolas rivais, fosse para descreditar o sábio ao ridicularizá-lo, ou
para emprestar respeitabilidade às ideias delas. Há, por exemplo, no Chuang tzu,
inúmeras histórias que ilustram ideias taoístas nas quais Confúcio figura com
proeminência. E também há histórias, no Han fei tzu, nas quais Confúcio aparece
como o porta-voz de ideias legalistas.
Se o Kuo yü, sem falar no Chuang tzu e no Han fei tzu, já era abundante em
histórias apócrifas, não deveríamos ficar surpresos que grande parte desse
material tenha aberto caminho até o Shih chi. Ssu-ma Chien era extremamente
cauteloso com a forma com que lidava com sua matéria-prima: nada era
rejeitado, a menos que ele tivesse certeza da falta de autenticidade da
informação. Sempre que havia lugar para dúvidas, ele preferia preservar a
tradição e deixar que o leitor julgasse por si próprio. Essa atitude está resumida
nas palavras que ele usava para elogiar Confúcio como historiador. Ele
mostrava cautela ao transmitir algo duvidoso como algo que era duvidoso. (Shih
chi, p. 487). Mas essa cautela coloca um problema ao leitor moderno. Não há,
me parece, saída para esse problema a não ser adotar o princípio austero de que
qualquer coisa que não estiver chancelada por um punhado de fontes primárias
antigas tem de ser submetido a cuidadoso escrutínio e que a tradição tem de ser
rejeitada quando houver espaço para dúvida. Na minha opinião, as fontes
primárias nas quais se deve confiar incluem não muito mais do que Os analectos,
acrescidos por Mencius, e o Tso chuan (o Comentário tso sobre os Anais de
Primavera e Outono). Temos de confiar em Os analectos por ser a fonte mais
antiga sobre Confúcio, embora mesmo nele haja passagens abertas a dúvidas.
Mencius pode ser usado como uma fonte suplementar que às vezes confirma em
detalhe o que se encontra em Os analectos. É supostamente confiável por causa
do imenso respeito que Mêncio mostrava para com Confúcio e por causa do
saudável ceticismo que ele mostrava para com textos tradicionais apócrifos sobre
grandes homens do passado.[215] O Tso chuan é ligeiramente mais problemático.
Embora seja o único relato confiável que temos sobre a história do Período de
Primavera e Outono, há, ainda assim, casos em que é introduzido um elemento
profético que apenas pode significar que algum material foi acrescido após o
acontecimento. Por essa razão, tal material deveria ser isolado e tratado com
ceticismo.
Agora poderemos tentar reconstruir um relato cronológico de todos os
acontecimentos da vida de Confúcio que têm a autenticidade dos primeiros
trabalhos. Também poderemos usar essa oportunidade para tomar todas as
passagens datáveis de Os analectos e colocá-las em seu lugar apropriado na
cronologia, com a esperança de que isso lhes dê um contexto histórico que pode
ser de ajuda ao leitor. Concluiremos, então, examinando alguns dos mais
importantes acontecimentos atribuídos no Shih chi e em outros trabalhos à vida de
Confúcio e mostrando que são infundados.
1. As origens de Confúcio
De acordo com Tso chuan (duque Chao 7), no seu leito de morte Meng Hsi
Tzu disse que Confúcio descendia de Fu Fu He, que, embora fosse o filho mais
velho do duque Min de Sung, abriu mão do seu direito de sucessão ao seu irmão
mais novo, que se tornou o duque Li (por volta do século IX a.C.). Meng Hsi Tzu
então continuou mencionando Cheng Kao Fu[216], que serviu três duques em
Sung, entre 799 e 729 a.C., e que era conhecido pela atitude respeitosa. Meng Hsi
Tzu também mencionou que Confúcio descendia de um sábio que fora morto em
Sung. Este, de acordo com o comentário de Tu Yü, era Kung Fu Chia.[217] Em
outra passagem de Tso chuan (Duque Yin 3) há um relato do duque Mu (728?
-720?), logo antes de ele morrer, confiando seu bebê a Kung Fu Chia[218], que
então foi assassinado por Hua Tu, em 710 a.C., junto com o jovem duque.[219]
O pai de Confúcio não é mencionado em nenhuma das fontes mais antigas.
O Tso chuan (duque Hsiang 10), entretanto, menciona um Shu He, de Tsou, que
demonstrou sua imensa força física ao segurar uma grade de ferro com as mãos
enquanto seus camaradas fugiam.[220] O Shih chi, em um relato sobre o mesmo
incidente, dá o nome do personagem como sendo Shu Liang He e o identifica
como o pai de Confúcio.[221] Nada se sabe sobre sua mãe, embora tenha havido
relatos posteriores referindo-se a ela como a mãe de um sábio.
2. Nascimento e primeiros anos
Após o assassinato de Kung Fu Chia por Hua Tu, em 710 a.C., seus
descendentes, de acordo com relatos tradicionais posteriores, fugiram para Lu.
Seja qual for a verdade disso, Confúcio era sem dúvida um nativo de Lu. Um
eremita, em conversa com Tzu-lu, referiu-se a ele como Kung Chiu de Lu
(Os analectos, XVIII.6) e referiu-se a Lu como o reino de meu pai e minha
mãe (Mencius, VII.B.17).
Nenhuma das nossas três fontes dá a data do nascimento de Confúcio, mas
o Ku Liang chuan e o Kung Yang chuan ambos comentários aos Anais de
Primavera e Outono concordam em fixar o nascimento no 21º ano do duque
Hsiang, isto é, 552 a.C. O Shih chi, entretanto, diz que teria sido um ano depois.
Quando jovem, Confúcio desempenhou funções de pouca importância.
Isso fica claro em Os analectos, em que Confúcio é lembrado dizendo:
Eu era de origem humilde quando jovem. É por isso que tenho várias
habilidades manuais. (IX.6)
Também Mêncio diz:
Confúcio foi uma vez um pequeno oficial encarregado de lojas. Ele disse:
Tudo o que tenho de fazer é manter registros acurados. Uma vez ele foi
um pequeno oficial encarregado de ovelhas e gado. Ele disse: Tudo o que
tenho de fazer é garantir que as ovelhas e o gado cresçam fortes e sadios.
(Mencius, V.B.5)
3. Entrada na vida oficial
De acordo com Tso chuan (duque Chao 17), em 525 a.C. Confúcio
apresentou-se ao visconde de Tan, que então visitava o reino de Lu, para ser
instruído sobre o sistema usado no tempo de Shao Hao para nomear oficiais de
acordo com nomes de pássaros.[222] Em 525 a.C. Confúcio tinha 27 anos, e é
provável que ele já tivesse algum pequeno cargo na corte de Lu. De outra forma,
ele dificilmente teria acesso à visita de um dignatário.
Em 525 a.C., é registrado no Tso chuan (duque Chao 20) que Confúcio
comentou, falando sobre o tratador de animais, que preferiria morrer do que
atender a um chamado feito de forma equivocada.[223] Esse mesmo incidente é
mencionado em Mencius (V.B.7), em que o comentário de Confúcio, um tanto
diferente, é
Um homem cuja mente está focada em altos ideais nunca esquece que
ele pode terminar em uma vala; um homem de valor nunca esquece que
sua cabeça pode ir a prêmio.
No mesmo ano, Tzu-chan, o distinto governante de Cheng, morreu;
Confúcio chorou e disse: Um homem benevolente de antigamente.[224]
Em 518 a.C., antes de morrer, Meng Hsi Tzu, ainda recuperando-se da sua
miserável performance de quando realizara uma cerimônia havia muitos anos,
expressou o desejo de que seus dois filhos partissem para receber instrução de
Confúcio sobre os ritos.[225]
Em 517, quando o sacrifício ti[226] foi realizado no templo do duque
Hsiang de Lu, apenas dois grupos de oito dançarinos wan participaram, enquanto
o resto dos dançarinos estava na casa da família Chi.[227] Esse pode ter sido o
incidente que ocasionou a reação de Confúcio que é registrada em Os analectos:
Confúcio disse da família Chi: Eles usam oito fileiras de dançarinas cada
um para performances no jardim. Se isso pode ser tolerado, o que não
pode ser tolerado?. (III.1)
4. Visita a Chi
Que Confúcio visitou Chi fica claro a partir de fontes primárias. Em Os
analectos, encontramos:
O Mestre ouviu o shao em Chi e por três meses não sentiu o gosto das
refeições que comia. Ele disse: Jamais sonhei que as alegrias da música
pudessem chegar a tais alturas. (VII.14)
e
O duque Ching de Chi perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio
respondeu: Deixe que o governante seja um governante, o súdito, um
súdito, o pai, um pai, o filho, um filho. O duque disse: Esplêndido!
Realmente, se o governante não for um governante, o súdito, um súdito, se
o pai não for um pai e o filho, um filho, então, mesmo que houvesse grãos,
conseguiria eu comê-los?. (XII.11)
e finalmente:
Refletindo sobre como deveria tratar Confúcio, o duque Ching de Chi
disse: Não posso tratá-lo de forma tão exaltada quanto a que é dispensada
para a família Chi [em Lu]. Então ele o colocou em algum lugar entre os
Chi e os Meng, dizendo: Estou ficando velho. Receio não ser capaz de
aproveitar os talentos dele. Confúcio foi embora. (XVIII.3)
Mêncio também registra a partida de Confúcio de Chi:
Mêncio disse: Quando deixou Lu, Confúcio disse: Procedo da forma
mais lenta possível. Esse é o modo como devemos deixar o reino do nosso
pai e da nossa mãe. Quando deixou Chi, ele partiu após esvaziar o arroz
da panela. Esse é o modo com que deixamos um reino estrangeiro.
(VII.B.17. Ver também V.B.1)
Nem Os analectos nem o Mencius dão data alguma para a visita a Chi,
mas o duque Ching de Chi reinou de 547 a 490 a.C. Confúcio pode ter estado em
Chi em qualquer época antes de 490, mas, na verdade, sua visita parece ter
ocorrido muito antes de 490, pois, conforme veremos, ele estava de volta a Lu
antes do ano 502.
5. Retorno de Chi a Lu
Seja qual for a data da volta de Confúcio para Lu, depois disso algum
tempo deve ter passado até que ele recebesse um cargo, já que ele é instado por
várias pessoas a tomar parte da vida pública. Em Os analectos, encontramos:
Alguém disse para Confúcio: Por que o senhor não faz parte do
governo?.
O Mestre disse: O Livro da História diz: Oh, um homem pode exercer
influência sobre o governo simplesmente sendo um bom filho e amistoso
com seus irmãos. Ao agir dessa forma um homem estará, de fato,
fazendo parte do governo. Como podem perguntar sobre ele fazer
ativamente parte do governo?. (II.21)
E ainda:
Yang Huo queria ver Confúcio e, quando Confúcio se recusou a ir vê-lo,
ele mandou a Confúcio um leitão de presente.
Confúcio mandou alguém vigiar a casa de Yang Huo e foi agradecer o
presente durante a ausência dele. No caminho, calhou de ele encontrar
Yang Huo, que lhe disse: Venha, agora. Preciso falar com você. Então
ele continuou: Pode ser chamado de benevolente o homem que, enquanto
esconde seus tesouros, permite que o reino se extravie? Eu diria que não.
Pode ser chamado de sábio o homem que, ao mesmo tempo que é ávido
por participar da vida pública, constantemente deixa passar a
oportunidade? Eu diria que não. Os dias e os meses passam. O tempo não
está do nosso lado. Confúcio disse: Muito bem. Aceitarei um cargo.
(XVII.1)
O Yang Huo dessa passagem tem sido tradicionalmente identificado como
Yang Hu, um oficial da mansão da família Chi que conseguiu não apenas usurpar
o poder da família Chi, mas também o poder no reino de Lu. No final, ele foi
longe demais e teve de fugir do reino em 501 a.C. A identificação de Yang Huo
com Yang Hu é aceita, e então a conversa registrada no trecho XVII.1 deve ter
acontecido antes de 501, mas infelizmente mesmo assim a identificação não é
segura. Um relato desse incidente também é encontrado em Mencius:
Yang Huo queria ver Confúcio, mas não queria agir de maneira contrária
aos ritos. Quando um ministro dava um presente a um cavalheiro, o
cavalheiro, se não estivesse em casa para recebê-lo, tinha que ir até a casa
do ministro para agradecer-lhe. Yang Huo esperou até que Confúcio
estivesse ausente para presenteá-lo com um leitão defumado. Mas
Confúcio também esperou até que Yang Huo saísse para ir lá oferecer
seus agradecimentos. Naquela época, se Yang Huo tinha tomado a
iniciativa de ser cortês para com Confúcio, como poderia Confúcio
recusar-se a vê-lo?[228]
Há algumas dificuldades em identificar esse Yang Huo com Yang Hu.
Primeiro, Yang Huo é referido como ministro. Se ele fosse, de fato, Yang Hu,
então ele seria meramente um oficial na mansão da família Chi. Mesmo que
fosse prática comum conceder a tais oficiais, como cortesia, o título de ministro,
é de se perguntar se Mêncio, um adepto da etiqueta, teria lançado mão de tal
prática. Em segundo lugar, fala-se de Yang Huo como alguém que não queria
agir de maneira contrária aos ritos. Isso não parece com o Yang Hu, de modo
algum. Em terceiro lugar, em Mencius III.A.3, um dizer de Yang Hu é citado. É
difícil entender por que a mesma pessoa deveria ser referida diferentemente nos
dois lugares. Em quarto lugar, no Tso chuan há numerosas referências a Yang Hu,
porém nenhuma a Yang Huo. De forma que não temos evidências concretas
quanto à identificação de Yang Huo com Yang Hu, mas, é claro, isso não quer
dizer que a identificação não possa ser correta.
No Tso chuan (duque Ting I) há uma referência a Confúcio no escritório de
ssu kou (comissário de polícia) em uma data depois de 502 a.C.[229] Isso é
confirmado por Mêncio (VI.B.6). De acordo com Mencius (V.B.4), Confúcio
recebeu um cargo sob Chi Huan Tzu, e isso deve, então, ter ocorrido entre 505 e
492 a.C., período em que este último esteve no poder. É possível que tenha sido
enquanto Confúcio era ssu kou que Yüan Ssu foi seu administrador (Os
analectos, VI.5). Também é possível que tenha sido a esse período que a
conversa em Mencius se refere:
Quando Confúcio tinha um cargo em Lu, o povo de Lu tinha o hábito de
disputar a presa de uma caçada para ser usada em sacrifício, e Confúcio
tomou parte na briga. Se até mesmo lutar pela caça é permitido, tanto
mais é aceitar um presente.
Nesse caso, Confúcio não tomou o cargo para promover o Caminho?
Sim.
E nesse caso, por que ele se juntou à disputa pela caça?
A primeira coisa que Confúcio fez foi decretar regras corretas para
governar os navios sacrificiais, proibindo o uso de carne dos quatro
membros em tais navios.
Por que ele não renunciou ao cargo?
Ele queria fazer uma tentativa. Quando ficou claro que tal proibição era
possível e que, apesar de tudo, não era colocada em prática, ele
renunciou. (V.B.4)
Durante o tempo em que Confúcio era ssu kou, houve dois acontecimentos
dignos de nota. Primeiro, ele assistiu à cerimônia durante um encontro entre o
duque Ting de Lu e o duque Ching de Chi, em Chia Ku, no ano 500 a.C. Isso fica
registrado no Tso chuan (duque Ting 10).[230] O segundo foi a tentativa de
demolir os três fortes das Três Famílias, em 498 a.C., que terminou frustrada.
[231] No ano seguinte Confúcio partiu de Lu para ir a Wei. Poderia parecer que a
partida de Confúcio era consequência direta do fracasso de tal atentado, mas
tanto Os analectos e o Mencius dão como razões coisas totalmente diferentes. Em
Os analectos, é dito:
Os homens de Chi enviaram de presente moças cantoras e dançarinas.
Chi Huan Tzu aceitou-as e não foi à corte durante três dias. Confúcio foi
embora. (XVIII.4)
Mêncio, entretanto, diz:
Confúcio era o comissário de polícia de Lu, mas seus conselhos não eram
seguidos. Ele tomou parte em um sacrifício, mas, depois, não lhe foi dada
uma parte da carne do animal sacrificado. Ele deixou o reino sem sequer
esperar para tirar seu chapéu cerimonial. Aqueles que não o entenderam
acharam que ele agia desse modo por causa da carne, mas aqueles que o
entenderam perceberam que ele partia porque Lu tinha falhado em
observar os ritos devidamente. De sua parte, Confúcio preferia estar
ligeiramente em falta ao partir do que partir sem razão alguma. As ações
de um cavalheiro estão naturalmente acima do entendimento do homem
comum. (VI.B.6)
Talvez a razão dada em Os analectos também não seja mais do que um
pretexto.
Há outra passagem em Os analectos que definitivamente pertence a esse
período e que é de algum interesse.
O Mestre disse: Concedam-me mais alguns anos para que eu possa
estudar o Livro das mutações até os cinquenta e então estarei livre de maiores
erros. (VII.17)
Foi no ano 503 a.C. que Confúcio chegou à idade de cinquenta anos, e a
data em que ele fez tal observação deve ter sido antes desse ano. Essa passagem
tem sido usada como evidência de que Confúcio fez um estudo profundo do Livro
das mutações. Mas para yi (mudança) há uma leitura alternativa, yi, que é uma
partícula gramatical. Se essa leitura é seguida, então a tradução é:
Concedam-me mais alguns anos para que eu possa estudar até os
cinquenta e então estarei livre de maiores erros.
A tradição que liga Confúcio com a autoria do assim chamado Dez asas
no Livro das mutações não é, de modo algum, firmada em evidência concreta.
6. Viagem para fora do reino (497-484 a.C.)
Depois de deixar Lu, Confúcio viajou pelo exterior, visitando vários reinos,
mas em nenhum lugar está registrado quando ele começou suas viagens nem a
ordem na qual ele visitou esses reinos. Entretanto, alguns indícios podem ser
tirados de Mencius.
Quando Confúcio caiu em desfavor em Lu e em Wei, houve o incidente de
Huan Ssu-ma, de Sung, que estava prestes a emboscá-lo e matá-lo, e ele
teve que viajar pelo reino de Sung disfarçado. Naquela época, Confúcio
estava em apuros, e ele foi recebido por Ssu-cheng Chen-tzu e tomou
cargo com Chou, marquês de Chem. (Mencius, V.A.8)
Isso pareceria indicar que depois que ele deixou Lu, Confúcio primeiro foi
para Wei e então de Wei para Chen, por Sung. Agora Chen e Tsai são
mencionados, tanto em Os analectos como em Mencius.
O Mestre disse: Nenhum daqueles que estiveram comigo em Chen e
Tsai jamais foram além da minha porta. (Os analectos, XI.2)
Mêncio disse: O fato de o cavalheiro [isto é, Confúcio] ter estado em
dificuldades na região de Chen e Tsai foi porque ele não tinha amigos na
corte. (Mencius, VII.B.18)
Como Tsai é mencionada após Chen, a visita a Tsai muito provavelmente
veio depois que Confúcio assumiu um cargo em Chen. Isso é inteiramente
razoável, já que Tsai, como parte de Chu, ficava ao sudoeste de Chen, e Chen,
por sua vez, ficava ao sudoeste de Sung. Se lembrarmos que Confúcio passou por
Sung para chegar até Chen, então ele deve ter chegado até Chen antes que ele
pudesse ir para Tsai.
Sobre a volta de Confúcio para Lu, temos mais sorte. Sabemos quando e a
partir de qual reino ele voltou. De acordo com Tso chuan (duque Ai 11), em 484
a.C., quando consultado por Kung Wen Tzu sobre questões militares, Confúcio
disse: É o pássaro que deveria escolher a árvore. Como poderia a árvore
escolher o pássaro?. Embora ele estivesse persuadido a não deixar Wei, ele foi
chamado pelos homens de Lu, e então regressou.[232] O Tso chuan então registra
que o líder da família Chi consultou Confúcio por meio de Jan Yu sobre questões
de impostos.[233] Isso significa que Confúcio estava efetivamente de volta a Lu
em fins de 484 a.C., no mais tardar.
Agora que estabelecemos um itinerário, podemos dar uma olhada nos
acontecimentos que ocorreram durante esses anos de viagem ao estrangeiro.
a. Primeira visita a Wei
A primeira visita a Wei deve ter acontecido antes de 493 a.C., já que o
duque Ling morreu naquele ano e há conversas entre o duque e Confúcio
registradas em Os analectos. Em XIII.9 encontramos
Quando o Mestre foi para Wei, Jan Yu conduziu a carruagem para ele. O
Mestre disse: Que população florescente!.
Jan Yu disse: Quando a população floresce, que outro benefício pode-se
acrescentar?.
Fazer as pessoas ricas.
Quando as pessoas tornam-se ricas, que outro benefício pode-se
acrescentar?
Educá-las.
Esse parece o tipo de conversa que aconteceria em uma primeira visita.
De acordo com Mencius, enquanto estava em Wei Confúcio teve, como
anfitrião, Yen Chou-y u. Mêncio acrescentou
A esposa de Mi Tzu[234] era a irmã da mulher de Tzu-lu. Mi Tzu disse
para Tzu-lu: Se Confúcio deixar eu servir de anfitriã para ele, o cargo de
ministro de Wei é dele, basta pedir. Tzu-lu relatou isso a Confúcio, que
disse: Há o Decreto. Confúcio continuou agindo de acordo com os ritos e
com o que era correto e, sobre questões de sucesso ou fracasso, disse: Há
o Decreto. (V.A.8)
Diz-se que, enquanto em Wei, Confúcio teve uma reunião com Nan Tzu, a
célebre esposa do duque Ling, de quem Tzu-lu não gostava. De acordo com Os
analectos, Confúcio teve de aplacá-lo.
O Mestre foi ver Nan Tzu. Tzu-lu não gostou. O Mestre jurou: Se fiz algo
inapropriado, que o castigo do Céu caia sobre mim! Que o castigo do Céu
caia sobre mim!. (VI.28)
Que o duque Ling de Wei não era um homem particularmente bom é algo
que pode ser visto na seguinte passagem em Os analectos:
Quando o Mestre falou sobre a absoluta falta de princípios morais de parte
do duque Ling de Wei, Kang Tzu comentou: Sendo esse o caso, como é
que ele não perdeu seu reino?.
Confúcio disse: Chung-shu Yü era o responsável pelos visitantes
estrangeiros, o padre Tuo pelo templo ancestral, e Wang-sun Chia pelas
questões militares. Sendo esse o caso, que possibilidade haveria de o duque
perder o reino? (XIV.19)
Sendo o duque Ling o tipo de homem que era, é fácil entender por que
Mêncio descreve o fato de Confúcio assumir um cargo subordinado a ele como
algo feito por ter sido tratado com decência (Mencius, V.B.4).
Quanto à razão por que Confúcio deixou Wei depois da sua primeira visita,
há a seguinte passagem em Os analectos:
O duque Ling de Wei perguntou a Confúcio sobre táticas militares.
Confúcio respondeu: De fato, já ouvir falar sobre o uso de embarcações
sacrificiais, mas nunca estudei a questão do comando de tropas. No dia
seguinte, foi embora do reino. (XV.1)
É coincidência demais que a primeira visita de Confúcio a Wei tenha
terminado quando o duque Ling lhe fez uma pergunta sobre questões militares, ao
passo que sua segunda visita ao mesmo reino quase terminou quando lhe foi feita
a mesma pergunta por Kung Wen Tzu.[235] É possível que essas sejam visões
diferentes da mesma história. Se esse é o caso, temos que aceitar a versão de Os
analectos, preferencialmente à do Tso chuan.
b. No reino de Sung
Sobre a passagem de Confúcio pelo reino de Sung, Mêncio disse: Houve o
incidente de Huan Ssu-ma de Sung que estava prestes a emboscá-lo e matá-lo, e
ele teve que viajar pelo reino de Sung disfarçado. (Mencius, V.A.8) Que houve
tal incidente é confirmado em Os analectos, em que Confúcio diz: O Céu é o
autor da virtude que há em mim. O que pode Huan Tui fazer comigo?. (VII.23)
O Huan Ssu-ma de Mencius é o Huan Tui em Os analectos.
c. Em Chen e em Tsai
De acordo com Mêncio, Confúcio assumiu um cargo subordinado a Chou,
o marquês de Chen. Há também uma referência a esse período no Tso chuan
(duque Ai 3). Em 492 a.C., houve um incêndio em Lu, e tanto os templos do
duque Huan quanto os do duque Hsi foram danificados. Diz-se que Confúcio, ao
ficar sabendo das notícias sobre o fogo, em Chen, proclamou que os templos de
Huan e Hsi tinham sido destruídos.[236] Esse é apenas o tipo de história mais
provavelmente inventado para mostrar a onisciência do sábio, e pouco crédito se
deve dar a ela, mas ela de fato mostra que Confúcio esteve em Chen.
Mencius menciona a dificuldade que os cavalheiros encontraram em Chen
e em Tsai (VII.B.18). Mais sobre esse incidente pode ser encontrado em Os
analectos:
Em Chen, quando as provisões acabaram, os seguidores tinham se tornado
tão fracos que nenhum deles conseguia pôr-se em pé. Tzu-lu, com
indignação pintada em todo o rosto, disse: É possível que haja momentos
em que até mesmo os cavalheiros são levados a circunstâncias tão
extremas?. O Mestre disse: Não causa nenhuma surpresa ao cavalheiro
encontrar-se em circunstâncias extremas. O homem vulgar, ao encontrarse
em circunstâncias extremas, jogaria para cima qualquer escrúpulo.
(XV.2)
Em 489 a.C. Wu invadiu Chen. É muito provável que Confúcio tenha
experimentado dificuldades enquanto viajava de Chen para Tsai, nessa época.
Isso explicaria o comentário que Mêncio fez sobre Confúcio estar em apuros na
região de Chen e Tsai.
Deve ter sido em Tsai que Confúcio encontrou o governador de She. De
acordo com o Tso chuan (duque Ai 2), em 493 a.C., o reino de Tsai mudou-se
para Chou Lai.[237] Como isso era bem longe de Chen, era improvável que
Confúcio visitasse o lugar. Mas em 491 a.C, Chu Liang, o governador de She,
reuniu em Fu Han[238] antigos habitantes de Tsai que não tinham ido para Chou
Lai. Deve ter sido em Fu Han, em 489 a.C., que Confúcio encontrou o
governador de She, um homem de extraordinária habilidade por meio de cujos
esforços a insurreição de Chu liderada por Po Kung, em 479 a.C., foi debelada.
Em Os analectos, há duas passagens em que aparece o governador de She.
O governador de She perguntou sobre governo. O Mestre disse:
Certifique-se sempre de que aqueles que estão perto estejam satisfeitos e
de que aqueles que estão longe sejam atraídos. (XIII.16)
O governador do She perguntou a Tzu-lu sobre Confúcio. Tzu-lu não
respondeu. O Mestre disse: Por que você não falou simplesmente o
seguinte: ele é o tipo de homem que esquece de comer quando está
distraído com um problema, que é tão alegre que esquece suas
preocupações e que não percebe a aproximação da velhice?. (VII.19)
De Tsai Confúcio deve ter voltado a Chen e foi em Chen que ele sentiu
saudades de Lu. Em Os analectos, encontramos
Quando estava em Chen, o Mestre disse: Vamos para casa. Vamos para
casa. Em casa, nossos jovens rapazes são furiosamente ambiciosos e têm
grandes talentos, mas não sabem usá-los. (V.22)
Em Mencius, encontramos um dos discípulos de Mêncio fazendo uma
pergunta sobre isso.
Wan Chang perguntou: Quando Confúcio esteve em Chen, ele exclamou:
Vamos para casa. Os jovens da minha escola são selvagens e
extravagantes, seguindo adiante ao mesmo tempo em que não esquecem
suas origens. Se Confúcio estava em Chen, o que o fez pensar nos
selvagens cavalheiros de Lu?. (VII.B.37)
d. Retorno a Wei
Em 496 a.C., o príncipe Kuai Kui, filho do duque Ling de Wei, tentou
matar Nan Tzu, a esposa do seu pai, porque estava envergonhado pela fama dela,
mas teve que fugir para Chin quando a tentativa se mostrou frustrada. Em 493
a.C, o duque Ling morreu, e Che, o filho do príncipe Kuai Kui, o sucedeu. Com
a ajuda do exército Chin, o príncipe Kuai Kui conseguiu instalar-se na cidade de
Chi, nos limites de Wei, e esperou por uma oportunidade de retomar o trono,
derrubando seu filho. É nesse panorama político que a seguinte conversa
registrada em Os analectos deve ter acontecido.
Jan Yu disse: O Mestre está do lado do senhor de Wei?.
Tzu-kung disse: Bem, vou perguntar a ele.
Ele entrou e disse: Que tipo de homens eram Po Yi e Shu Chi?.
Eram excelentes anciãos.
Tinham alguma queixa?
Procuravam a benevolência e a encontraram. Então, por que teriam
qualquer queixa?
Quando Tzu-kung saiu, ele disse: O Mestre não está do lado dele.
(VII.15)
Na Antiguidade, Po Yi e Shu Chi eram os filhos do senhor de Ku Chu. O
pai queria que Shu Chi, o mais novo dos dois filhos, o sucedesse, mas, quando
morreu, nenhum dos filhos estava disposto a privar o outro da sucessão, e ambos
fugiram para as montanhas. Perguntando sobre Po Yi e Shu Chi, Tzu-kung pôde
interpretar que a resposta de Confúcio indicava seu desgosto pela luta imprópria
entre pai e filho. O príncipe Kuai Kui acabou conseguindo depor o filho em 480
a.C. Foi nessa ocasião que Tzu-lu, que estava então ao serviço de Kung Kui,
filho de Kung Wen Tzu, morreu ao resistir a uma invasão, mas por essa época
Confúcio já havia deixado Wei.
Há uma conversa entre Tzu-kung e Confúcio sobre o título póstumo de
Kung Wen Tzu.
Tzu-kung perguntou: Por que Kung Wen Tzu foi chamado de wen?.
O Mestre disse: Ele era rápido e ávido por aprender: não teve vergonha
de buscar o conselho daqueles que lhe eram inferiores em posição. É por
isso que ele é chamado wen. (V.15)
Já que, de acordo com o Tso chuan, Kung Wen Tzu deve ter morrido em
algum momento entre 484 e 480 a.C., e já que Confúcio estava de volta em Lu
no final do ano 484, no mais tardar, é bem possível que essa conversa tenha
acontecido em Wei, antes de Confúcio regressar para seu próprio reino, embora
seja mais provável que tenha ocorrido em Lu, após o retorno de Confúcio.
A seguinte passagem dos Analectos é anterior a quando Confúcio deixou
Wei:
Tzu-lu disse: Se o senhor de Wei encarregasse você da administração
(cheng) do reino, o que você faria primeiro?.
O Mestre disse: Se algo tem de ser feito primeiro, é, talvez, a retificação
(cheng) dos nomes.
Tzu-lu disse: É mesmo? Que caminho indireto o Mestre toma! Para que
tratar da retificação?.
O Mestre disse: Yu, como você é atrapalhado. Espera-se que um
cavalheiro não ofereça nenhuma opinião sobre aquilo que desconhece.
Quando os nomes não são corretos, o que é dito não soará razoável;
quando o que é dito não soa razoável, os negócios não culminarão em
sucesso e ritos e músicas não florescerão; quando ritos e música não
florescerem, a punição não encerrará os crimes; quando a punição não
encerrar os crimes, o povo ficará desanimado. Assim, quando o
cavalheiro nomeia algo, o nome com certeza terá uma função no seu
discurso, e, quando ele disser algo, com certeza será algo passível de ser
colocado em prática. Um cavalheiro é tudo menos casual quando se trata
de linguagem. (XIII.3)
Talvez seja possível detectar, nessa insistência quanto à necessidade de
correção das palavras, uma referência velada à disputa, na qual o pai não se
comportou como pai, e o filho não se comportou como filho.
Em Mencius, é dito que Confúcio assumiu um cargo subordinado ao duque
Hsiao, de Wei, e Mêncio descreve isso como o caso de uma nomeação que se
deveu ao fato de que o príncipe queria ter pessoas boas na sua corte (V.B.4). Não
há duque Hsiao em Wei, tanto de acordo com Anais de Primavera e Outono
quanto com o Shih chi. Chu Hsi sugeriu que o duque Hsiao era na verdade Che.
[239] Tsui Shu apontou que era muito provável que Duque Despossuído (Chu
Kung) não fosse um título póstumo apropriado e que ele poderia muito bem ter
recebido o título de hsiao (filial) em vista da sua obediência aos desejos de seu
avô, ao resistir ao próprio pai.[240]
7. Retorno a Lu e últimos anos de vida
Já vimos que de Wei Confúcio regressou a Lu, por volta do final de 484
a.C., no mais tardar. O duque Ai de Lu subiu ao trono em 494 a.C., ao passo que
Chi Kang Tzu sucedeu seu pai no poderoso cargo de ministro de Lu, em 493 a.C.
Confúcio, entretanto, havia deixado Lu em 497 a.C. Assim, todas as conversas
com duque Ai e Chi Kang Tzu devem ter ocorrido após seu regresso a Lu, em
484 a.C. e antes da sua morte, em 479 a.C. As opiniões que Confúcio expressou
nessas conversas são particularmente importantes como opiniões que um filósofo
amadureceu no decurso de uma longa e atribulada vida.
De acordo com Tso chuan, conforme vimos, em 484 a.C. Chi Kang Tzu
consultou Confúcio, por intermédio Jan Yu, sobre assuntos de impostos. Há uma
passagem em Os analectos sobre Jan Yu que talvez esteja ligada a este incidente:
A riqueza da família Chi era maior do que a do duque de Chou, e mesmo
assim Chiu ajudou-a a enriquecer ainda mais por meio do recolhimento
de impostos. O Mestre disse: Ele não é discípulo meu. Vocês, meus
jovens amigos, podem atacá-lo abertamente ao rufar dos tambores.
(XI.17)
Mêncio, citando as palavras de Confúcio, acrescentou um comentário
próprio:
Enquanto ele era administrador da família Chi, Jan Chiu dobrou a carga
de impostos sem ter como melhorar a virtude deles. Confúcio disse: Chiu
não é discípulo meu. Vocês, meus jovens amigos, podem atacá-lo
abertamente, ao rufar dos tambores. A partir disso pode ser visto que
Confúcio rejeitava aqueles que enriquecem os governantes que não são
dados à prática do governo benevolente. (IV.A.14)[241]
Em 481 a.C., Chen Heng assassinou o duque Chien, de Chi. Esse
acontecimento, referido no Tso chuan (duque Ai 14),[242] é registrado em Os
analectos.
Chen Cheng Tzu matou o duque Chien. Depois de lavar-se
cuidadosamente, Confúcio foi à corte e reportou-se ao duque Ai, dizendo:
Chen Heng matou seu próprio senhor. Posso pedir que um exército seja
enviado para puni-lo?. O duque respondeu: Diga isso aos Três
Senhores. Confúcio disse: Reportei-o ao senhor simplesmente porque
tenho o dever de fazê-lo, já que ocupo lugar junto aos ministros, mas
mesmo assim o senhor diz: Diga aos Três Senhores.
Ele foi e reportou-se aos Três Senhores, e eles recusaram seu pedido.
Confúcio disse: Reporto isso aos senhores simplesmente porque tenho o
dever de fazê-lo, já que ocupo um lugar junto aos ministros. (XIV.21)
Isso parece indicar que, após ser chamado de volta a Lu, Confúcio foi feito
ministro de baixa hierarquia.
No mesmo ano, de acordo com Tso chuan,[243] um chi lin (unicórnio) foi
pego numa caçada e Confúcio o identificou como tal. Como o Chun chiu (Anais
de Primavera e Outono) termina com a captura do chi lin e a Confúcio é
creditada a autoria dos anais (Mencius, III.B.9), parece provável que tenham sido
terminados em 481 a.C.
Confúcio não apenas preocupava-se muito com o Chun chiu, como
também se preocupava profundamente com a música e as Odes. Nos Analectos,
encontramos:
O Mestre disse: Foi depois da minha volta de Wei para Lu que a música
voltou à ordem, com o ya e o sung sendo designados para os devidos
lugares. (IX.15)
Como o ya e o sung são duas partes das Odes, isso pareceria sustentar a
tradicional ideia de que Confúcio editou as Odes, embora a crença, também
tradicional, de que ele reduziu o número de Odes de três mil para trezentas é
quase que certamente um exagero.
À parte a única conversa com o duque Ai, citada anteriormente, que pode
ser datada com exatidão, há outras passagens em Os analectos nas quais figuram
o duque ou Chi Kang Tzu cuja data não pode ser fixada com precisão. Aqui
estão as passagens nas quais o duque figura:
O duque Ai perguntou: O que devo fazer para que o povo veja em mim
um exemplo?.
Confúcio respondeu: Promova os homens corretos e coloque-os acima
dos desonestos, e o povo o admirará. Promova os homens desonestos e
coloque-os acima dos homens corretos, e o povo não o admirará. (II.19)
O duque Ai perguntou a Tsai Wo sobre o altar do deus da terra. Tsai Wo
respondeu: Os Hsia usavam o pinho, os Yin usavam o cedro, e os homens
de Chou usavam castanheira (li), dizendo que fazia o povo tremer (li).
O Mestre, ouvindo a resposta, comentou: Não se explica o que já está
feito, e não se discute sobre o que já foi realizado, e não se condena o que
já passou. (III.21)
Quando o duque Ai perguntou qual dos seus discípulos tinha sede de
aprender, Confúcio respondeu: Havia um Yen Hui que tinha sede de
aprender. Ele não descarregava sua raiva em uma pessoa inocente,
tampouco cometia o mesmo erro duas vezes. Infelizmente, o tempo de
vida que lhe coube era curto, e ele morreu. Agora, não há ninguém.
Ninguém com sede de aprender chegou ao meu conhecimento. (VI.3)
Aqui estão as passagens nas quais Chi Kang Tzu aparece:
Chi Kang perguntou: Como se pode inculcar no povo a virtude da
reverência, de dar o melhor de si e com entusiasmo?.
O Mestre disse: Governe-o com dignidade e o povo será reverente; trateo
com bondade e o povo dará o melhor de si; promova os homens bons e
eduque os mais atrasados, e o povo ficará tomado de entusiasmo. (II.20)
Chi Kang Tzu perguntou: Chung Yu é bom o suficiente para que lhe seja
oferecido um cargo oficial?.
O Mestre disse: Yu é decidido. Que dificuldades ele poderia encontrar ao
assumir um cargo?.
Ssu é bom o suficiente para que lhe seja oferecido um cargo oficial?
Ssu é um homem inteligente. Que dificuldades ele poderia encontrar ao
assumir um cargo?
Chiu é bom o suficiente para que lhe seja oferecido um cargo oficial?
Chiu é um homem completo. Que dificuldades ele poderia encontrar ao
assumir um cargo? (VI.8)
Quando Kang Tzu mandou-lhe remédios de presente, [Confúcio] curvou a
cabeça até o chão antes de aceitá-los. Entretanto, disse: Como não
conheço as propriedades destes remédios, não ouso prová-los. (X.16)
Chi Kang Tzu perguntou qual dos seus discípulos tinha sede de aprender.
Confúcio respondeu: Havia um chamado Yen Hui que tinha sede de
aprender, mas infelizmente o tempo que lhe foi concedido era curto, e ele
morreu. Agora, não há ninguém. (XI.7. Essa passagem é muito parecida
com VI.3, citada previamente.)
Chi Kang Tzu perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio respondeu:
Governar é corrigir. Se você der exemplo ao ser correto, quem ousaria
continuar sendo incorreto?. (XII.17)
O grande número de ladrões na região era uma fonte de preocupação
para Chi Kang Tzu, que pediu conselho a Confúcio. Confúcio respondeu:
Se você não fosse um homem ganancioso, ninguém roubaria, nem
mesmo se oferecessem recompensas aos ladrões. (XII.18)
Chi Kang Tzu perguntou a Confúcio sobre o governo, dizendo: O que o
Mestre pensaria se, para me aproximar daqueles que seguem o Caminho,
eu matasse aqueles que não o seguem?.
Confúcio respondeu: Qual a necessidade de matar para administrar um
governo? Apenas deseje o bem, e o povo será bom. A virtude do
cavalheiro é como o vento; a virtude do homem comum é como grama.
Que o vento sopre sobre a grama, e esta com certeza se dobrará.
(XII.19)
De acordo com o Tso chuan,[244] Confúcio morreu no quarto mês do 16º
ano do duque Ai (479 a.C.).
Ideias canônicas no Shih chi e em outras obras
Os textos que dizem respeito a Confúcio no Shih chi, a maioria dos quais
podem ser encontrados em outros trabalhos, dividem-se em duas categorias. A
primeira consiste em histórias que mostram Confúcio como um sábio, de alguma
forma diferente dos mortais comuns. A segunda categoria diz respeito à obtenção
de altos cargos por Confúcio e o que ele fez no cargo. Nenhuma das duas
categorias merece muito crédito, mas pode ser instrutivo examinar algumas
dessas histórias.
Da primeira categoria, já vimos as histórias do Kuo yü designadas a
mostrar que Confúcio tinha um conhecimento extraordinário sobre criaturas e
objetos raros. Todas elas estão incorporadas na biografia de Shih chi.
Outro tipo de história tenta mostrar que Confúcio era diferente dos outros
homens. Por exemplo, seu nascimento foi do tipo que se poderia esperar para um
sábio. O Shih chi diz:
[Shu Liang] He e uma moça da família Yen tiveram uma relação ilícita e
Confúcio nasceu. [Ela] estava rezando no monte Ni (Ni Chiu) e teve
Confúcio. No 22º ano do duque Hsiang de Lu, Confúcio nasceu. Ele nasceu
com o topo da cabeça achatado. Assim ele foi chamado Chiu[245]. Seu
tzu era Chung-ni, e seu nome de família era Kung. (p. 1.905)
Essa passagem pretende mostrar que Confúcio teve um nascimento
incomum, resultado de uma união ilícita entre Shu Liang e uma moça da família
Yen. Também mostra que Confúcio era fisicamente diferente dos homens
comuns. O topo da sua cabeça era afundado como um vale. Daí ele ser chamado
Chiu. Aqui Ssu-ma Chien parece ter preservado duas correntes tradicionais
diferentes. De acordo com a primeira, Confúcio foi chamado de Chiu porque o
topo da sua cabeça era como um monte afundado no meio (chiu). De acordo
com a segunda, seu nome era Chiu e seu tzu era Chung-ni porque era para o
monte Ni (Ni Chiu) que sua mãe rezava.
Há ainda outra história no Shih chi sobre as peculiaridades físicas de
Confúcio:
Confúcio foi para Cheng e separou-se dos seus discípulos. Ele ficou sozinho
junto ao portão leste da muralha externa. Alguém de Cheng disse a Tzukung:
Junto ao portão leste há um homem. A julgar pela cabeça ele se
parece com Yao, pelo pescoço, parece Kao Yao, pelos ombros, Tzu-chan,
e da cintura para baixo ele é três polegadas mais baixo que Yü. Ele parece
abatido como o cachorro de uma família que foi privada dos seus bens.
Tzu-kung contou isso para Confúcio, que sorriu, alegre, e disse: A
aparência de uma pessoa não tem a menor importância, mas dizer que
pareço um cachorro de uma família despossuída, de fato é assim, de fato
é assim. (p. 1.921-2)
Isso deve ter tido origem como uma história para ridicularizar a aparência
deselegante de Confúcio, embora pareça ter sido transformada pelas mãos de
algum editor confuciano em uma história que mostra, por meio da observação
final, a displicência de Confúcio para com aparências. Seja qual for o caso, é
certamente fundada na crença popular de que um sábio deveria parecer muito
diferente dos homens comuns.
Há ainda outro tipo de história que foi inventada para mostrar que muito
cedo na vida Confúcio já dava mostras do sábio que viria a ser. Por exemplo, no
Shih chi aparece:
Quando Confúcio, criança, brincava, ele lançava navios sacrificiais e
praticava os rituais devidos. (p. 1.966)
O Shih chi continua, dizendo:
Quando Confúcio tinha dezessete anos, Meng Hsi Tzu disse para seus
filhos: Kung Chiu é descendente de um sábio que foi morto no reino de
Sung... Ouvi dizer que dentre os descendentes de um sábio, embora não
necessariamente de seus descendentes diretos, surgirá um homem que se
distinguirá. Agora Kung Chiu é jovem e gosta dos ritos. Ele é
provavelmente aquele que se distinguirá. Se eu morrer, vocês devem fazer
dele seu professor. Quando Hsi Tzu morreu, Yi Tzu e Nan-kung Chingshu,
o homem de Lu, foram estudar os ritos com ele. (p.1.908)
Já vimos que Meng Hsi Tzu só morreu no 24º ano do duque Chao (518
a.C.), embora no Tso chuan a conversa seja registrada como tendo ocorrido sob o
sétimo ano do duque Chao (535 a.C.), porque foi seu fracasso ao realizar a
cerimônia naquele ano que provocou suas palavras moribundas. Ssu-ma Chien,
aparentemente, leu errado o Tso chuan e tomou 535 a.C. como o ano da morte de
Meng Hsi. Tsui Shu apontou que em 535 não apenas Confúcio era muito novo
para ser um professor, como nenhum dos dois filhos de Hsi Tzu era nascido.
[246] O erro deve ter sido induzido, para começar, pela crença de que Confúcio
muito cedo mostrou-se uma promessa como professor de ritos.
Nesse sentido vale a pena dar uma olhada na história sobre Confúcio
recebendo instruções de Lao Tzu.
Nan-kung Ching-shu de Lu disse para o senhor de Lu: Dê permissão para
o seu serviçal ir a Chou com Confúcio. O senhor de Lu deu-lhe uma
carruagem e dois cavalos, além de um serviçal, e ele foi [com Confúcio]
para Chou, para perguntar sobre os ritos. Foi provavelmente então que eles
encontraram Lao Tzu. Quando partiram, Lao Tzu despediu-se deles e
disse: Ouvi dizer que homens ricos e com altos cargos dão dinheiro como
presente, enquanto homens benevolentes dão palavras. Não pude ganhar
nem riqueza nem altos cargos, mas me chamam, ainda que não mereça,
de homem benevolente. Estas palavras são meu presente de despedida:
Há homens com mentes inteligentes e penetrantes que estão sempre perto
da morte. Isso porque expõem as más ações dos outros. Nem um filho
nem um súdito deveria encarar a sua pessoa como sua própria. (Shih chi,
p. 1.909)
Embora nenhuma data esteja relacionada a esse incidente, a passagem
obviamente dava continuidade à passagem contendo as últimas palavras de Meng
Hsi Tzu. Entre as duas aparecem duas outras passagens. A primeira registra a
morte de Chi Wu Tzu e sua sucessão, por Ping Tzu. A segunda é um parágrafo
que resume toda a carreira de Confúcio, do tempo em que ele era um pequeno
oficial até quando voltou de suas viagens a Lu, em 484 a.C., quando ele tinha 68
anos.
Agora, se o relato do encontro entre Confúcio e Lao Tzu indica o ano 535
a.C., não pode dizer respeito a nenhuma época posterior a 522 a.C, já que a
biografia retoma sua ordem cronológica dessa passagem em diante e já que o
próximo acontecimento registrado é a visita a Lu do duque Ching de Chi no
segundo ano do duque Chao (522 a.C.). Mesmo em 522 a.C., Nan-kung Ching-shu
não teria mais do que dez anos. Teria sido absurdo um garoto daquela idade, cujo
pai ainda estava vivo, aproximar-se do senhor de Lu pedindo permissão para ir a
Chou com Confúcio. Isso mostra que a história de um encontro entre Confúcio e
Lao Tzu, tal qual é contada em Shih chi, é cheia de inconsistências.
Como Confúcio era muito interessado em música, naturalmente havia
histórias sobre ele nesse sentido. Uma dessas histórias, encontrada no Han shih
wai chuan e no reconstituído Kung tzu chia yü, também pode ser encontrada no
Shih chi. Confúcio estava aprendendo a tocar uma peça musical com o mestre de
música Hsiang. Ele estava progredindo, até que, no final, ele viu a aparição de
um compositor. Ele descreveu o que estava vendo e disse: Quem mais poderia
ele ser, senão King Wen?. O mestre de música ficou surpreso com isso e
confessou que seu professor de fato dissera que a música era de King Wen (Shih
chi, p. 1.925). A natureza fantástica dessa história dispensa comentários.
Agora podemos nos voltar às tradições sobre a carreira oficial de Confúcio.
O Shih chi diz:
Em seguida, o duque Ting fez de Confúcio o administrador de Chung Tu.
Depois de um ano, todos o tomaram como modelo. De administrador de
Chung Tu ele se tornou ssu kung e de ssu kung ele se tornou ssu kou. (p.
1.915)
Tudo isso supostamente aconteceu no período de um ano, o nono ano do
duque Ting (501 a.C.). É possível que Confúcio tenha realmente ocupado o cargo
de administrador de Chung Tu, conforme é sustentado pelo capítulo Tan kung de
Li chi[247], mas como ser administrador de Chung Tu era, presumivelmente,
uma posição modesta, é difícil entender como ele pode ter sido feito ssu kung
imediatamente após, e então ta ssu kou. E há outros problemas. A posição de ssu
kung, um cargo encarregado do trabalho de construção em Lu, era, de acordo
com o Tso chuan, de nível ministerial e sempre foi ocupado, sem nenhuma
interrupção, pela família Meng; portanto, é difícil entender como Confúcio pode
ter sido designado para o posto. Que ele tenha sido ta ssu kou também é algo
problemático. Tanto Tso chuan quanto Mêncio apenas registraram que Confúcio
era ssu kou, não ta ssu kou.[248] É possível que a pessoa que fabricou a história
sobre Confúcio ter sido feito ta ssu kou estivesse vagamente a par que ssu kou
era um cargo de status moderado, digamos o de ministro de baixa patente, e que
a transferência da posição de ssu kung para ssu kou seria, na verdade um
rebaixamento e que seria contrário à proposta da história, que era conceder a
Confúcio uma posição de maior importância , e então acrescentou o epíteto ta
grande ao título ssu kou. Isso é, claro, mera conjuntura, mas seja qual for o
caso, a rápida ascensão de Confúcio como um oficial é mais provavelmente um
feito de seus admiradores do que do duque Ting.
A promoção de Confúcio no Shih chi não termina com o ta ssu kou.
Continua para dizer que:
No 14º ano do duque Ting [496 a.C.], quando Confúcio tinha 56 anos, de ta
ssu kou ele [seguiu para] cumprir as funções de primeiro-ministro. (p.
1917)
Embora aqui se diga que Confúcio cumpria as funções de primeiroministro,
em todos os outros lugares de Shih chi essa expressão redundante é
dispensada, e ele é simplesmente descrito como primeiro-ministro de Lu.[249]
É instrutivo traçar a mudança nas palavras com as quais a posição oficial de
Confúcio é descrita. Começamos com o Tso chuan (duque Ting 10) que
simplesmente diz: No verão o duque encontrou o marquês de Chi em Chu Chi,
em outras palavras, em Chia Ku. Kung Chiu realizou [a cerimônia] (hsiang).
[250] A biografia do Shih chi, ao recordar o mesmo acontecimento, diz:
Confúcio cumpriu as funções de realizar [a cerimônia] (she hsiang shih) (p.
1.915). A palavra hsiang é expandida à frase she hsiang shih, mas por causa do
contexto, o significado não mudou muito. Mais além na biografia, encontramos:
No 14º ano do duque Ting, quando Confúcio tinha 56 anos, de ta ssu kou
ele [seguiu] para cumprir as funções de primeiro-ministro (hsing she
hsiang shih). (p. 1.917)
Mas ainda aqui outra palavra, hsing, é acrescentada e, por causa do
contexto, o significado da palavra hsiang transforma-se imperceptivelmente de
realizar para primeiro-ministro, e a frase muito naturalmente passa a
significar cumprir funções de primeiro-ministro. A transformação é completa
quando, conforme vimos, em qualquer outra passagem do Shih chi, Confúcio é
simplesmente descrito como primeiro-ministro de Lu (hsiang Lu). De ter estado
presente, certa vez, na cerimônia durante um encontro do duque de Lu e do
duque de Chi, a posição de Confúcio foi gradualmente inflada até que ele se
tornou primeiro-ministro de Lu. Parece que, quanto mais tardia a tradição, mais
exaltada é a posição de Confúcio.
Há, entretanto, empecilhos para a teoria de que Confúcio tenha sido, algum
dia, primeiro-ministro. Primeiro, como Tsui Shu apontou,[251] no período chun
chiu a palavra hsiang ainda não era usada para primeiro-ministro. Em segundo
lugar, por volta de 496 a.C., Confúcio já não estava mais em Lu. Temos a
autoridade de Mêncio, que disse: Confúcio era ssu kou, mas seus conselhos não
eram seguidos. Ele tomou parte em um sacrifício, mas depois não lhe foi dada
uma parte da carne do animal sacrificado. Ele deixou o reino sem sequer esperar
para tirar seu chapéu cerimonial (VI.B.6). De acordo com isso, não apenas
Confúcio partiu antes de 496 a.C., como quando foi embora ele era apenas um
ssu kou. Também o Lü shih chun chiu diz que Confúcio, a despeito do número
de governantes aos quais ele se apresentou em suas extensas viagens, atingiu
apenas o cargo de ssu kou de Lu.[252] Isso, na verdade, é uma afirmação
velada de que durante toda a sua vida Confúcio nunca atingiu uma posição mais
alta que a de ssu kou de Lu. Há outro ponto que é importante. Como o Lü shih
chun chiu foi terminado em 240 a.C., isso mostra que até mesmo naquela data
não havia uma tradição unanimemente aceita de que Confúcio alguma vez tenha
sido primeiro-ministro ou mesmo ssu kung, e, assim, devemos ser céticos quanto
a tais ideias.
Tendo feito de Confúcio primeiro-ministro, o Shih chi continua e diz:
Em seguida ele matou Shao Cheng Mao, um ministro de Lu que causava
desordem no governo. (p. 1.917)
Apesar de que essa entrada no Shih chi, provavelmente oriunda de fontes
legalistas, é de pouca significância em si, por causa da inerente improbabilidade
do evento, é necessário analisá-la em detalhe já que era, há alguns anos, usada
em ataques mal-informados a Confúcio por motivos políticos posteriores. O
relato em Shih chi é excessivamente breve, mas, felizmente, também são
encontrados relatos em outros trabalhos. Alguns desses relatos são igualmente
breves, mas outros são mais detalhados. Os trabalhos nos quais um relato mais
extenso da mesma história pode ser encontrado são o Hsün tzu[253], o Shuo yüan,
[254], o Kung tzu chia yü[255] e o Yin wen tzu[256]. Há uma citação curta do que
deve ter sido um relato maior no Han shih nei chuan, que pode ser encontrado no
Po hu tung.[257] O Huai nan tzu[258] também contém uma referência ao
incidente.
Embora Hsün Tzu tenha vivido do último quarto do século IV a.C. à
primeira metade do século III a.C. e embora a maior parte do Hsün tzu tenha
sido provavelmente dele, a história de Shao Cheng Mao pode ser encontrada no
capítulo 28, Tso yu, que fica na seção final do livro (capítulos 27 a 32), uma seção
que consiste largamente de material miscelâneo e muito provavelmente data de
uma época posterior à da maior parte do trabalho. O Han shih nei chuan, que não
mais existe, foi escrito por Han Ying, que era um po shih (professor) no tempo do
imperador Wen (por volta de 179-157 a.C.), da dinastia Han do Oeste. O Huai
nan tzu foi terminado provavelmente na metade do século II a.C. O Shuo yüan,
uma compilação miscelânea, foi reunida por Liu Hsiang, que viveu no século I
a.C. O Kung tzu chia yü, tal qual o conhecemos, é um trabalho reconstituído, e
geralmente se acredita que tenha sido compilado por Wang Su[259] (195-256
d.C.). Acredita-se, de modo geral, que o Yin wen tzu atual seja uma invenção de
não antes que o século III d.C.
Comecemos com o Han shih nei chuan e com o Shuo yüan. O Han shih nei
chuan não mais existe, mas o Han shih wai chuan, pelo mesmo autor, sim. No
presente Shuo yüan, há umas oitenta passagens que são muito semelhantes a
passagens do Han shih wai chuan, e pode ser demonstrado que as passagens no
Shuo yüan, foram, em muitos casos, tomadas ipsis litteris do Han shih wai chuan.
Sendo esse o caso, o provável é que haja igualmente passagens tomadas ipsis
litteris do Han shih nei chuan. A citação do Han shih nei chuan preservada no Po
hu tung é muito curta e possivelmente abreviada mas, de resto, exatamente
como deveríamos esperar de um fragmento de uma passagem mais longa que
viesse a ser incorporada, sem o devido crédito, ao Shuo yüan. A citação do Po hu
tung é a seguinte:
O Han shih nei chuan [diz], Confúcio era o ssu kou de Lu e seu primeiro
ato de punição (hsien chu) recaiu sobre Shao Cheng Mao. (4.5b)
Para a nosso presente propósito, o que interessa é que tanto no Han shih nei
chuan quanto no Shuo yüan Confúcio é referido como ssu kou de Lu. Enquanto o
Huai nan tzu não menciona sua posição oficial, o Shih chi e o Kung tzu chia yü
ambos dizem de ta ssu kou Confúcio [seguiu] para cumprir as funções de um
primeiro-ministro.[260] No Hsün tzu, Confúcio tinha se tornado o primeiroministro
interino (she hsiang), mas pelo Yin wen tzu ele era simplesmente
primeiro-ministro de Lu (Lu hsiang). Conforme vimos, quanto mais tardia a
fonte, mais exaltada a posição de Confúcio se tornou. Visto sob essa luz, o Han
shih nei chuan e, consequentemente, o Shuo yüan pareceriam representar o
primeiro estágio da tradição quando Confúcio ainda era apenas um ssu kou. O
Shih chi e o Kung tzu chia yü representam estágios transitórios, de quando ele era
ainda apenas ta ssu kou cumprindo funções de primeiro-ministro. O Hsün tzu
representa o estágio seguinte, de quando ele agia como primeiro-ministro. O Yin
wen tzu representa o estágio final, quando ele simplesmente era o primeiroministro
de Lu. Que o Yin wen tzu descrevesse Confúcio como primeiro-ministro
de Lu não causa surpresa, já que se trata de uma invenção de uma época muito
posterior às fontes estabelecidas. Mas que o Hsün tzu descreva Confúcio como
primeiro-ministro sim, é surpreendente, já que a tradição parecia, como vimos,
não ter sido aceita amplamente até quase 240 a.C., sendo que por essa época
Hsün Tzu provavelmente já estava morto; mas como a história é encontrada no
capítulo que foi acrescentado posteriormente, então é compatível com o fato de
ela ser uma invenção tardia.
Já que a versão de Shuo yüan representa o primeiro estágio da tradição,
citemos o trecho inteiramente.
Confúcio era ssu kou em Lu havia sete dias e executou (chu)[261] Shao
Cheng Mao sob a torre Oriental, que flanqueava o portão do palácio.
Nenhum dos discípulos que, ao ouvir as notícias, tinham acorrido, falou,
embora pensassem todos a mesma coisa. Tzu-kung apressou-se a se
apresentar, dizendo: Shao Cheng Mao é uma figura bem conhecida no
reino de Lu. Por que, Mestre, o seu primeiro ato de punição (hsien chu),
após assumir a responsabilidade do governo, recai sobre ele?. Confúcio
disse: Ssu, isso está além da sua compreensão. Há cinco coisas que um
rei de verdade pune, e roubar é uma delas. Primeiro vem a mente que é
traiçoeira ao discernir alguma coisa; em segundo lugar vêm as palavras
que são eloquentes ao serem falsas; em terceiro lugar vem a conduta que
não titubeia ao ser perversa; em quarto lugar vem a memória que é ampla
mas estúpida; em quinto lugar, seguir o que é errado ao mesmo tempo que
faz com que este algo aparente correção. Todos esses cinco gozam do
nome de discernimento, inteligência, esperteza e compreensão, mas não
são, na verdade, a coisa genuína. Se alguém deveria ser preso por
enganar, então sua inteligência é suficiente para influenciar a multidão e
sua força é bastante para que ele fique sozinho. Ele vai, então, superar
outros homens maus e precisa ser punido. Um homem que tem uma das
cinco qualidades mencionadas não escapará da punição. Eis aqui Shao
Cheng Mao, que tem todas as cinco. É por isso que minha primeira
punição recai sobre ele. Antes, Tang puniu Chu Mu, Tai Kung puniu Pn
Chih, Kuan Chung puniu Shih Fu Li, Tzu-chan puniu Teng Hsi. Estes
cinco[262] cavalheiros jamais hesitaram em levar adiante uma punição.
Aquilo que é descrito como punição é assim descrito não porque os
homens punidos atacassem e roubassem durante o dia e abrissem buracos
nas paredes à noite, mas porque eles são como os homens que planejam a
queda daqueles que se opõem a eles. São naturalmente objeto de suspeita
dos cavalheiros e a causa de perplexidade para os justos e de erro para os
estúpidos. As Odes dizem
Quanta preocupação em meu coração!
Sou odiado pela horda de homens vulgares.
Isso descreve bem o que acabo de dizer. (15.14b-16a)
A primeira coisa a ser percebida nessa história é que ela pertence à
categoria de histórias ilustrativas. Em uma história ilustrativa, a identidade dos
personagens não é importante e pode variar, mas a tendência é a de se usar
figuras muito conhecidas, para dar credibilidade ao que se quer provar. A
pergunta a ser feita sobre tais histórias é: O que ela deve ilustrar?. Neste caso
específico, a resposta é bastante clara. Ela ilustra a punição e a supressão de
qualquer homem que leva a melhor sobre a multidão por causa de sua
eloquência, inteligência e força de personalidade, em outras palavras, aquilo que
hoje seria descrito como uma figura carismática. Os casos citados como
precedentes, embora não digam muito à primeira vista, acabam, ao serem
melhor examinados, sendo de alguma ajuda. Em três dos cinco casos, o réu,
como Shao Cheng Mao, é desconhecido por nós e, ao que tudo indica, totalmente
ficcional. O quarto, entretanto, é histórico. Teng Hsi era, de acordo com o Hsün
tzu[263], um sofista como Hui Shih. À parte a presente história, dele também se
diz, no Lü shih chun chiu[264], que foi sentenciado à morte por Tzu-chan. Isso,
entretanto, contradiz-se com o relato do Tso chuan no qual Teng Hsi teria sido
executado por Ssu Chuan no nono ano do duque Ting (501 a.C.), uns vinte anos
depois da morte de Tzu-chan.
Ssu Chuan de Cheng matou Teng Hsi e apropriou-se, para uso próprio, do
código criminal de bambu de Teng Hsi. (Tso chuan chu shu, 55.19a-b)
Pareceria que Teng Hsi tinha inscrito seu próprio código criminal em
bambu, e isso provavelmente se opunha a Tzu-chan, que em 536 a.C. mandou
fazer um tripé, com o código criminal nele inscrito. Considerando-se o que
sabemos de Tzu-chan, é pouco provável que ele, assim como Confúcio, tenha
recorrido à sentença de morte para suprimir um oponente, mas, seja qual for o
fato histórico, a história da execução de Teng Hsi é provavelmente uma história
usada com propósitos legalistas. O princípio mais importante da filosofia legalista
era a suprema autoridade do Estado em pronunciar-se sobre o que é certo e
errado, e estaria de acordo com essa filosofia advogar a execução de qualquer
homem que se intromete com o código criminal.
Dos outros casos citados, aquele que diz respeito à execução de Pan Chih
por Tai Kung de Chi é interessante. Embora Pan Chih seja desconhecido, há
outra história parecida sobre Tai Kung. No Han fei tzu há duas versões próximas
a essa história. Eis aqui a versão mais curta:
Tai Kung Wang foi enfeudado em Chi, no Leste. Próximo ao mar
morava um excelente homem, Louco Chüeh. Tai Kung Wang, ao saber
disso, foi três vezes visitá-lo. Três vezes ele deixou o seu cavalo junto à
porta, mas Louco Chüeh não fez menção de retribuir a cortesia. Tai Kung
Wang matou-o. Naquela época, Tan, o duque de Chou, estava em Lu. Ele
foi correndo pará-lo, mas, quando lá chegou, Tai Kung Wang já tinha
matado Louco Chüeh. Tan, o duque de Chou, disse: Louco Chüeh é
conhecido como um homem excelente em todo o império. Por que o
senhor o matou?. Tai Kung Wang respondeu: Louco Chüeh demonstrou
que não seria súdito do imperador nem amigo dos senhores feudais. Temi
que ele lançasse as leis ao caos e que substituísse os ensinamentos do reino.
Foi por isso que fiz dele objeto de meu primeiro ato de punição (shou chu).
Suponhamos que haja aqui um cavalo, que se parece com um garanhão,
e, no entanto, não cavalga quando montado nem avança quando
conduzido. Nem mesmo um escravo se arriscaria a ter uma carruagem
virada por tal cavalo. (Han fei tzu, 13.4a)
Essa história é usada por Han Fei Tzu para ilustrar a ideia de que o
governante deveria se livrar de qualquer pessoa além do seu poder e controle. De
acordo com a teoria legalista, recompensa e punição são os dois cabos por
meio dos quais um governante pode controlar seus súditos. Se um homem não
responde a nenhum dos dois, não há nada que o governante possa fazer, seja para
encorajá-lo ou para detê-lo. Tal pessoa é aquilo que o mundo admira, mas, aos
olhos do governante legalista, ele apenas se parece com um homem excelente
mas não é, na verdade. Louco Chüeh era precisamente esse tipo de pessoa, e é
por isso que foi necessário fazer dele um exemplo.
O que é interessante para nós nessa história é o uso da expressão shou chu.
Isso é exatamente como o hsien chu no Shuo yüan e o shih chu no Kung tzu chia
yü. Todos eles significam o ato inicial de punição. Que a expressão constitui o
elemento crucial na história é mostrado pelo fato de que aparece até mesmo na
breve citação do Han shih nei chuan.[265] O uso comum dessa expressão mostra
que a história sobre a punição de Shao Cheng Mao por Confúcio e a outra, sobre a
punição de Louco Chüeh por Tai Kung Wang, pertencem ao mesmo tipo. Ambas
servem para ilustrar ideias da filosofia legalista. Vistas sob essa luz, a história de
Shao Cheng Mao é meramente uma das várias histórias encontradas na literatura
legalista na qual Confúcio aparece como porta-voz das ideias legalistas. Eis aqui
um exemplo descarado tirado do Han fei tzu de sentimentos legalistas sendo
colocados na boca de Confúcio:
Duque Ai de Lu perguntou a Chung-ni: O Chun chiu registra: Inverno, o
12º mês, geada caiu mas não matou os legumes. Por que ele registra
isso?.
Chung-ni respondeu: Isso significa que aquilo que pode estar morto não
está morto. Então, se o que deveria estar morto não está morto, então
pêssegos e ameixas darão frutos no inverno. Então, se até o Céu é
desafiado por plantas quando falha em seguir seu caminho, o que não
aconteceria com um governante dos homens?. (op. cit., 9.5b-6a)
Esta, assim como a história de Shao Cheng Mao, ilustra o ponto de que o
governante não deve ter escrúpulos quando a situação requer severidade.
Que a história de Shao Cheng Mao é de origem legalista é algo sustentado
por outro trecho. No capítulo 14 do Kuan tzu, que lida com aquilo que deveria ser
proibido pela lei, encontramos:
Conduta que é firme ao mesmo tempo que perversa, palavras que são
eloquentes ao mesmo tempo que engenhosas, a transmissão do que é
errado por meio da erudição, seguir aquilo que é mau enquanto dá a isso a
aparência de correção tudo isso é proibido pelo sábio rei. (Kuan tzu, 5.7b)
A não ser por variações insignificantes, essa peça inegavelmente legalista é
quase idêntica à parte relevante da história de Shao Cheng Mao.[266]
Uma vez que vimos que a história de Shao Cheng Mao é de origem
legalista, podemos ver por que Confúcio é aqui pintado como advogando a
supressão e execução de um causador de problemas em potencial, um ato que
contradiz tudo aquilo que ele defendia. Para mostrar a história como ela é, não
podemos fazer nada mais além de lembrar mais uma vez qual a opinião de
Confúcio sobre a morte de homens maus.
Chi Kang Tzu perguntou a Confúcio sobre o governo, dizendo: O que o
Mestre pensaria se, para me aproximar daqueles que seguem o Caminho,
eu matasse aqueles que não o seguem?.
Confúcio respondeu: Qual a necessidade de matar para administrar um
governo? Apenas deseje o bem e o povo será bom. A virtude do
cavalheiro é como o vento; a virtude do homem comum é como grama.
Que o vento sopre sobre a grama, e ela com certeza se dobrará. (XII.19)
Esse exame das tradições de Shih chi que não são sustentadas por fontes
primárias serve para confirmar o veredicto de Tsui Shu de que na biografia de
Shih chi aquilo que não tem fundamento chega a setenta ou oitenta por
cento[267] e para mostrar que estamos certos ao aderir ao austero princípio de
submeter a cuidadoso exame tudo aquilo que não é chancelado por pelo menos
três fontes primárias.
Cronologia
551 (ou 552 a.C.) Nasce Confúcio.
525 Apresenta-se ao visconde de Tan, então
em visita ao reino de Lu.
522 Faz um comentário sobre o tratador que
preferiria morrer do que responder uma
forma errada de pergunta.
517 Faz um comentário sobre o número de
dançarinas wan que tomavam parte em
uma performance no jardim da família Chi.
Primeira e breve visita a Chi.
502 Torna-se ssu kou em Lu, algum tempo
depois desta data.
500 Assiste a uma cerimônia durante o
encontro entre o duque Ting de Lu e o
duque Ching de Chi, em Chia Ku.
498 Tentativa frustrada de demolir fortalezas
das Três Famílias, em Lu.
497 Deixa Lu e inicia suas viagens.
Primeira visita a Wei.
? Passa pelo reino de Sung no caminho para
Chen, quando Huan Tui supostamente
faz um atentado contra sua vida.
492 Enquanto em Chen, faz um comentário
sobre o fogo nos templos do duque Huan
e do duque Hsi, em Lu.
489 Provavelmente viaja na região de Chen e
Tsai durante a invasão de Chen por Wu.
Visita Tsai e encontra-se com o
governador de She, em Fu Han.
? 488 Retorno a Wei.
484 Retorno de Wei para Lu.
481 Pede ao duque Ai para mandar expedição
punitiva contra Chen Heng, que havia
assassinado o duque Chien de Chi.
479 Confúcio falece.
Apêndice 2
Os discípulos tal como aparecem em Os analectos
Na Biografia de Confúcio, no Shih chi, diz-se
Confúcio ensinava as Odes, o Livro da História, os ritos e música, e diz-se
que seus discípulos chegaram a três mil, enquanto que aqueles que eram
versados nas seis artes chegavam a 72. (p. 1.938)
Não fica claro qual a fonte de Ssu-ma Chien para o exagerado número de
três mil, mas deve ter havido alguma tradição mais antiga que dizia que os
discípulos de Confúcio eram cerca de setenta. Este é o número mencionado em
Mencius (II.A.3), no Lü shih chun chiu (cap. 14, parte 7)[268], no Han fei tzu
(cap. 49)[269], no Ta Tai li chi (cap. 60)[270] e no Huai nan tzu (cap. 21)[271].
Todos esses são trabalhos anteriores, em data, ao Shih chi. Mas até mesmo esse
número é provavelmente exagerado. Na Biografia dos discípulos de Confúcio,
que compõe o capítulo 67 do Shih chi, no qual o número é dado como 77 (p.
2.185), podemos ver que Ssh-ma Chien teve dificuldades de comprovar esse
número. Ele tem que admitir que além dos primeiros 35, os demais não são
registrados em lugar algum. Tampouco nenhuma indicação é dada sobre onde,
nesse caso, ele encontrou esses nomes. Até mesmo entre os primeiros 35, os seis
do final da lista não são mencionados em Os analectos. Ao examinarmos os
Analectos, descobrimos que o número é aproximadamente 25, e isso inclui alguns
discípulos que aparecem apenas uma ou duas vezes e alguns que não têm
nenhuma fala registrada.
De todos os discípulos que aparecem em Os analectos, há um grupo de
cinco que merece menção especial desde o início. São eles: Tseng Tzu, Tzu-hsia,
Tzu-y u, Tzu-chang e Yu Tzu. Eles desempenharam um papel importante na
divulgação dos ensinamentos de Confúcio após a morte do Mestre. Isso pode ser
deduzido de dois fatos. Primeiro, eles são os únicos discípulos que têm
observações e declarações próprias registradas em Os analectos. Outros
discípulos aparecem sobretudo em conversas, geralmente com Confúcio. Há
alguns dizeres registrados de outros discípulos, como, por exemplo, Tzu-kung,
mas tendem a ser sobre Confúcio e foram registrados, presumivelmente, por
constituírem informação sobre o Mestre. Em segundo lugar, os cinco figuram
muito proeminentemente como um grupo em alguns capítulos do Li chi e do Ta
Tai li chi, duas coleções de escritos confucianos que contêm material valioso
sobre o confucianismo no período imediatamente após a morte de Confúcio.
No Livro XI dos Analectos, há uma passagem na qual vários discípulos são
divididos em quatro grupos:
Conduta virtuosa: Yen Yüan, Min Tzu-chien, Jan Po-niu e Chung-kung;
discurso: Tsai Wo e Tzu-kung; governo: Jan Yu e Chi-lu; cultura e
educação: Tzu-y u e Tzu-hsia. (XI.3)
Isso parece ter sido escrito bastante cedo, já que Tzu-y u e Tzi-hsia são os
únicos dois de um grupo mais tardio a serem mencionados. Que essa
classificação de discípulos é importante pode ser deduzido do fato de que Mêncio,
em conversa com Kung-sun Chou, repetiu:
Tsai Wo e Tzu-kung eram excelentes em retórica; Jan Niu, Min Tzu e Yen
Hui eram excelentes na exposição da conduta virtuosa.
Kung-sun Chou então disse:
Ouvi que Tzu-hsia, Tzu-y u e Tzu-chang cada um tinha um aspecto do
sábio, enquanto Jan Niu, Min Tzu e Yen Hui eram réplicas dele em
miniatura. (Mencius, II.A.2)
Podemos ver que, à parte a omissão de Jan Yu e Chi-lu, os nomes listados
em Mencius são praticamente os mesmo que em Os analectos Livro XI.3, exceto
que Kung-sun Chou acrescentou o nome de Tzu-chang. Isso serve apenas para
sublinhar a ideia de que a passagem original em Os analectos deve ter sido
escrita em uma época em que Tzu-chang ainda não era proeminente entre os
discípulos de Confúcio.
Além do grupo posterior de cinco discípulos, vamos supor que os discípulos
que não figuram na lista do Livro XI.3 dos Analectos e que aparecem apenas
ocasionalmente são de menor importância, e vamos lidar com eles primeiro.
Primeiro, há aqueles que, embora sejam considerados discípulos de
Confúcio no Shih chi e em outras fontes, na verdade não parecem sê-lo. Por
exemplo, não há razão para acreditar que Kung Po-liao, que é mencionado
apenas uma vez porque falou mal de Tzu-lu para Chi-sun (XIV.36), fosse um
discípulo. Acredita-se que Tan-tai Mieh-ming tenha sido uma das descobertas
de Tzu-y u quando ele era administrador de Wu Cheng (VI.14), mas isso
dificilmente é evidência suficiente para incluí-lo entre os discípulos. Yen Lu, o pai
de Yen Yüan, é mencionado apenas uma vez, quando pediu que a carruagem do
Mestre lhe fosse dada, para pagar um caixão externo para seu filho (XI.8). Ele
está incluído entre os discípulos, talvez porque Tseng Hsi, o pai de Tseng Tzu,
parece ter sido um. Finalmente, há Shen Cheng de quem se disse que era cheio
de desejos (V.11). O único argumento em favor de ele ser um discípulo é que o
comentário de Confúcio é encontrado em uma parte de Os analectos que trata
exclusivamente de discípulos. O caso de Tzu-chin é bastante diferente. Ele é
universalmente considerado um discípulo de Confúcio. Aparece três vezes em Os
analectos. Em uma ocasião (XVI.3), ele perguntou ao filho de Confúcio se algo
especial lhe tinha sido ensinado pelo seu pai. Em outras duas ocasiões (I.10,
XIX.25) ele discutiu sobre Confúcio com Tzu-kung. É inconcebível que qualquer
discípulo dissesse a Tzu-kung: Você está apenas sendo respeitoso, não é?
Certamente Chung-ni não é superior a você (XIX.25), e sequer se deu o
trabalho de se referir a Confúcio como Mestre.
A seguir vêm aqueles que são mencionados apenas uma ou duas vezes mas
que não têm nenhuma fala registrada em Os analectos. Embora possa haver
dúvidas sobre alguns deles, eles são, muito provavelmente, discípulos. Há Wu-ma
Chi, que relatou ao Mestre uma crítica de Chen Ssu-pai sobre ele, Confúcio
(VII.31). Como essa é a única referência a ele em Os analectos e como ele não
disse, de fato, nada de sua própria autoria, é difícil ter certeza da natureza da sua
relação com Confúcio. Há Kung-y eh Chang, que era considerado por Confúcio
uma boa escolha como marido para sua própria filha porque, embora ele
estivesse preso, não havia sido por culpa sua (V.1). Do mesmo modo, a Nan Jung
foi dada a filha do irmão mais velho de Confúcio como esposa (V.2). Sobre Nan
Jung, sabemos um pouco mais. Ele sempre repetia as linhas sobre o cetro de
jade branco (XI.6) e não foi deixado de lado quando o Caminho prevaleceu no
reino, tampouco sofreu a humilhação e a punição quando o Caminho caiu em
desgraça (V.2). Ele é normalmente identificado com Nan-kung Kuo, que fez
uma pergunta sobre Yi e Ao, ambos conhecidos na Antiguidade por sua força
física e sobre Yü e Chi, que eram velhos sábios, sobre os quais Confúcio
comentou: Quão cavalheiro é esse homem! Como ele reverencia a virtude!
(XIV.5). Na mesma categoria está Tzu-chien, de quem se dizia que era um
grande cavalheiro (V.3). Quando Tzu-kao foi feito prefeito de Pi por Tzu-lu,
Confúcio, provavelmente considerando que ele ainda não estava pronto para o
cargo, comentou: Ele está arruinando o filho de outro homem. (XI.25).
Portanto não é surpresa alguma encontrar Confúcio satisfeito com Chi-tiao Kai
por este recusar-se a assumir um cargo sob a alegação de que não estava pronto
(V.6). Lao, que relatou uma fala de Confúcio (IX.7), é de identidade incerta.
Yüan Ssu, quando se tornou administrador de Confúcio, recusou o presente de
grãos (VI.5). É, talvez, apropriado que um homem de tais escrúpulos perguntasse
sobre a vergonha (XIV.1). Tseng Hsi, o pai de Tseng Tzu, é mencionado apenas
na vez em que Confúcio expressou aprovação sobre aquilo que ele gostaria de
fazer (XI.26).
Há três discípulos que, embora apareçam algumas vezes em Os analectos,
não figuram em XI.3. Primeiro, há Ssu-ma Niu, cujas perguntas são registradas
em três capítulos consecutivos no Livro XII. Ele perguntou sobre benevolência, e
foi-lhe dito que um homem benevolente detestava falar. Quando ele insistiu na
pergunta, Confúcio respondeu: Quando agir é difícil, causa alguma surpresa que
alguém relute em falar? (XII.3). Quando ele perguntou sobre o cavalheiro, foilhe
dito que o cavalheiro é livre de preocupações e medos. Ele novamente
pressionou a pergunta, e Confúcio respondeu: Se, ao examinar a si próprio, um
homem não encontra nenhuma razão para se repreender, que preocupações e
medos pode ele ter? (XII.4). Em XII.5, encontramos: Ssu-ma Niu apareceu
preocupado, dizendo: Todos os homens têm irmãos. Só eu não tenho nenhum.
No Tso chuan (duque Ai 14)[272], é dito que Ssu-ma Niu é o irmão de Huan
Tui[273], de cuja insubordinação ele tinha vergonha. Isso explicaria o seu
comentário. Mas é interessante que a caracterização de Confúcio sobre um
cavalheiro parece ter sido dirigida à propensão de Ssu-ma Niu de preocupar-se.
Se esse é o caso, então é muito provável que ele fosse um homem mais dado às
palavras do que à ação. Daí a observação de Confúcio sobre o homem
benevolente.
Kung-hsi Hua deve ter sido muito conhecido entre os discípulos de
Confúcio, já que na pergunta de Meng Wu Po (V.8) ele figura em companhia de
Jan Chiu e Tzu-lu. A resposta de Confúcio mostra que ele era uma pessoa
versada em cerimônias da corte e que poderia assumir responsabilidades
diplomáticas. Isso é confirmado por sua própria modesta declaração de que
gostaria de em cerimônias, no templo ancestral ou em reuniões diplomáticas
ser um pequeno oficial encarregado do protocolo (XI.26). Em uma ocasião ele
foi em uma missão para Chi carregado por cavalos bem-alimentados e usando
finas peles (VI.4). Quando Confúcio negou qualquer afirmação de ser um
homem sábio ou benevolente e disse que a única coisa que podia ser dita sobre
ele era que aprendia sem esmorecer e ensinava sem se tornar cansativo, o
comentário de Kung-hsi Hua foi: Isso é, precisamente, aquilo que nós,
discípulos, somos incapazes de aprender com o seu exemplo (VII.34). Isso
mostra algo do seu faro para a linguagem diplomática. Finalmente, ele encontrou
uma aparente contradição nas respostas de Confúcio a uma mesma questão que
lhe fora colocada por dois discípulos e pediu uma explicação. É esse tipo de
habilidade de pensar por si mesmo que Confúcio valorizava.
Fan Chih fez perguntas sobre benevolência e sabedoria (XII.22, XIII.19) e
sobre o acúmulo da virtude, a reforma dos corrompidos e a admissão do mau
julgamento? (XII.21). Impossível que ele fosse brilhante, pois duas vezes ele
falhou em compreender uma resposta, em uma ocasião Confúcio teve que lhe
fornecer maiores explicações (II.5) e em outra ocasião Tsu-hsia teve que
interpretar para ele a resposta de Confúcio (XII.22). Ele uma vez perguntou
sobre cultivar animais e vegetais, o que levou ao comentário de Confúcio: Que
tolo é Fan Hsü! (XIII.4).
Podemos agora nos voltar aos discípulos listados em XI.3. Quatro deles são
listados sob a insígnia de conduta virtuosa. São eles: Yen Yüan, Min Tzu-chien,
Jan Po e Chung-kung.
Entre todos os discípulos de Confúcio, o lugar de honra deve ser concedido
a Yen Yüan, que era, sem dúvida, o favorito do Mestre. Que sua conduta era
exemplar pode ser deduzido do que Confúcio dizia sobre ele. Benevolência é algo
que Confúcio muito raramente concedia a alguém, incluindo ele próprio, e no
entanto ele disse: Em seu coração, Hui pode praticar a benevolência durante
três meses ininterruptos, enquanto, em contraste, os outros atingem a
benevolência meramente por ataques repentinos (VI.7). Ele era um homem
pobre. Confúcio disse de sua pobreza: Talvez Hui seja difícil de se aprimorar;
ele constantemente se permite cair em uma pobreza abjeta (XI.19). E mais
uma vez, ele diz: Como Hui é admirável! Morar em um pequeno casebre com
uma tigela de arroz e uma concha de água por dia é uma provação que a maioria
dos homens acharia intolerável, mas Hui não permite que isso atrapalhe sua
alegria. Como Hui é admirável! (VI.11). Ele realmente tinha a capacidade de
viver à altura do preceito de Confúcio: Pobre, mas alegre no Caminho (I.15).
Confúcio considerava Yen Yüan como um igual. Disse-lhe: Apenas você e eu
temos a habilidade de aparecer quando requisitados e de desaparecer quando
deixados de lado (VII.11).
Embora elogiado por sua conduta virtuosa, Yen Yüan sobressaía-se
igualmente por sua vontade de aprender. Quando lhe perguntaram qual dos seus
discípulos tinha sede de aprender, Confúcio respondeu: Havia um chamado Yen
Hui que tinha sede de aprender, mas infelizmente o tempo que lhe foi concedido
era curto, e ele morreu. Agora, não há ninguém (XI.7, e também VI.3). Já que
segundo os ensinamentos de Confúcio a habilidade de pensar e a vontade de
aprender eram dois aspectos da mesma atividade, não devemos ficar surpresos
que Yen Yüan fosse também o mais inteligente dos discípulos. Uma vez Confúcio
comentou: Hui não me é de nenhuma utilidade. Ele fica satisfeito com tudo o
que digo (XI.4). Essa passividade era apenas aparente. Em outra ocasião,
Confúcio disse: Posso falar com Hui o dia inteiro sem que ele discorde de mim
sobre qualquer coisa. Poderia parecer que ele é estúpido. Entretanto, quando
examino melhor o que ele faz privadamente, depois que saiu da minha presença,
descubro que, de fato, joga alguma luz sobre o que eu disse. Hui não é estúpido,
afinal das contas (II.9). Isso é um eufemismo. Há uma conversa entre Confúcio
e Tzu-kung, em outra ocasião, em que o Mestre perguntou a Tzu-kung um
homem de grande inteligência: Quem é o melhor homem, você ou Hui?.
Como eu ousaria me comparar a Hui? Quando lhe é dita uma coisa, ele
compreende cem coisas. Quando me é dita uma coisa, eu entendo apenas duas.
O Mestre disse: De fato, você não é tão bom quanto ele. Nenhum de nós dois é
tão bom quanto ele (V.9). Esse grande elogio não surpreende, já que, para
Confúcio, o inteligente discípulo, quando algo lhe era dito, era capaz de ver sua
relevância em relação ao que não foi dito (I.15). Porque ele morreu cedo,
Confúcio disse dele: Vi-o progredir, mas não o vi dar completa vazão ao seu
potencial. Que pena! (IX.21). A tristeza que Confúcio mostrou por ocasião da
morte de Yen Yüan está registrada em Os analectos:
Quando Yen Yüan morreu, o Mestre disse: Ai! O Céu está me destruindo!
O Céu está me destruindo!. (XI.9)
Quando Yen Yüan morreu, ao chorar por ele, o Mestre mostrou muita
tristeza. Seus seguidores disseram: Mestre, a tristeza que o senhor está
mostrando é excessiva. É? Se não por ele, por quem deveria eu mostrar
tristeza excessiva? (XI.10)
Considerando-se a alta conta em que Confúcio tinha Yen Yüan, é talvez um
pouco surpreendente que ele tenha recusado ao pai de Yen Yüan quando este lhe
pediu que Confúcio lhe desse sua carruagem para providenciar um caixão
externo (XI.8), mas isso talvez seja explicado por outra passagem:
Quando Yen Yüan morreu, os discípulos quiseram dar-lhe um funeral
suntuoso. O Mestre disse: Não seria apropriado. Mesmo assim, deramlhe
um funeral suntuoso. O Mestre disse: Hui me tratava como um pai, e,
no entanto, fui impedido de tratá-lo como um filho. Não foi por escolha
minha. Foi coisa desses outros. (XI.11)
Não era apropriado dar a Yen Yüan um enterro suntuoso, provavelmente
porque isso estaria acima da sua posição. Se foi esse o caso, possivelmente teria
sido igualmente impróprio ele ter um caixão externo, particularmente
considerando-se o que Confúcio disse do seu próprio filho, que ele tampouco teve
um.
Que Yen Yüan tinha grande afeição por Confúcio pode ser visto na seguinte
passagem:
Quando o Mestre foi emboscado em Kuang, Yen Yüan ficou para trás. O
Mestre disse: Pensei que você tinha encontrado a morte. Enquanto o
senhor, Mestre, estiver vivo, como eu ousaria morrer? (XI.23)
Yen Yüan deixou uma criativa descrição de Confúcio como professor:
Yen Yüan, suspirando, disse: Quanto mais o observo, mais alto ele
parece. Quanto mais o pressiono, mais duro ele se torna. Vejo-o à minha
frente. De repente, está atrás de mim.
O Mestre é bom em conduzir alguém passo a passo. Ele me estimula
com a literatura e me traz de volta às coisas essenciais por meio dos ritos.
Eu não conseguiria desistir nem que quisesse, mas, uma vez que dei o
melhor que pude, ele parece levantar-se acima de mim e não consigo
segui-lo, por mais que eu queira. (IX.11)
Talvez possamos avaliar melhor esse esboço de Yen Yüan por um
comentário que Confúcio fez sobre o discípulo e por outro feito pelo próprio. De
acordo a Confúcio, Ele não descarregava sua raiva em uma pessoa inocente,
tampouco cometia o mesmo erro duas vezes (VI.3). Ao descrever o que
gostaria de ser, Yen Yüan disse: Eu desejaria nunca me vangloriar da minha
própria bondade e nunca impor tarefas pesadas aos outros (V.26). Essas são
qualidades muito sensatas de um homem que, até mesmo aos olhos críticos de
Confúcio, chegou perto de atingir a perfeição.
Min Tzu-chien era tido em alta conta por Confúcio, e diz-se que foi um
filho muito bom (XI.5). Uma vez ele fez um comentário que levou Confúcio a
observar: Este homem ou não fala, ou vai direto ao âmago da questão (XI.14).
Sua recusa de assumir um cargo com a família Chi (VI.9) mostra que ele era um
homem de princípios.
De Jan Po-niu, pouco é sabido. Quando ele estava doente, o Mestre o
visitou e, segurando sua mão pela janela, disse: Vamos perdê-lo. Deve ser o
Destino. Por que outra razão tal homem seria fulminado por tal doença? Por que
outra razão tal homem seria fulminado por tal doença? (VI.10). Pelo tom do
comentário de Confúcio, é possível imaginar que sua doença deve ter sido
particularmente terrível. Pode ter sido isso o que levou as gerações posteriores a
especular que era de lepra que ele sofria.
Chung-kung provavelmente tinha origens humildes, já que Confúcio disse
sobre ele: Se um touro nascido de gado de arado tivesse cor castanha e chifres
bem-formados, será que os espíritos das montanhas e dos rios o rejeitariam,
mesmo que não o achássemos bom o suficiente para ser usado? (VI.6). Quando
alguém disse que Chung-kung era benevolente, mas que não falava bem,
Confúcio não declarou nada sobre sua benevolência, mas disse que não havia
necessidade que ele falasse bem (V.5). Ele podia não falar bem, mas seus
comentários casuais recebiam aprovação do Mestre (VI.2). Uma vez ele foi
administrador da família Chi, embora tivesse talento para postos mais altos. Que
melhor elogio Confúcio poderia conceder a ele além da observação: A Yung
pode ser dado o assento de frente para o sul (isto é, o assento do governante)
(VI.1). Sob a insígnia discurso estão listados apenas dois discípulos: Tsai Wo e
Tzu-kung.
Tsai Wo goza da duvidosa distinção de ter sido criticado por Confúcio em
mais ocasiões do que qualquer outro discípulo. Quando o duque Ai lhe perguntou
sobre o altar para o deus da Terra, Tsai Wo respondeu que os homens de Chou
usavam castanheira, dizendo que isso fazia o povo tremer. Isso provocou em
Confúcio o comentário de que o que é passado deve ser deixado em paz (III.21).
Quando Tsai Wo tirou uma sesta durante o dia, Confúcio disse: Um pedaço de
madeira podre não pode ser esculpido, tampouco pode uma parede de esterco
seco ser aplainada. Em se tratando de Yü, de que adianta condená-lo?. O Mestre
acrescentou: Eu costumava ouvir as palavras de um homem e confiar que ele
agiria de acordo. Agora, tendo ouvido as palavras de um homem, parto para
observar suas ações. Foi por causa de Yü que mudei quanto a isso (V.10).
Quando Tsai Wo quis abreviar o período de luto de três anos para um, Confúcio
disse: Quão insensível é Yü (XVII.21). Talvez Tsai Wo, de sua parte, nutrisse
um desprezo secreto por homens benevolentes, que ele julgava simplórios. Ele
perguntou: Se a um homem benevolente fosse dito que havia outro homem
benevolente no poço, iria ele, ainda assim, juntar-se ao outro? (VI.26). Apesar
de todas essas restrições, a admiração de Tsai Wo por Confúcio era ilimitada.
Sob o meu ponto de vista, ele disse, o Mestre ultrapassava largamente Yao e
Shun (Mencius, II.A.2).
Depois de Yen Yüan, Tzu-kung era aquele que mais se distinguia dentre os
primeiros discípulos de Confúcio. Ele era um homem do mundo, bem-sucedido
como diplomata e como comerciante, de acordo com o Shih chi. Quando Chi
Kang Tzu perguntou se Tzu-kung era bom o suficiente para assumir um cargo,
Confúcio respondeu: Ssu é um homem inteligente. Que dificuldades ele poderia
encontrar ao assumir um cargo? (VI.8). Quando Tzu-kung perguntou o que
Confúcio pensava dele, a resposta foi: Você é um navio (V.4). Isso é, à
primeira vista, uma resposta um tanto surpreendente, sobretudo devido ao fato de
que Confúcio também dissera que um cavalheiro não é um pote (II.12). Mas
nesse caso Confúcio provavelmente quis dizer, por cavalheiro, alguém que fosse
apropriado para ser um governante, e o comentário significava apenas que um
governante não deve ser um especialista. Se é esse o caso, o que Confúcio estava
dizendo era que Tzu-kung não possuía as qualidades de um governante, mas
apenas as de um especialista. Isso contrasta marcadamente com o comentário
dele sobre Jan Yung: A Yung pode ser dado o assento de frente para o sul
(VI.1).Quanto ao seu sucesso como comerciante, há um comentário de Confúcio
que é relevante: Ssu recusa-se a aceitar seu quinhão e se põe a ganhar dinheiro
e frequentemente está certo em suas conjecturas (XI.19). Talvez tenha sido
porque ele era tão bom com dinheiro que ele não tolerasse gastos excessivos.
Tzu-kung queria libertar a ovelha sacrificial no anúncio da lua nova. O Mestre
disse: Ssu, você está relutante de se desfazer do valor da ovelha, mas eu reluto
em ver o desaparecimento do ritual (III.17). Que Tzu-kung não era, tanto
moralmente quanto intelectualmente, igual a Yen Yüan fica óbvio na passagem
citada.[274] Conforme vimos, Confúcio associava-se a Tzu-kung, dizendo:
Nenhum de nós dois é tão bom quanto ele (V.9). Na verdade, Confúcio tinha
uma ótima opinião sobre a inteligência de Tzu-kung. Ele disse, uma vez: Ssu,
apenas com um homem como você pode outro homem discutir as Odes. Diga
algo a este homem, e ele pode ver sua relevância em relação ao que não foi
dito (I.15).
Se Confúcio tinha a inteligência de Tzu-kung em alta conta, ele não
admirava tanto as qualidades morais dele:
Tzu-kung disse: Do mesmo modo que não quero que os outros mandem
em mim, também não quero mandar nos outros.
O Mestre disse: Ssu, isso ainda está bem acima de você. (V.12)
Esse comentário pode parecer severo, mas se analisarmos mais
detidamente o desejo de Tzu-kung, ele deixa de causar surpresa. Em outra parte,
encontramos:
Tzu-kung perguntou: Existe uma palavra que possa ser um guia de
conduta durante toda a vida de alguém?. O Mestre disse: Talvez, a
palavra shu. Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si
próprio. (XV.24)
Aproximando os dois comentários, podemos ver que a prática de shu, que
Confúcio ensinava, estava além de Tzu-kung. Em outra parte, Tseng Tzu descreve
o caminho do Mestre como consistindo em chung e shu (IV.15), e Confúcio
também observou: Um homem benevolente ajuda os outros a firmar sua atitude
do mesmo modo que ele próprio deseja firmar a sua e conduz os outros a isso do
mesmo modo que ele próprio deseja chegar lá. A capacidade de tomar o que
está ao alcance da mão [ou seja, a si próprio] como parâmetro pode ser
considerado o método da benevolência (VI.30). A partir desses dizeres podemos
ver que shu é na verdade o caminho por meio do qual pôr em prática a
benevolência. Como Confúcio dificilmente dizia que alguém era benevolente,
não é tão surpreendente que ele não pensasse que Tzu-kung era capaz de ter
benevolência. Quando, em outra ocasião, Tzu-kung perguntou sobre a prática da
benevolência, o conselho de Confúcio foi: Você deveria (...) fazer amizade com
o mais benevolente cavalheiro, esteja no reino onde estiver (XV.10). Talvez
Tzu-kung fosse mais dado a afirmar seu desejo de benevolência do que à prática
de fato, pois quando ele perguntou sobre o cavalheiro, o Mestre disse: Ele coloca
suas palavras em ação e só então permite que as palavras sigam-lhe a ação
(II.13).Há outra limitação de Tzu-kung que foi apontada por Confúcio:
Tzu-kung era dado a classificar as pessoas. O Mestre disse: Quão superior
é Ssu! De minha parte, não tenho tempo para essas coisas. (XIV.29)
Essa tendência de Tzu-kung pode ser vista em algumas passagens dos
Analectos. Por exemplo, ele perguntou quem era superior, Tzu-chang ou Tzu-hsia
(XI.16). De novo, ele perguntou se Kuan Chung era um homem benevolente
(XIV.17).
Talvez seja por causa de sua eloquência que Tzu-kung tenha deixado mais
observações sobre Confúcio do que qualquer outro discípulo. Ele descreveu o
Mestre como cordial, bom, respeitador, moderado e deferente (I.10). Ele
disse: Pode-se ouvir sobre as realizações do Mestre, mas não se pode ouvir suas
opiniões sobre a natureza humana e o Caminho para o Céu. (V.13). Quando
alguém disse que o Mestre provavelmente tinha sido um sábio, senão, de outra
forma, como teria ele tantos talentos?, a resposta de Tzu-kung foi: É verdade, o
Céu colocou-o no caminho da sabedoria. Entretanto, ele tem vários outros
talentos (IX.6). Quando Confúcio disse: Os cavalheiros têm sempre três
princípios em mente, nenhum dos quais consegui seguir: O homem benevolente
nunca fica aflito; o homem sábio nunca fica indeciso; o homem corajoso nunca
tem medo, o comentário de Tzu-kung foi: Aquilo que o Mestre acaba de citar
é uma descrição de si mesmo (XIV.28). Quando Confúcio disse que estava
pensando em abrir mão da fala, Tzu-kung disse: O Mestre disse: Estou pensando
em desistir da fala. Tzu-kung disse: Se o senhor não falasse, o que haveria para
nós, seus discípulos, transmitirmos? (XVII.19). Mas, acima de tudo, Tzu-kung
deixou o elogio ao final do Livro XIX[275], que provavelmente deveria ser uma
conclusão aos Analectos, já que o Livro XX foi, ao que tudo indica, uma adição
tardia.
Sob a insígnia de governo estão listados Jan Yu e Tzu-lu. Que Jan Yu
fosse talentoso nesse sentido é amplamente sustentado pelas passagens dos
Analectos que lhe dizem respeito. Em resposta a uma pergunta de Meng Wu Po
sobre se Jan Yu era benevolente, Confúcio disse que não sabia, mas que a Chiu
pode ser dada a responsabilidade de administrar uma cidade de mil casas ou uma
família nobre de cem carruagens (V.8). De novo, quando Chi Kang Tzu
perguntou Chiu é bom o suficiente para receber um cargo oficial?, a resposta
de Confúcio foi: Chiu é um homem completo. Que dificuldades ele poderia
encontrar ao assumir um cargo? (VI.8). A julgar pelas respostas que Confúcio
deu sobre ele, Jan Yu tinha habilidades administrativas. Ele deve ter iniciado sua
carreira na casa de Confúcio. Ele serviu como condutor da carruagem na
primeira visita de Confúcio ao reino de Wei, que deve ter acontecido antes de 493
a.C. Jan Yu era provavelmente um jovem então, mas podemos ver pelas
perguntas dele que ele tinha interesse em assuntos de governo. Quando Confúcio
comentou que Wei tinha uma população que florescia, Jan Yu perguntou que
outro benefício poderia ser acrescentado, e foi-lhe dito que se deveria fazer o
povo rico. Ele novamente perguntou que outro benefício poderia ser
acrescentado, e foi-lhe dito que então deveria ser dado ao povo educação,
presumivelmente em questões militares (XIII.9). Em outra ocasião, Jan Yu pediu
grãos para a mãe de Tzu-hua, que estava fora, em uma missão em Chi (VI.4).
Ele deveria estar, então, encarregado dos negócios da casa de Confúcio.
Subsequentemente ele se tornou um membro da casa de Chi Kang Tzu. Quando
lhe perguntaram o que gostaria de fazer, Jan Yu disse: Se eu fosse administrar
uma área medindo sessenta ou setenta li quadrados, ou até mesmo cinquenta ou
sessenta li quadrados, eu poderia, ao cabo de três anos, fazer a população crescer
até um nível adequado. Quanto aos ritos e à música, eu deixaria isso para
cavalheiros mais capazes (XI.26). Isso confirma tudo que descobrimos até
agora a partir de outros capítulo dos Analectos. Os interesses dele não eram pelos
ritos ou pela música, mas pela administração do reino, pela questão do
crescimento da população e, provavelmente, em trazer prosperidade ao povo.
A Jan Yu, entretanto, provavelmente faltava iniciativa. Isso aparece na
passagem onde ele pergunta se alguém deveria imediatamente pôr em prática o
que aprendeu, e então lhe foi dito por Confúcio que sim, quando exatamente a
resposta oposta tinha sido dada à mesma pergunta de Tzu-lu. Quando Kung-hsi
Hua lhe pediu que explicasse a discrepância entre as duas respostas, Confúcio
disse: Chiu é acanhado. É por essa razão que eu tentei encorajá-lo. Yu tem a
energia de dois homens. É por essa razão que tentei refreá-lo (XI.22). Essa falta
de iniciativa também se manifesta em sua aquiescência a uma ação a qual se
deveria resistir por razões morais. Uma vez, quando ele e Tzu-lu supostamente
relataram a Confúcio que a família Chi estava para tomar medidas militares
contra a região de Chuan Yü[276], Confúcio culpou-o por não fazer cessar isso, e
Jan Yu disse que seu Mestre, isto é, Chi Kang Tzu, assim o desejava. Confúcio
replicou que, se fosse o caso, ele deveria se demitir. Apenas então Jan Yu
apresentou o verdadeiro motivo. A menos que fosse anexada, a região constituiria
uma fonte de problemas para gerações futuras da família Chi. Isso provocou a
observação ácida de Confúcio: Chiu, o cavalheiro detesta aqueles que, em vez
de dizerem claramente que querem alguma coisa, ficam inventando desculpas
(XVI.1).
Em outra ocasião, Confúcio foi ainda mais explícito em suas críticas:
A riqueza da família Chi era maior do que a do duque de Chou, e mesmo
assim Chiu ajudou-a a enriquecer ainda mais por meio do recolhimento
de impostos. O Mestre disse: Ele não é discípulo meu. Vocês, meus
jovens amigos, podem atacá-lo abertamente ao rufar dos tambores.
(XI.17)
A opinião de Confúcio era de que Jan Yu podia ser descrito como um
ministro apontado para preencher vagas. Entretanto, acrescentou que ele não
faria o que lhe fosse mandado quando se tratasse de parricídio ou regicídio
(XI.24).
Tzu-lu, Yen Yüan e Tzu-kung compõem o grupo dos primeiros discípulos
mais conhecidos de Confúcio. Tzu-lu era o mais velho, e a imagem que temos
dele como homem é mais clara que a de qualquer outro discípulo. Ele figura em
mais de trinta capítulos em Os analectos. Destes, dois terços têm a ver com sua
personalidade. Ele era resoluto, corajoso e um homem de ação, de natureza
impetuosa e não muito dado a estudar. Quando Chi Kang Tzu perguntou se Tzu-lu
era bom o suficiente para assumir o um cargo, Confúcio respondeu: Yu é
decidido. Que dificuldades ele poderia encontrar ao assumir um cargo? (VI.8).
Confúcio o criticou várias vezes por sua coragem. Uma vez foi quando Tzu-lu
pareceu demasiadamente feliz ao ouvir Confúcio dizer que, se ele fosse mandado
ao mar em uma balsa, aquele que o seguiria seria Tzu-lu. O Mestre, então,
acrescentou: Yu tem mais amor à coragem do que eu, mas lhe falta juízo
(V.7). Quando Tzu-lu perguntou a Confúcio quem ele levaria consigo estivesse
ele liderando os Três Exércitos, o Mestre disse: Eu não levaria comigo ninguém
que tentasse lutar com um tigre usando apenas as próprias mãos ou cruzar o rio a
nado e morrer na tentativa sem mostrar arrependimento (VII.11). Certa vez,
Tzu-lu perguntou se o cavalheiro considerava a coragem uma qualidade
suprema, e o Mestre respondeu prontamente: Para o cavalheiro, é a moralidade
que é suprema. Com coragem mas desprovido de moralidade, um cavalheiro
causará problemas, ao passo que um homem vulgar sem moralidade se tornará
um bandido (XVII.23).
Uma vez Confúcio observou: Um homem como Yu não morrerá de
morte natural (XI.13). Não está claro o que ocasionou a observação, mas ela se
mostrou profética. Tzu-lu, de fato, morreu lutando por seu senhor, em Wei, no
ano de 480 a.C.
Sendo um homem de coragem, Tzu-lu era provavelmente versado em
questões militares. Assim, quando questionado sobre se Tzu-lu era benevolente,
Confúcio, em vez de responder à pergunta, disse: A Yu pode ser dada a
responsabilidade de coordenar as tropas de um reino de mil carruagens (V.8).
Ainda assim, Confúcio, como vimos, reafirmava para Tzu-lu que apenas
coragem não era suficiente, nem mesmo na guerra.
Tzu-lu era um homem de ação mais do que de palavras. A única coisa
que Tzu-lu temia era que, antes que pudesse colocar em prática algo que
aprendera, lhe ensinassem outra coisa diferente (V.14). É talvez por causa disso
que Confúcio o advertiu sobre agir muito rudemente:
Tzu-lu perguntou: Deve-se imediatamente colocar em prática o que se
ouviu?. O Mestre disse: Como seu pai e irmãos mais velhos ainda estão
vivos, dificilmente você estará em posição de colocar imediatamente em
prática o que ouviu.
À mesma pergunta colocada por Jan Yu, Confúcio, conforme vimos, deu a
resposta oposta. Sua explicação sobre por que ele fez isso: Chiu é acanhado. É
por essa razão que eu tentei encorajá-lo. Yu tem a energia de dois homens. É por
essa razão que tentei refreá-lo (XI.22).
Quando Tzu-lu fez de Tzu-kao o prefeito de Pi, Confúcio repreendeu-o por
arruinar o filho de outro homem, presumivelmente porque Tzu-kao era jovem
demais e tinha muito a aprender. Em sua réplica, Tzu-lu mostrou seu desprezo
pelo estudo e pelo aprendizado. Há as pessoas comuns e os oficiais, e há os
altares para os deuses da terra e dos grãos. Por que seria necessário ler livros
para aprender?. Confúcio comentou: É por essa razão que não gosto de homens
de fala astuciosa (XI.25).
Em outra ocasião, encontramos a seguinte conversa:
O Mestre disse: Yu, você ouviu sobre as seis qualidades e os seis erros dos
quais devemos nos resguardar?.
Não.
Sente-se, e eu vou dizê-lo. Amar a benevolência sem amar o aprendizado
pode levar à tolice. Amar a esperteza sem amar o aprendizado pode levar
ao desvio do caminho correto. Amar a coerência com as próprias palavras
sem amar o aprendizado pode levar a um comportamento destrutivo.
Amar a determinação sem amar o aprendizado pode levar à intolerância.
Amar a coragem sem amar o aprendizado pode levar à insubordinação.
Amar a força sem amar o aprendizado pode levar à indisciplina.
(XVII.8)
Confúcio certamente disse isso tendo em mente as limitações de Tzu-lu.
Confúcio era frequentemente crítico para com Tzu-lu. Em uma ocasião,
quando Confúcio perguntou a um grupo de discípulos presentes o que eles
gostariam de fazer, se tivessem a oportunidade, Tzu-lu adiantou-se para
responder e Confúcio sorriu para ele. Quando, mais tarde, lhe foi perguntado por
outro discípulo por que ele havia sorrido para Tzu-lu, Confúcio respondeu que
Tzu-lu mostrava falta de modéstia (XI.26). Quando Confúcio esteve seriamente
doente, Tzu-lu disse aos discípulos dele que agissem como empregados. Quando
se recuperou, Confúcio ralhou com Tzu-lu, dizendo: Yu vem enganando há
muito tempo. Ao fingir que eu tinha empregados quando não os tinha, a quem ele
estaria enganando? Estaríamos enganando os céus? (IX.12). Em outra ocasião,
encontramos:
O Mestre disse: Se há alguém que pode usar um gorro surrado e
remendado com velhos fios de seda e ainda assim conseguir permanecer
junto a um homem que veste pele de raposa ou de texugo sem se sentir
envergonhado, este é, creio, Yu.
Nem invejoso nem ambicioso,
Que pode ser ele, senão Bom?.
Portanto, Tzu-lu constantemente recitava esses versos. O Mestre
comentava: O caminho resumido nesses versos dificilmente tornará
alguém bom. (IX.27)
Havia, entretanto, qualidades em Tzu-lu que Confúcio admirava. Ele disse:
Se alguém pode chegar à verdade de uma disputa legal apenas a partir das
evidências de uma das partes, é, talvez, Yu (XII.12). Na mesma passagem,
também é dito que Tzu-lu nunca postergava o cumprimento de uma promessa
para o dia seguinte.
Por estar mais próximo a Confúcio em idade do que os outros discípulos e
por ser por natureza mais falante, Tzu-lu frequentemente criticou Confúcio por
ações que lhe pareciam erradas. Essa é provavelmente a razão para que seja
creditado a Tzu-lu a crítica a Confúcio em algumas histórias apócrifas. Por
exemplo, ele supostamente protestou quando disseram que Confúcio fora tentado
duas vezes a aceitar convites de súditos rebeldes. Nessa ocasião, ele
supostamente disse: Pode ser que não tenhamos nenhum lugar para ir, mas por
que devemos ir a Kung-shan? (XVII.5), e, na outra, Há algum tempo ouvi do
senhor, Mestre, que o cavalheiro não entra nos domínios daquele que não pratica
o bem. Agora Pi Hsi está usando Chung Mou como baluarte para iniciar uma
revolta. Como o Mestre pode querer ir até lá? (XVII.7). Novamente, quando
Confúcio teve uma audiência com Nan Tzu, a famosa esposa do duque Ling de
Wei, diz-se que Tzu-lu ficou incomodado. No final, Confúcio teve que jurar: Se
fiz algo inapropriado, que o castigo do Céu caia sobre mim! Que o castigo do Céu
caia sobre mim! (VI.28). Como essas histórias são apócrifas, acabam nos
dizendo mais sobre a imagem que se fazia de Tzu-lu do que sobre os
acontecimentos na vida de Confúcio.
Se Confúcio considerava Yen Yüan como filho, ele provavelmente
considerava Tzu-lu como amigo. Quando ele chama a atenção de Tzu-lu, é
possível detectar uma grande carga de afeição por trás de suas palavras.
Do grupo dos cinco discípulos mais tardios, apenas Tzu-y u e Tzu-hsia
figuram na lista em Analectos XI.3 e ambos aparecem sob a insígnia de cultura
e aprendizado.
Tzu-y u aparece em sete capítulos em Os analectos, mas em apenas três é
registrado tendo conversas com o Mestre. Em uma ocasião ele perguntou sobre
piedade filial (II.7); em outra, quando ele era administrador de Wu Cheng, foilhe
perguntado por Confúcio se ele tinha feito alguma descoberta entre seus
subordinados (VI.14). A terceira ocasião é mais interessante:
O Mestre foi até Wu Cheng. Lá ele ouviu o som de instrumentos de cordas
e de cantoria. O Mestre abriu um sorriso e disse: Para que usar um cutelo
de boi para matar uma galinha?.
Tzu-y u respondeu: Há algum tempo ouvi do senhor, Mestre, que o
cavalheiro instruído no Caminho ama seus semelhantes e que os homens
vulgares instruídos no Caminho são fáceis de serem comandados.
O Mestre disse: Meus amigos, o que Yen diz é correto. Minha observação
de ainda há pouco foi apenas uma brincadeira. (XVII.4)
Seguidores da tradição confuciana em épocas posteriores deram ênfase
excessiva à obediência formal aos ritos. Podemos ver uma origem aqui onde
Tzu-y u identifica o Caminho com música e com os ritos.
Nos outros quatro capítulos dos Analectos nos quais Tzu-y u aparece, são as
próprias falas dele que estão registradas. Uma observação diz respeito ao modo
de servir um governante e de se comportar com amigos (IV.26); outra diz
respeito ao luto (XIX.14). As duas outras são, entretanto, dirigidas contra seus
colegas discípulos. Ele disse, sobre Tzu-chang: Meu amigo Chang é difícil de ser
imitado. Mesmo assim ele ainda não conseguiu atingir a benevolência (XIX.15).
Ele também criticava os discípulos e jovens seguidores de Tsu-hsia por se
concentrar em trabalhos manuais como varrer e limpar, atender a porta e
responder perguntas corriqueiras e apresentar-se e retirar-se de modo que
Em tudo que é básico eles são ignorantes (XIX.12).
É dito no Han fei tzu (cap. 50) que, após a morte de Confúcio, a escola
confuciana dividiu-se em oito seitas.[277] Se isso é verdade, podemos ver
indícios de tal divisão neste último grupo de discípulos.
Na tradição ulterior, Tzu-hsia foi creditado com um papel importante na
transmissão dos Clássicos, à exceção do Livro da História. Fica muito claro em
Os analectos que, mais do que qualquer outro discípulo, ele era dado ao estudo,
sobretudo ao estudo de livros. De onze dizeres de Tzu-hsia, seis dizem respeito ao
estudo ou ao aprendizado. Entre os quais os que seguem:
Tzu-hsia disse: Se um homem tem consciência, ao longo do dia, do que
ele não sabe e não esquece, ao longo de um mês, aquilo que ele já
dominou, então ele pode, de fato, ser considerado alguém que gosta de
aprender. (XIX.5)
Tzu-hsia disse: Aprenda bastante e seja persistente; pergunte com
sinceridade e reflita sobre o que está à disposição, e não haverá
necessidade de procurar benevolência em outro lugar. (XIX.6)
Tzu-hsia disse: Os artesãos das cem artes dominam seu ofício ao
permanecerem na oficina; o cavalheiro aperfeiçoa seu Caminho por meio
do estudo. (XIX.7)
Tzu-hsia disse: Quando um homem com um cargo oficial descobre que
pode fazer mais do que dar conta dos seus deveres, então ele estuda;
quando um estudante descobre que ele pode mais do que dar conta dos
seus estudos, então ele aceita um cargo oficial. (XIX.13)
Que ele foi um brilhante estudante das Odes é mostrado por sua pergunta
sobre o significado de alguns versos que suscitou, no final, a observação de
Confúcio: É você, Shang, quem iluminou o texto para mim. Apenas com um
homem como você é possível discutir as Odes (III.8). Isso, junto com sua
reputação de ser muito aplicado aos estudos, pode muito bem ter sido responsável
pela tradição de que ele era o autor do prefácio às Odes.
Embora Tzu-hsia fosse dado ao estudo com livros, ele não o colocava
acima da conduta virtuosa. Um dos seus comentários é: Eu diria que recebeu
instrução aquele que aprecia homens de excelência enquanto outros homens
apreciam belas mulheres; que se dedica ao máximo ao servir os seus pais e
oferece a sua pessoa a serviço do seu senhor, e que, nas relações com seus
amigos, é coerente àquilo que diz, mesmo que afirme que nunca recebeu
educação (I.7). Há, entretanto, o risco de que Tzu-hsia possa ter sido um pouco
pedante. Uma vez Confúcio disse a ele: Seja um ju cavalheiro, não um ju
mesquinho (VI.13). Quando, ao se tornar o prefeito de Chü Fu, Tzu-hsia
perguntou sobre governo, Confúcio lhe disse: Não seja impaciente. Não tenha
em mente apenas ganhos pequenos. Se você for impaciente, não atingirá o seu
objetivo. Se tiver em mente apenas pequenos ganhos, as grandes missões não
serão cumpridas (XIII.17). Talvez tenha sido pelo fato de ele ter levado a sério
os conselhos de Confúcio que Tzu-hsia disse: Mesmo artes menores têm
aspectos válidos, mas o cavalheiro não se aventura com elas, pois o medo do
homem que tem um longo caminho a percorrer é ser barrado por algo (XIX.4).
Quando Tzu-kung perguntou sobre os méritos de Tzu-chang e Tzu-hsia, Confúcio
respondeu: Shih (isto é, Tzu-hsia) passa do alvo; Shang (isto é, Tzu-chang) não
chega até ele (XI.6). Isso parece apontar para a tendência, por parte de Tzuhsia,
de dar muita atenção aos detalhes à custa das grandes tarefas.
Tseng Tzu e Yu Tzu ocupavam posições muito especiais entre os discípulos
de Confúcio. Havia apenas quatro discípulos que gozavam da distinção, em Os
analectos, do epíteto tzu mestre. Enquanto Min Tzu-chien é referido como Min
Tzu em uma passagem (XI.13) e Jan Chiu como Jan Tzu em duas passagens
(VI.4, XIII.14),[278] Tseng Tzu e Yu Tzu são invariavelmente referidos como
Tseng Tzu e Yu Tzu.
Tseng Tzu foi uma vez descrito por Confúcio como lento (XI.18). Isso ele
compensou com o fato de ser muito leal. Ele disse:
Um Cavalheiro deve ser forte e resoluto, pois seu fardo é pesado e sua
estrada, longa. Ele toma a benevolência como fardo. Isso não é pesado?
Apenas com a morte a estrada chega a um final. Isso não é longo?
(VIII.7)
Há um relato dos seus últimos momentos.
Quando estava seriamente doente, Tseng Tzu chamou seus discípulos e
disse: Olhem para as minhas mãos. Olhem para os meus pés. As Odes
dizem:
Com medo e tremendo
Como se aproximando de um profundo abismo,
Como se andando sobre gelo fino.
Somente agora tenho a certeza de ter sido poupado, meus jovens amigos.
(VIII.3)
Apenas com a morte ele podia ter certeza de ter preservado intacto o corpo
que ele herdou de seus pais, por ter escapado de punições mutiladoras. Isso
mostra o mesmo incansável esforço até o fim.
Outra vez, ele disse: Se a um homem pode ser confiado um órfão de seis
chih de altura e o destino de um reino de cem li quadrados de tamanho, sem que
ele se desvie dos seus propósitos nem mesmo em momentos de crise, não se trata
de um cavalheiro? Trata-se, de fato, de um cavalheiro (VIII.6).
Tradicionalmente, o dever filial é fortemente associado ao nome de Tseng
Tzu. Isso é sustentado em Os analectos. Ele disse: Conduza os funerais dos seus
pais com esmero e não deixe que sacrifícios aos seus remotos ancestrais sejam
esquecidos, e a virtude do povo penderá para a perfeição (I.9). Duas vezes ele
citou Confúcio sobre o mesmo assunto. Ele disse: Ouvi o Mestre dizer que em
nenhuma ocasião um homem tem plena consciência de si próprio, embora,
quando pressionado, ele tenha dito que o luto pelos próprios pais pode ser uma
exceção (XIX.17), e, novamente: Ouvi o Mestre dizer que outros homens
poderiam imitar tudo que Meng Chuang Tzu fazia como bom filho, exceto uma
coisa: ele manteve inalterados tanto os oficiais de seu pai quanto as suas políticas.
Eis o que era difícil de imitar (XIX.18).
Tseng Tzu mostra sua sobriedade em seu muito citado dizer:
Todos os dias, examino a mim mesmo sob três aspectos. Naquilo que fiz
pelo bem-estar do outro, falhei em fazer o meu melhor? Ao tratar com
meus amigos, falhei em ser fiel às minhas palavras? Ensinei aos outros
algo que eu próprio não tenha experimentado? (I.4)
A ênfase quanto aos amigos é reforçada em outro dizer: Tseng Tzu disse:
Um cavalheiro faz amigos por meio da sua cultura, mas busca os amigos para
apoio benevolente (XII.24). Tseng Tzu também deixou comentários sobre dois
de seus próprios amigos. Ele disse: Ser competente e ainda assim pedir conselho
para aqueles que não são. Ter muitos talentos e no entanto pedir conselho para
aqueles que têm poucos. Ter e no entanto parecer que não tem. Estar cheio e no
entanto parecer vazio. Sofrer uma transgressão e no entanto não se importar. Era
para esses objetivos que meu amigo costumava dirigir seus esforços (VIII.5). O
objeto do seu elogio é tradicionalmente considerado como sendo Yen Yüan, e
não há razão para crer que não fosse assim. Seu comentário sobre outro amigo
não é tão elogioso. Ele disse: Grande, de fato, é Chang, tanto que é difícil
trabalhar ao lado dele no cultivo da benevolência (XIX.16).
Tzu-chang, que é o alvo da zombaria de Tseng Tzu, também foi, como
vimos, criticado por Tzu-y u. Ele parece ter sido um tipo de pessoa muito
diferente dos outros dois. Ele tinha uma visão ampla e colocava mais ênfase às
coisas básicas. Ele disse:
Tzu-chang disse: Se um homem não consegue se agarrar à virtude com
todas as suas forças nem acreditar no Caminho com todo o coração, como
se pode dizer que ele tem alguma coisa, ou que não tem nada?. (XIX.2)
E novamente:
Pode-se, talvez, ficar satisfeito com um cavalheiro que em face do perigo
esteja pronto a sacrificar a própria vida, que, à vista de um benefício a ser
obtido, não esquece do que é certo e que, durante um sacrifício, não
esquece a reverência, nem a dor enquanto de luto. (XIX.1)
Ele dá mostras de ter plena consciência do fato de que é o espírito por trás
de um princípio moral o que é importante. Em última análise, é a prontidão de
alguém em abrir mão da própria vida, a habilidade de resistir à tentação do
ganho e ser imbuído com um senso de reverência e tristeza que contam. Quando
Tzu-chang ficou sabendo que os discípulos de Tzu-hsia eram ensinados que
deviam ficar amigos daqueles que eram adequados e desprezar os inadequados,
ele comentou:
Isso é diferente do que eu ouvi. Ouvi que o cavalheiro honra aqueles que
lhe são superiores e é tolerante para com a multidão, que é cheio de
elogios para com os bons ao mesmo tempo em que se apieda dos
incapazes. Se sou muito superior, qual homem eu não toleraria? Se sou
inferior, então outros vão me desprezar, e como poderia eu desprezá-los?
(XIX.3)
Quando um homem que expressa sentimentos tão sublimes se torna o alvo
da crítica dos seus amigos, é preciso procurar as razões em um nível mais abaixo
da superfície. Talvez Tzu-chang tivesse a tendência de falar impetuosamente sem
pensar na dificuldade de cumprir suas palavras. Essa é provavelmente a razão
pela qual Confúcio, em suas respostas às perguntas de Tzu-chang, dava ênfase
especial à cautela com as palavras e com as ações e em dar o melhor de si assim
como ser fiel às próprias palavras. Quando Tzu-chang estava estudando,
pensando em uma carreira de oficial, o conselho de Confúcio foi: Use seus
ouvidos amplamente, mas deixe de fora o que é duvidoso; repita o resto com
cuidado e você cometerá poucos erros. Use seus olhos amplamente e deixe de
fora o que é perigoso; coloque o resto em prática com cautela e você terá poucos
arrependimentos (II.18). Confúcio também disse para ele: Faça o seu princípio
norteador dar o melhor de si pelos outros e ser coerente com aquilo que diz
(XII.10), e Se você tem consciência das próprias palavras e é coerente com
elas, se é determinado e reverente ao agir, então até mesmo nas terras dos
bárbaros você progredirá (XV.6). O perigo do fracasso por causa de falta de
dedicação e energia também é enfatizada na resposta à pergunta de Tzu-chang
sobre governo. Confúcio disse: Quanto à rotina diária, não mostre cansaço, e
quando houver alguma ação a ser tomada, dê o melhor de si (XII.14).
Tzu-chang tinha, talvez, a tendência de dar mais atenção às aparências do
que à substância. Parece ser sobre isso a seguinte conversa:
Tzu-chang perguntou: Como um cavalheiro deve ser para que digam que
ele conseguiu distinguir-se?. O Mestre disse: Que diabos você quer dizer
com distinguir-se?. Tzu-chang respondeu: O que tenho em mente é um
homem que tem certeza de ser conhecido, sirva ele em um reino ou em
uma família nobre. O Mestre disse: Isso é ser conhecido, não se
distinguir. O termo distinguir-se descreve um homem que é correto por
natureza e que gosta do que é certo, sensível às palavras das outras pessoas
e observador da expressão nos rostos delas e que sempre se preocupa em
ser modesto. Tal homem é destinado a distinguir-se, sirva ele em um reino
ou em uma família nobre. Por outro lado, o termo ser conhecido
descreve um homem que não tem dúvidas de que é benevolente, quando
tudo o que ele está fazendo é mostrar uma fachada de benevolência que
não condiz com suas ações. Tal homem é destinado a ser conhecido, sirva
ele em um reino ou em uma família nobre. (XII.20)
A descrição do homem que é conhecido provavelmente dizia respeito ao
próprio Tzu-chang. Se é esse o caso, ele deve ter sido bastante rude e insensível,
mais pronto a dar brados de benevolência do que a justificar tais brados.
Finalmente, há Yu Tzu. Conforme vimos, Yu Tzu partilha com Tseng Tzu a
distinção de ser invariavelmente referido como Yu Tzu (mestre), exceto na
ocasião quando ele estava conversando com o duque Ai, quando então a etiqueta
requeria que ele fosse chamado de Yu Juo (XII.9). Outra distinção da qual goza
Yu Tzu é que ele só é registrado fazendo declarações próprias, nunca
perguntando algo ao Mestre. Nas quatro falas suas que são registradas, uma
gama ampla de questões morais é tratada.
Não há dúvida de que Yu Tzu gozava de uma posição especial na escola
confuciana, e Mêncio dá uma explicação para isso. Um dia, após a morte de
Confúcio, Tzu-hsia, Tzu-chang e Tzu-y u queriam servir Yu Juo como eles
serviam Confúcio por causa da semelhança dele com o sábio, mas Tseng Tzu
recusou-se se juntar a eles (Mencius, III.A.4). Não fica claro exatamente de que
maneira Yu Tzu era semelhante a Confúcio. É possível que ele se parecesse com
Confúcio, mas é mais provável que fossem suas palavras que lembravam as de
Confúcio. No capítulo Tan kung do Li chi, Tzu-y u é registrado dizendo: As
palavras de Yu Tzu parecem-se extraordinariamente com as do Mestre.* Isso
provavelmente diz menos respeito à formulação das frases do que aos
sentimentos por elas expressos.
Quanto a se Yu Tzu se tornou o sucessor do Mestre, resta pouca margem
para dúvida de que o grupo dos cinco discípulos tardios desempenhou um grande
papel nos primórdios da escola confuciana, e, destes, Tseng Tzu e Tzu-hsia eram
particularmente importantes. É interessante que a tradição confuciana tenha sido
moldada por Tseng Tzu, que fora chamado por Confúcio de devagar e por Tzuhsia,
que não chegava até o alvo. Conforme vimos, Tseng Tzu demonstrou
mais franqueza moral do que habilidade intelectual, ao passo que Tzu-hsia
mostrava maior preocupação com minúcias dos ritos do que amplos princípios
morais. É, talvez, por causa do caráter desses dois discípulos que, mais tarde, o
confucianismo foi manchado por alguma gravidade e pedantismo. Ficamos nos
perguntando que rosto o confucianismo teria apresentado se Yen Yüan, cuja
personalidade virtuosa era igualada pelo intelecto, tivesse vivido para transmitir
os ensinamentos do Mestre.
Apêndice 3
O Lun yü
Sobre a história do Lun yü não há relatos antigos. A citação explícita mais
antiga do trabalho é encontrada no Fang chi, um capítulo do Li chi.[279] Isso
mostra que um trabalho sob o nome de Lun yü deve ter existido antes da dinastia
Han. A fonte mais antiga de informação sobre o Lun yü é o capítulo bibliográfico
do Han shu (História da dinastia Han), escrita por Pan Ku e terminada por volta
do final do século I. Nele estão listados três versões do Lun yü: o Lu lun (Lun yü do
reino de Lu) em vinte pien (livros), o Chi lun (Lun yü do reino de Chi) em 22
pien, os dois extra pien sendo Wen wang e Chih tao, e o Ku lun (o Lun yü
em escrita antiga, descoberto nas paredes da casa de Confúcio) em 21 pien,
com dois pien levando o título idêntico de Tzu-chang.
O Han shu faz um breve relato sobre a compilação e a transmissão do Lun
yü. Esse relato é retomado e expandido por Lu Te-ming (556-627 d.C.) no
prefácio ao seu Ching tien shih wen. A informação que foi acrescentada é que o
Chi lun não apenas tinha dois pien extras mas que os capítulos e versos eram
consideravelmente mais numerosos do que o Lu lun (chang chü po tuo yü Lu
lun). Essa observação é um tanto ambígua. Pode significar que o Chi lun tinha
capítulos extras ou pode significar que no Chi lun, embora não houvesse
capítulos extras, o texto dos capítulos era muitas vezes mais longo. Não há como
ter certeza sobre qual o significado, mas não há dúvida de que,
independentemente da questão dos capítulos, o número de leituras variantes era
considerável. Lu Te-ming cita Huan Tan (24 a.C. - 56 d.C.) dizendo no seu Hsin
lun que no Ku lun a ordem dos capítulos era diferente e que havia mais do que
quatrocentas variantes.[280] Algumas das variantes das três versões foram
registradas por intelectuais em uma época em que elas ainda existiam e foram
coletadas assiduamente por críticos em séculos recentes, mas tais leituras muito
ocasionalmente lançam alguma luz sobre o significado das passagens.[281]
No primeiro período da dinastia Han Ocidental, era prática comum os
intelectuais se especializarem em uma das três versões do Lun yü. Apenas com
Chang Yü isso mudou. Ele recebeu instrução sobre o Lun yü de Wang Yang de
Lang Yeh e de Yung Sheng de Chiao Tung, ambos especialistas no Chi lun (Han
shu, p. 3.347). Mas ele também recebeu instrução sobre o Lu lun de Hsia-hou
Chien (Ching tien shih wen, 1.31a). Entretanto, ele não se ateve a seguir
exclusivamente nenhuma das duas tradições. Ele usou seu próprio julgamento na
escolha de quais leituras seguir. O resultado foi uma versão eclética que se tornou
conhecida como Chang hou lun (o Lun yü do marquês Chang). No período do
reinado de Chy Yüan (48 a.C. - 44 a.C.), Chang Yü, por causa de seu
conhecimento especializado do Lun yü, foi nomeado tutor do herdeiro que,
aparentemente, em 32 a.C. se tornou o imperador Cheng. Como resultado,
Chang Yü se tornou primeiro-ministro em 25 a.C. Por causa da estima imperial
de que gozava, a versão do Lun yü do marquês Chang tornou-se tão popular que
eclipsou todas as outras versões.
A próxima versão importante do Lun yü foi a de Cheng Hsüan (127-200
d.C.), provavelmente o maior comentarista dos clássicos confucianos das duas
dinastias Han. Embora esse texto fosse basicamente o mesmo do Lu lun, ele,
também, absorveu as melhores leituras do Chi lun e do Ku lun.[282] A presente
versão do Lun yü que temos foi editada por Ho Yen (190-249 d.C.). Ela é
baseada, na maior parte, nas versões de Chang Yü e de Cheng Hsüan e é,
portanto, eclética.
Parece claro que, mesmo que pudéssemos reconstituir o Lun yü na sua
forma original e anterior às três versões, não estaríamos fazendo mais do que
restaurá-la ao que era no período Han Ocidental, e isso dificilmente
acrescentaria muito ao nosso conhecimento da obra. Se nossa meta é descobrir
algo sobre a composição do Lun yü, a única abordagem possível é examinar o
próprio texto. Proponho fazê-lo dividindo o Lun yü em duas porções, uma
compreendendo os primeiros quinze livros, e a outra, os cinco livros restantes, e
examinando cada porção sob vários aspectos. Comecemos com os últimos cinco
livros.
Os últimos cinco livros
Tsui Shu apontou que os últimos cinco livros do Lun yü tinham algumas
características que indicavam uma data tardia,[283] mas como suas observações
são um tanto breves, vale a pena rever a questão mais detidamente. Vamos
descobrir que a conclusão de Tsui Shu é à prova de controvérsias.
Comecemos com o Livro XIX. O surpreendente sobre este livro é que ele
consiste unicamente de dizeres e diálogos dos discípulos, sem qualquer
observação de Confúcio. Os discípulos cujos dizeres são incluídos são aqueles do
grupo tardio, com a exceção de Yu Tzu. Em vez disso, foi incluído Tzu-kung, que
não pertencia ao grupo. Se o Livro XIX destaca-se por conter apenas falas de
discípulos, o Livro XX se destaca igualmente. Ele abre com uma passagem que
consiste de injunções dos sábios reis de Yao, Shun, Tang e do rei Wu. Isso
lembra muito o estilo do Livro da História. Essa passagem de abertura é seguida
por uma passagem mais curta que trata de vários aspectos do governo, sendo que
as palavras conclusivas são as seguintes:
Se um homem é tolerante, ele conquistará o povo. Se é coerente com as
próprias palavras, as pessoas comuns confiarão nele. Se é rápido, atingirá
resultados. Se é imparcial, as pessoas comuns ficarão satisfeitas. (XX.1)
Em XVII.6, essas palavras, com pequenas variações, são novamente
encontradas, dessa vez atribuídas a Confúcio. O interessante é que as palavras de
Confúcio são em resposta a uma pergunta que lhe é feita por Tzu-chang. No
XX.2, encontramos novamente uma pergunta de Tzu-chang. Mas isso
dificilmente pode ser uma coincidência, pois em ambos os casos a fórmula Tzuchang
wen (...) yü Kung Tzu é usada. Para ver o significado dessa fórmula, é
preciso discutir uma questão mais ampla sobre o uso de Kung Tzu para
Confúcio no Lun yü.
Kung Tzu e tzu
Nos primeiros quinze livros do Lun yü, a prática é invariavelmente a de se
referir a Confúcio como tzu (o Mestre) e não como Kung Tzu (Mestre Kung),
[284] a não ser quando Confúcio aparece conversando com alguém em posição
superior ou mais velho.[285] Há, entretanto, alguns casos que são perturbadores à
primeira vista, como VIII.20, X.1, XI.6 e XIV.5. Peguemos primeiro os dois
últimos casos. Em XI.6, quando é dito que Confúcio deu a filha do seu irmão
mais velho a Nan Jung como esposa, encontramos ele sendo referido como
Kung Tzu. Já que Nan Jung deve ter sido um homem jovem, é difícil entender
por que Kung Tzu foi usado. Em XIV.5 a fórmula (...) wen yü Kung Tzu é
usada quando a pessoa que perguntava era Nan-kung Kuo. É interessante que
haja uma vertente crítica segundo a qual Nan-kung Kuo era a mesma pessoa
que Nan Jung. A julgar pelo seu nome de família, Nan-kung, Nan-kung Kuo
deve ter descendido da casa nobre de Lu. Se é esse o caso, explicaria não apenas
o uso de Kung Tzu em XIV.5, mas, ao mesmo tempo, sustentaria a teoria de os
dois homens serem o mesmo e justificaria o uso em XI.6, igualmente. Quanto ao
caso da parte X.I, o Livro X refere-se a Confúcio como chün tzu (o
cavalheiro) e tzu além de Kung tzu. Isso mostra apenas que o livro contém
material de várias fontes e que, portanto, não mostra uma prática uniforme a
esse respeito. Finalmente, há o caso de VIII.20, mas esse é um capítulo que trata
dos reis sábios da Antiguidade, Shun e King Wu, e mostra afinidade com a
passagem de abertura do Livro XX.
Voltemos à fórmula Tzu-chang wen (...) yü Kung Tzu. Se a prática aceita
no corpo do Lun yü fosse a de se referir a Confúcio como Kung Tzu apenas
em contextos em que uma pessoa superior ou mais velha estivesse presente,
então se trata de um modo de se referir a alguém duplamente inaceitável quando
o interlocutor não era nem mesmo um igual, mas apenas um discípulo. Também
vale notar que no Lun yü Tzu-chang aparece fazendo uma pergunta a Confúcio
em mais de dez ocasiões, e XVII.6 e XX.2 são as duas únicas ocasiões em que a
fórmula é usada. Isso mostra que os Livros XVII e XX encontram-se em uma
categoria especial. É interessante notar que Kung Tzu e wen yü Kung Tzu,
quando a pessoa que pergunta é um discípulo, também podem ser encontradas
em alguns capítulos do Li chi, do Ta Tai li chi e na última parte do Hsün tzu,
incluindo os seis últimos capítulos. Conforme vimos em relação com a história de
Shao Cheng Mao,* essa parte do Hsün tzu contém material miscelâneo de uma
época posterior. Que os últimos cinco livros do Lun yü coincidam com trabalhos
que são provavelmente posteriores mais do que com o resto do Lun yü é um sinal
de que esses livros devem ter sido uma adição posterior ao corpo do Lun yü.
Sobre a utilização de Kung Tzu, há uma falta de uniformidade nos
últimos cinco livros. O Livro XVI usa exclusivamente Kung Tzu, o Livro XVII
escorrega para o Kung Tzu apenas uma vez (XVII.6), enquanto que no Livro
XVIII os primeiros cinco capítulos usam Kung Tzu, enquanto os capítulos 7 e 8
usam tzu, sendo o capítulo 6 um caso duvidoso.
A expressão fu tzu
Como a expressão originalmente significava aquele cavalheiro, nos
primeiros tempos de sua utilização primeira foi usada apenas como uma
referência a uma terceira pessoa. Mas no período dos Reinos Combatentes ela
era usada corriqueiramente, como, por exemplo, no Mencius, como um modo de
se dirigir à pessoa com quem se fala. Foi apontado por Tsui Shu que no Lun yü há
três casos de fu tzu sendo usado desse modo. É nos capítulos XVII.3, XVII.7 e
XIX.17. Isso não apenas sugere que esses dois livros são tardios, em termos de
datação, mas também que há uma ligação entre eles.
Conjuntos numéricos
Nos capítulos de 2 a 10 no Livro XVI, as coisas são tratadas em conjuntos
numéricos: as dez gerações, as cinco gerações, as três gerações, fazer amizades
com três tipos de pessoas, ter prazer com três tipos de coisas, os três erros, as três
coisas das quais o cavalheiro deve se guardar, as três coisas que o cavalheiro
deve temer e as nove coisas às quais o cavalheiro dedica seu pensamento.
Mesmo em XVI.9, quando nenhum número de fato é mencionado, o número três
fica implícito, já que há três níveis de conhecimento. Em outra passagem, no
capítulo XX.2, também encontramos Tzu-chang perguntando sobre as cinco
práticas excelentes e sobre as quatro práticas perniciosas, enquanto que em
XX.3 a fala de Confúcio trata das três coisas que o cavalheiro deve entender: o
Destino, os ritos e as palavras. Isso sugere que também há uma ligação
subjacente entre os Livros XVI e Livro XX. Conjuntos numéricos também
podem ser encontrados em alguns capítulos do Livro XVII. Em XVII.8 Confúcio
conta para Tzu-lu sobre as seis qualidades e os seis erros à espreita, enquanto
em XVII.16 Confúcio fala sobre os três defeitos das pessoas comuns. Em
contraste, nos primeiros quinze livros o único número que ocorre frequentemente
é o três, mas nunca é usado com nada que pudesse ser descrito como um
conjunto. É simplesmente usado para significar muitos. O único caso em que
um conjunto numérico ocorre é em II.23, em que Tzu-chang usava o termo dez
gerações. Como veremos, o Livro II é possivelmente tardio por causa de seu
conteúdo misto, e o item 23 é o penúltimo capítulo do Livro e pode ser uma
adição posterior.
Histórias apócrifas
No relato da vida de Confúcio, apontamos que histórias apócrifas existiram
desde os primeiros tempos.[286] Algumas delas, de fato, abriram caminho até o
Lun yü. Primeiro, há as histórias de encontros com eremitas, com um sabor um
tanto taoísta. Três dessas histórias são encontradas em bloco no Livro XVIII. A
primeira é a história sobre Chieh Yü, o Louco de Chu, na qual Chieh Yü canta
uma música. Há uma história similar sobre o Louco no capítulo 4 de Chuang
tzu[287], na qual uma versão mais longa da música é dada. A letra da música nos
dois casos é tão próxima que as duas histórias devem ser consideradas como
variantes de uma mesma história.
As duas outras histórias (XVIII.6 e XVIII.7) são sobre encontros com
eremitas e são igualmente taoístas no tom. O fato de que todas as três são
encontradas juntas pode demonstrar que elas fazem parte de um conjunto,
embora XVIII.7 se destaque por seu uso de tzu em vez de Kung Tzu.
Há uma característica linguística na segunda história que até agora escapou
à observação dos especialistas. Em XVIII.6, a construção X wei shui (quem é
X?) ocorre duas vezes. Em todas as obras do período pré-Han, essa construção
só é encontrada uma vez, em uma forma ligeiramente diferente, no comentário
de Kung-y ang aos Anais de Primavera e Outono.[288] Sendo esse o caso,
podemos apenas concluir que essa história é de uma data consideravelmente
posterior ao corpo da obra.
Pertencendo a outra categoria aparecem as histórias apócrifas que buscam
descreditar Confúcio moralmente. Duas dessas histórias sobre Confúcio sendo
tentado a ir falar com rebeldes que o haviam chamado são encontradas no Livro
XVII. As histórias são tão próximas (XVII.5 e XVII.7) que provavelmente
formam um conjunto. À parte a inerente improbabilidade do tema, vimos que
em XVII.7 fu tzu é usado como uma forma de tratamento para Confúcio e que
tal era a prática de um período posterior. Como a história deve ter sido escrita em
um período posterior, pouca credibilidade pode ser dada a ela. Se isso é verdade
para uma história, é provavelmente verdade para a outra história, também.[289]
Relatos sobre personagens antigos
Notamos que o Livro XX abre com uma passagem sobre reis sábios da
Antiguidade, de Yao ao rei Wu, de Chou. Esse não é o único lugar nos últimos
cinco livros em que tais passagens são encontradas. O Livro XVIII abre com dois
capítulos e termina com quatro sobre personagens históricos. XVIII.1 consiste
em um comentário de Confúcio sobre os três homens benevolentes na dinastia
Yin, enquanto XVIII.2 registra um diálogo de Liu Hsia Hui. XVIII.8 registra o
comentário de Confúcio sobre vários homens em Chou que hoje chamaríamos
de bicho-do-mato. XVIII.9 dá todo um catálogo de músicos da corte que
emigraram, e XVIII.10 consiste de um dizer do duque de Chou. O livro termina
com XVIII.11, que é uma lista de oito cavalheiros de Chou. Essa preocupação
com personagens históricos, muitas vezes sem relevância a Confúcio, mostra que
textos históricos como o Livro da História devem ter sido usados como livro-texto
por alguns dos discípulos de Confúcio, se não pelo próprio Confúcio.
Examinamos várias características que ligam as partes dos últimos cinco
livros e que mostram que elas provavelmente compartilharam uma mesma
origem e vimos que algumas dessas características significam uma datação
tardia. É hora de nos voltarmos aos primeiros quinze livros.
Os primeiros quinze livros
Vamos examinar os primeiros quinze livros sob dois aspectos: (1) a
organização interna de cada um dos livros e (2) falas dos discípulos.
Organização interna de cada um dos livros
O leitor ocasional do Lun yü pode terminar a leitura da obra de Confúcio
com a impressão de que os capítulos em cada um dos livros estão em uma
ordem aleatória. Isso é porque assim acontece com o Livro I e Livro II. Mas isso
certamente não é verdade com todos os livros. Vamos observar brevemente os
primeiros quinze livros a partir desse ponto de vista. Há, entretanto, uma questão
preliminar com a qual devemos lidar. O agrupamento dos capítulos, embora no
geral seja feito por meio da similaridade de conteúdo, é algumas vezes realizado
em bases puramente formais. Se um capítulo por acaso tem uma palavra-chave
em comum com alguns outros capítulos, é passível de ser colocado com estes,
mesmo que a palavra possa ser usada com um significado diferente ou com uma
proposta diferente em mente. Por exemplo, III.23 e III.25 ambos tratam de
música. III.24, entretanto, contém uma observação do fiscal de fronteira de Yi
sobre o fato de que Céu iria usar Confúcio para levantar o Império, mas porque
suas palavras são O Céu vai usar o Mestre de vocês como o tuo de um sino,
esse capítulo é colocado entre os outros dois sobre música, sendo tuo o badalo de
um sino e sendo o sino um instrumento musical. Novamente, IV.7 é colocado ao
final de uma série de capítulos sobre jen (benevolência) porque o ideograma jen
aparece nele, mas embora o ideograma seja aquele que é usualmente utilizado
para benevolência, aqui ele é usado para o significado homófono homem.
Assim, ao examinar a organização de capítulos em cada um dos livros, devemos
estar preparados para aceitar alguma ambiguidade.
Os Livros I e II, conforme destacamos, não têm qualquer princípio óbvio
de organização, e é bem possível que figurem juntos propositadamente.
Todos os capítulos do Livro III, sem qualquer exceção, lidam com os ritos e
com a música.
O Livro IV divide-se em várias partes. Os primeiros sete capítulos tratam
de benevolência, embora IV.7, conforme vimos, trate, na verdade, sobre o
caráter de um homem. IV.8 e IV.9 tratam do Caminho, IV.10 a IV.17 tratam do
cavalheiro e do homem vulgar. IV.18 a IV.21 tratam de piedade filial, enquanto
os últimos capítulos parecem tratar do modo com que um cavalheiro deveria se
comportar.
O Livro V é sobre pessoas. A primeira metade (V.1 a V.14) trata dos
discípulos. Os próximos dez capítulos (V.15 a V.24), com a exceção de V.22,
tratam de personagens antigos e contemporâneos. V.22 é sobre os discípulos que
foram deixados para trás em Lu. Em V.26 Yen Yüan e Tzu-lu conversavam
sobre seus desejos mais fortes, enquanto os dois últimos capítulos consistem em
dizeres de Confúcio sobre si próprio.
Os primeiros dois terços (VI.1 a VI.21) do Livro VI são similares ao Livro
V. O assunto são pessoas. Os primeiros quinze capítulos tratam dos discípulos,
enquanto os sete capítulos seguintes tratam de contemporâneos e homens em
geral. Os últimos nove capítulos são mistos.
O Livro VII é inteiramente dedicado a Confúcio. Os capítulos consistem ou
em dizeres de Confúcio sobre si próprio ou naquilo que outras pessoas tinham a
dizer dele. Até mesmo VII.36 e VII.37, que à primeira vista parecem exceções,
podem ser interpretados como dizeres sobre o próprio sábio.
O Livro VIII consiste em dizeres sobre uma variedade de tópicos, com a
exceção de dois blocos de capítulos. VIII.3 a VIII.7, conforme vimos, tratam de
Tseng Tzu, enquanto que VIII.18 a VIII.20 são sobre reis antigos.
Do Livro IX, os primeiros dezenove capítulos são sobre Confúcio, e os três
seguintes possivelmente os quatro seguintes são sobre Yen Yüan. Os restantes
são bastante variados.
O Livro X é um registro da vida diária de Confúcio. Vimos que nas
palavras de abertura Confúcio é referido como Kung Tzu, embora também
seja usado o termo chün tzu (o cavalheiro) para Confúcio. X.17 é o único
capítulo de todo o livro em que Confúcio é referido como tzu. O capítulo final,
como às vezes acontece, trata de outro assunto.
O Livro XI é inteiramente dedicado a Confúcio.
O Livro XII é interessante porque o princípio de organização não é o
assunto, mas a forma. Vinte e dois de 24 capítulos são perguntas colocadas a
Confúcio e eles invariavelmente abrem com as palavras Fulano de tal wen
(perguntou). Os dois capítulos restantes tratam de cavalheiros, pois, embora em
XII.15 não haja menção alguma ao cavalheiro, a variante em VI.27 mostra que
é sobre o cavalheiro.
O Livro XIII divide-se em duas partes. A primeira parte, consistindo de
dezessete capítulos, é sobre governo. Os próximos onze (XIII.18 a XIII.28)
versam sobre como uma pessoa deve se comportar e sobre Cavalheiros (shih).
Isso serve para mostrar a proximidade entre as duas expressões. O shih é apenas
o chün tzu que assumiu um cargo. Os dois últimos capítulos são sobre educar
pessoas para a guerra.
Embora os capítulos no Livro XIV pareçam à primeira vista um tanto
variados em termos de conteúdo, há, na verdade, um tema central. Trata-se,
mais uma vez, do tema de como ser um homem. Vários capítulos são sobre
contemporâneos, presumivelmente utilizados como exemplos concretos. Os
cinco capítulos finais parecem ser a exceção e podem ser adições posteriores.
No Livro XV, igualmente, uma grande parte dos capítulos trata do tema de
como ser um homem. A exceção parecem ser os primeiro cinco e os últimos
cinco capítulos.
Dizeres de discípulos
O Lun yü é basicamente um trabalho dedicado a registrar as palavras de
Confúcio e a registrar informações sobre ele como pessoa. Dizeres de discípulos
são raramente registrados e, quando são, é por causa do comentário do mestre, e
não pelo interesse intrínseco dos dizeres. Aqui estão alguns exemplos:
O povo de Lu estava reconstruindo o tesouro. Min Tzu-chien disse: Por
que não apenas restaurá-lo? Por que ele precisa ser totalmente
reconstruído?.
O Mestre disse: Este homem ou não fala, ou vai direto ao âmago da
questão. (XI.14)
Chung-kung perguntou sobre Tzu-sang Po-tzu. O Mestre disse: É sua
simplicidade de estilo que o torna aceitável.
Chung-kung disse: Ao governar o povo, não é aceitável ser exigente
consigo mesmo e condescendente ao tomar medidas? Por outro lado, não
é exagerar na simplicidade ser condescendente consigo mesmo, assim
como ao tomar medidas?.
O Mestre disse: Yung tem razão no que ele diz. (VI.2)
Em ambos os casos os dizeres foram registrados obviamente porque
receberam aprovação do Mestre. Há um caso de uma conversa que foi
registrada pela razão contrária:
O duque Ai perguntou a Tsai Wo sobre o altar do deus da terra. Tsai Wo
respondeu: Os Hsia usavam o pinho, os Yin usavam o cedro, e os homens
de Chou usavam castanheira (li), dizendo que fazia o povo tremer (li).
O Mestre, ouvindo a resposta, comentou: Não se explica o que já está
feito, e não se discute sobre o que já foi realizado, e não se condena o que
já passou. (III.21)
Aqui Confúcio condena Tsai Wo por tentar criticar o passado, que deveria
ser deixado em paz.
Nesse sentido notamos que o grupo dos últimos cinco discípulos sobressaise
do resto de uma maneira muito clara. Vimos que o Livro XIX consiste apenas
de dizeres desse grupo, menos de Tzu-kung. Quando olhamos para os primeiros
quinze livros, descobrimos que o Livro VIII tem um bloco de cinco capítulos
(VIII.3-VIII7) que não apenas consiste nos dizeres de Tseng Tzu, mas que dois
dentre eles (VIII.3, VIII.4) registram suas últimas palavras antes de morrer. O
Livro I tem três dizeres de Yu Tzu (I.2, I.12, I.13), dois de Tseng Tzu (I.4, I.9) e
um de Tzu-hsia (I.7). O Livro XII e o Livro XIV cada um tem uma fala de Tseng
Tzu (XII.24, XIV.26), enquanto o Livro IV tem uma fala de Tzu-y u (IV.26).
Antes que continuemos, devemos tratar de Tzu-kung, cuja posição neste
assunto parece ambivalente. Por um lado, em uma ou duas ocasiões aquilo que
ele diz é registrado por causa do comentário de Confúcio, como, por exemplo:
Tzu-kung disse: Do mesmo modo que não quero que os outros mandem
em mim, também não quero mandar nos outros.
O Mestre disse: Ssu, isso ainda está bem acima de você. (V.12)
O tai tsai perguntou a Tzu-kung: Com certeza o Mestre é um sábio, não é
mesmo? De outra forma, por que teria ele tantas habilidades?. Tzu-kung
disse: É verdade, o Céu colocou-o no caminho da sabedoria. Entretanto,
ele tem vários outros talentos.
O Mestre, ao ouvir isso, disse: Como o tai tsai me conhece bem! Eu era
de origem humilde quando jovem. É por isso que tenho várias habilidades
manuais. Mas deveria um cavalheiro ter várias habilidades? Não, de modo
algum. (IX.6)
Por outro lado, Tzu-kung compartilha com o grupo dos últimos discípulos a
distinção de ter um bloco de capítulos dedicados a ele no Livro XIX (XIX.20-
XIX.25). Devemos observar duas coisas. A primeira, que Tzu-kung era o único
dos três mais conhecidos discípulos de Confúcio a ter sobrevivido à morte do
Mestre, e não há dúvida de que ele se relacionou de modo muito próximo com os
discípulos do último grupo, como pode ser visto em alguns capítulos do Li chi. A
segunda coisa é que há apenas uma ocasião em que ele diz:
Chou não era tão malvado assim. É por isso que o cavalheiro detesta
morar para os lados do sul, pois é lá que tudo o que é sórdido no Império
abre caminho. (XIX.20)
À parte isso, todos os seus dizeres (V.13, XIX.21-XIX.25) são sobre o
Mestre. Assim, embora ele se relacionasse com o grupo de últimos discípulos, ele
era um pouco como um estranho. Seus dizeres são, de fato, registrados; mas não
por valor próprio, mas pelo retrato que pintam do Mestre.
Se um livro contém ou não dizeres dos discípulos parece ser uma questão
de alguma significância. O fato de que tais dizeres foram considerados dignos de
registro deve significar que esses discípulos já tinham, então, estabelecido a si
próprios como professores. Como os cinco discípulos do último grupo eram muito
mais novos do que Confúcio, isso significaria que os dizeres deles próprios só
poderiam ter sido registrados alguns anos após a morte de Confúcio. Os livros que
contêm dizeres de discípulos são os Livros I, VIII e XIX. Os livros IV, XII e XIV
são casos duvidosos. Tanto a fala de Tzu-y u no Livro IV quanto a de Tseng Tzu no
Livro XII aparecem no final do livro e poderiam facilmente ter sido
acrescentadas em uma data posterior à data de compilação daquele livro
específico. O caso do Livro XIV é interessante. O dizer de Tseng Tzu aparece na
forma de um comentário sobre uma fala de Confúcio, mas esta fala de Confúcio
aparece também no Livro VIII. Como vários dizeres de Tseng Tzu podem ser
encontrados no Livro VIII, é bem possível que o comentário de Tseng Tzu fosse
originalmente um apêndice ao dizer de Confúcio no Livro VIII e que por algum
acidente foi parar no Livro XIV.
Agora vimos que dos primeiro quinze livros, os Livros I, II e VIII são os
três que mostram uma falta de organização interna, e, destes, os Livros I e VIII
são também livros nos quais dizeres de discípulos são encontrados. O Livro X,
com seu uso do Kung Tzu, provavelmente pertence ao mesmo grupo que os
últimos cinco capítulos. Assim, podemos dividir grosseiramente o Lun yü em três
camadas. A primeira consiste dos livros que são bem-ordenados e nos quais
nenhuma fala de nenhum discípulo está incluída. O próximo estrato consiste do
Livro I (e possivelmente do Livro II) e do Livro VIII. Embora esses livros
mostrem uma falta de organização interna dos capítulos e contenham dizeres de
discípulos, eles, entretanto, não usam Kung Tzu para Confúcio. Finalmente, há
o estrato que consiste do Livro X e dos últimos cinco capítulos. Eles são todos
interligados por meio de várias características e provavelmente são de uma
datação muito posterior do que o corpo da obra.
Concluirei com algumas hipóteses sobre o caminho por meio do qual o Lun
yü foi colocado em sua presente forma. Primeiro, as unidades individuais devem
ter sido organizadas como capítulos em algum tipo de ordem que levava em
conta o assunto. Haveria unidades que ou não se encaixaram em nenhuma
categoria ou que não foram consideradas importantes o suficiente para serem
incluídas no corpus. Em segundo lugar, algumas dessas unidades restantes foram
reunidas e colocadas, às vezes com informações que tratavam sobre os
discípulos, em novos livros, enquanto outras unidades podem ter sido acrescidas
ao final dos livros existentes. Isso não precisa necessariamente ter ocorrido de
uma só vez. Os Livros I (possivelmente junto com o II) e VIII podem
representar uma reunião anterior desses materiais que haviam sobrado junto
com material que dizia respeito aos discípulos. Os últimos cinco livros (e
possivelmente também o Livro X) podem representar uma repetição posterior do
mesmo processo. O caso do Livro I é interessante. Que um livro de natureza tão
heterogênea tenha sido colocado no início de toda a compilação deveu-se
provavelmente ao desejo, por parte dos discípulos de Yu Tzu, Tseng Tzu e Tzuhsia,
de ressaltar o status de seus próprios professores na escola confuciana, não
apenas incluindo os dizeres deles mas intercalando-os com dizeres do Mestre.
Obras citadas
Ching tien shih wen de Lu Te-ming, SPTK (Ssu pu tsung kan).
Chou li chu shu, SSCCS (Shih san ching chu shu, Nanchang, 1815).
Chun shu chih yao, SPTK.
Han fei tzu, SPTK.
Han shu, Chung Hua Shu Chü, Pequim, 1962.
Hsün tzu, SPTK.
Huai nan tzu, SPTK.
Kao hsin lu, por Tsui Shu, Wan yu wen ku.
Kung-yang chu shu, SSCCS.
Kung tzu chia yü, Yü hai tang ying sung tsung shu, 1898.
Kuo yü, Shih li chü Huang shih tsung shu.
Li chi chu shu, SSCCS.
Mencius, Trad. D. C. Lau, Penguin, 1976.
Meng tzu chi chu, 1811.
Meng tzu chu shu, SSCCS.
Nan hua chen ching (Chuang tzu), SPTK.
Po hu tung, SPTK.
Shih chi, Chung Hua Shu Chü, Pequim, 1959.
Shih ching chu shu, SSCCS.
Shu ching chu shu, SSCCS.
Ta tai li chi, SPTK.
Tao te ching. Trad. D.C. Lau, Penguin, 1963.
Yi chou shu, Tsung shu chi cheng.
Yin wen tzu, SPTK.
[1] A dinastia Chou ou Zhou do Leste divide-se no Período da Primavera e
Outono e no Período dos Reinos Combatentes (quando o poder centralizado entra
em franco declínio). Costuma-se situar o Período da Primavera e Outono entre
770 e 476 a.C., e foi nesse período histórico que nasceu Confúcio. (N. T.) [Notas
não-creditadas são de D. C. Lau.]
[2] Ou Song. (N. T.)
[3]Mencius, VI.B.6 (p. 176). Para as obras citadas, ver p. 245.
[4] Ver XII.21.
[5] Vale lembrar que para a cultura chinesa antiga, todo o universo provém do
céu; por isso o imperador era chamado de filho do céu. (N. T.)
[6] Ao longo deste livro, Cavalheiro é usado como um equivalente para shih,
ao passo que cavalheiro é usado como equivalente para chün tzu. Shih era a
hierarquia mais baixa de oficiais, enquanto que chün tzu denotava ou um homem
de excelência moral ou um homem de autoridade. Sobre a relação entre os dois
termos, ver p. 240.
[7] Há uma teoria que será discutida mais adiante de que em Os analectos há
uma distinção entre jen e min. O primeiro refere-se a homens que tinham o
direito de assumir um cargo oficial, e o último refere-se a homens comuns, que
não tinham esse direito. Segundo essa teoria, embora os hsiao jen fossem os
governados, como jen eles teriam direito de assumir cargos oficiais e deveriam
ser distinguidos dos min, a despeito do fato de que ambos pertenciam à categoria
dos governados. Além disso, o termo chün tzu é, na verdade, muitas vezes usado
em oposição a min.
[8] Nesta tradução, preferimos homem vulgar à tradução literal, homem
pequeno ou pequeno homem. (N. T.)
[9] Há uma definição mais explícita de shu em um dos filósofos da época dos
Reinos Combatentes. O Shih tzu diz: Por shu entenda-se usar a si como medida
(Chün shu chih yao, 36.19b).
[10]Tradutores tendem a usar leal como único equivalente para chung, mesmo
quando se trata de traduções de textos mais antigos. Esse engano deve-se a uma
dificuldade em entender que o significado da palavra mudou com o passar do
tempo. No uso posterior, é verdade, chung costumava significar lealdade no
sentido de devoção cega, mas não era esse o seu significado na época de
Confúcio.
[11] Deve ser enfatizado que a teoria mencionada, que diz respeito à distinção
entre jen e min, não foi estabelecida sem suscitar dúvidas. Por exemplo, há dois
capítulos em Os analectos (VI.30 e XIV.42) nos quais Confúcio descreve a tarefa
de cuidar das pessoas como algo difícil até mesmo para os sábios reis Yao e
Shun. A utilização das palavras é tão similar que é possível que se trate de duas
versões de uma só frase. O que é interessante para o nosso presente propósito é
que em uma delas (VI.30) min (as pessoas comuns) contrasta com chung
(multidão, ou povo), ao passo que, na outra frase (XIV.42), pai hsing (as pessoas
comuns) contrasta com jen (semelhante). Como chung e jen têm uma utilização
similar (ver, por exemplo, I.6), pareceria que min e pai hsing também são usadas
como quase sinônimos. Como pai hsing literalmente, os cem sobrenomes
deve ter se referido a pessoas com sobrenomes, se se trata de um termo
sinônimo a min, então min também deve se referir (cont.)
(cont.) a pessoas com sobrenomes. Nesse caso, dificilmente essas pessoas seriam
totalmente desprovidas de privilégios políticos. Isso mostra como é difícil
estabelecer o significado de um termo, mesmo dentro do âmbito de uma obra.
Além disso, deve-se apontar que mesmo que admitíssemos que jen, quando
usado em contraposição a min, muito provavelmente tinha uma conotação de
classe, há outras utilizações da palavra que certamente não tinham tal conotação.
Primeiro, jen é usado para significar os outros, em contraposição à pessoa em
questão (chi). Por exemplo, Não imponha aos outros (jen) aquilo que você (chi)
não deseja para si próprio (XII.2). Segundo, jen é certamente a palavra para ser
humano em geral. Por exemplo, Um homem (jen) sem consistência não dará
nem um xamã nem um médico (XIII.22). Na tradução, para auxiliar o leitor
que não lê em chinês, jen é transformado em semelhante sempre que é
provável haver uma conotação de classe.
[12] Ver, por exemplo, VII.5.
[13]Li chi chu shu, 52.19a.
[14] Para uma discussão mais ampla sobre a interpretação da citação de I.13,
ver D. C. Lau, On the expression fu y en, Bulletin of the School of Oriental and
African Studies, XXXVI, 2, (1973), p. 324-33.
[15]Mencius, p. 145.
[16] Há embasamento para essa ideia em Tso chuan. Nos registros do 27o ano do
duque Hsi, há um relato sobre como o duque Wen de Chin tornou-se o líder dos
senhores feudais. Na sua volta para Chin, o duque começou a treinar e educar o
povo. Depois de dois anos, ele queria ir à guerra, mas Tzu-fan aconselhou-o de
que antes que isso pudesse acontecer, o povo deveria entender o que é certo,
aprender a ser coerente com as próprias palavras e conhecer os ritos. O duque
aceitou seu conselho. O Tso chuan termina o relato com a seguinte observação:
O fato de o duque Wen ter tido êxito em se tornar o líder dos senhores feudais
deveu-se à educação que ele deu ao povo (Tso chuan chu shu, 16.13a). Isso
mostra muito claramente que, na educação do povo, o lado moral é muito mais
importante do que o lado puramente militar.
[17]Mencius, III.A.5 (p. 105).
[18] Em I.15, também Tzu-kung é elogiado por sua compreensão das Odes.
[19]Shih ching chu shu, I.11b.
[20] Há mais diferenças entre aprender e hsüeh. Aprender, no particípio
passado, é uma palavra de realização, aprendido; hsüeh, por outro lado, não é.
A pergunta hsüeh shih hu? simplesmente questiona se alguém tentou dominar
as Odes, mas Você aprendeu as Odes? é uma pergunta quanto a resultado.
Nesse sentido, estudar é um equivalente mais satisfatório. Para um tratamento
mais completo do problema de traduzir a palavra hsüeh, ver D. C. Lau
Translating philosophical works in Classical Chinese Some Difficultires (The
art and profession of translation, 1976, Hong Kong, p. 52-60).
[21] Que wen e chien são equivalentes a hsüeh pode ser visto nas duas passagens
seguintes. Em VII.28, encontramos Faço amplo uso de meus ouvidos (wen) e
sigo o que é bom daquilo que ouvi; faço amplo uso dos meus olhos (chien) e
retenho na minha mente o que vi, ao passo que em XV.3 temos um homem
que aprende (hsüeh) muitas coisas e que depois armazena cada uma dessas
coisas que aprendeu na sua mente.
[22] Para nomes de pessoas, ver glossário.
[23] Sobre a diferença de jen (semelhante) e chung (povo), veja XVII.6, e para
uma discussão sobre a palavra jen, veja a introdução, p. 20.
[24] O conteúdo integral do que segue também é encontrado em IX.25, enquanto
a abertura da frase também é encontrada em XII.10.
[25] Essa frase é novamente encontrada em IV.20. Ver também XIX.18.
[26] Para uma discussão sobre a interpretação da frase, ver D. C. Lau On the
expression fu yen, Bulletin of the School of Oriental and African Studies, XXXVI,
2, (1973), p. 424-33.
[27] O significado desta última frase é um tanto obscuro. A presente tradução é
baseada em um comentário de Cheng Hsüan sobre a palavra yin em Chou li
(Chou li chu shu, 10.24b).
[28] Ver IV.24.
[29] Essa frase é da Ode 297, na qual descreve um grupo de cavalos seguindo
adiante sem se desviar à esquerda ou à direita.
[30] A expressão erh shun é bastante obscura e sua tradução é aproximada.
[31] Ver O homem benevolente sente-se confortável com a benevolência
(IV.2).
[32] Isto é, não é nenhum especialista, já que todo pote era destinado um tipo de
alimento apenas.
[33] Ver XII.22.
[34] Trecho de um capítulo que se perdeu de Shu ching, mas que foi incorporado
de uma forma modificada no capítulo espúrio Chün shih. Veja Shu ching chu shu,
18.10a.
[35] Uma prerrogativa do imperador.
[36] As três famílias nobres do reino de Lu: Meng-sun, Shu-sun e Chi-sun.
[37] A Ode 282, de onde vem os versos citados.
[38] Não sendo senhor do reino de Lu, o líder da família Chi não tinha direito de
comandar o sacrifício para o monte Tai, o que seria uma violação dos ritos.
[39] Que estava a serviço da família Chi.
[40] Ver III.4, em que Lin Fang fez uma pergunta quanto aos fundamentos dos
ritos.
[41] A duas primeiras linhas dessa citação podem ser encontradas na Ode 57,
mas não a terceira linha.
[42] Após a deposição das duas dinastias, os descendentes da dinastia Hsia foram
enfeudados pelo reino de Chi, enquanto que os da dinastia Yin foram enfeudados
pelo reino de Sung.
[43] Um sacrifício importante realizado pelo imperador, mas o privilégio de
realizá-lo era concedido ao duque de Chou, o fundador da dinastia de Lu.
[44] O menino ou a menina que personificavam o ancestral morto para o qual as
oferendas eram feitas.
[45] O canto sudoeste da casa é o lugar de honra, de forma que Wang-sun
Chia, sendo um ministro de Wei, provavelmente queria fazer referência ao
senhor de Wei; e por fogão, que deveria receber as homenagens, referia-se a
si próprio.
[46] Os Hsia e os Yin.
[47] O templo do duque de Chou, o fundador do reino de Lu.
[48] O homem de Tsou refere-se ao pai de Confúcio.
[49] A primeira das Odes.
[50] Para sublevar o Império.
[51] A música de Shun, que subiu ao trono por meio da abdicação de Yao.
[52] A música de King Wu, que subiu ao trono após derrubar Yin com auxílio de
forças militares.
[53] A frase provavelmente foi alterada. A negativa é provavelmente uma
interpretação, e a frase deveria ser lida da seguinte forma: Os homens não
querem nem pobreza nem posições humildes, mas, se agindo do modo certo,
fosse isso o que eu conseguisse, eu não tentaria fugir.
[54] Ver VI.12.
[55] Sobre o uso de cavalheiro e Cavalheiro na presente tradução, ver nota
da p. 15.
[56] A distinção entre cavalheiro e homem vulgar não é como a diferença
entre o governante e o governado; tanto cavalheiro quanto homem vulgar
incluem-se dentre a classe dos governados.
[57] Esse dizer também faz parte de I.11.
[58] Ver XI.6.
[59] Ver II.13.
[60] Feito de jade.
[61] No capítulo que trata de títulos póstumos no Yi Chou shu é dito que a
concentração no estudo e a busca de aconselhamento são chamados de wen (p.
196). É bem provável que o Yi chou shu, embora tradicionalmente seja
considerado mais antigo, tenha, na verdade, em Os analectos uma das suas
fontes.
[62] Ling Yin era o título dado no reino de Lu para primeiro-ministro.
[63] O assento do governante.
[64]Fu, yü e ping são medidas para alimentos secos em ordem crescente de
quantidade.
[65] Ou seja, de Confúcio.
[66] Isto é, do outro lado da fronteira, no reino de Chi.
[67] O significado original da palavra é incerto, mas provavelmente se referia a
homens para os quais as qualidades intelectuais eram mais importantes do que as
qualidades de um guerreiro. Em épocas posteriores, ju tornou-se o nome dado
aos confucianistas.
[68] De acordo com o relato em Tso chuan.
[69] Ver XII. 22, em que Confúcio dá respostas diferentes a perguntas iguais de
Fan Chih.
[70] Por Chi e Lu o texto refere-se, mais provavelmente, ao reino de Chi e
ao reino de Lu, este último terra natal de Confúcio. (N. T.)
[71] Com medidor de capacidade.
[72] A conhecida mulher do duque Ling, de Wei.
[73] É nos ritos que alguém firma sua atitude. Ver firme sua atitude com os
ritos (VIII.8) e A menos que estude os ritos, não será capaz de assumir teu
lugar no mundo (XVI.13).
[74] Isto é, a própria pessoa que faz o julgamento.
[75] Não se sabe quem era o Velho Peng.
[76] Na literatura chinesa antiga, o Rio significava o rio Amarelo.
[77] A música de Shun. Ver III.25.
[78] Isto é, Che, filho do príncipe Kuai Kui, que era filho do duque Ling. Depois
de fracassar em sua tentativa de matar Nan Tzu, a conhecida esposa do seu pai, o
príncipe Kuai Kui fugiu para Chin. Com a morte do duque Ling, Che subiu ao
trono. Com o apoio do exército Chin, o príncipe Kuai Kui conseguiu instalar-se
na cidade de Chi, em Wei, esperando por uma oportunidade de tirar seu filho do
poder. Nessa época Confúcio esteve em Wei, e o que Jan Yu queria saber era se
ele era favorável a Che.
[79] De acordo com a tradição, isso foi dito quando Huan Tui, o ministro da
Guerra de Sung, tentou matar Confúcio.
[80] Ver XII.22.
[81] Ver XV.3.
[82] Ver Os melhores são aqueles que nascem com conhecimento. Em seguida
vêm aqueles que adquirem conhecimento por meio do estudo (XVI.9).
[83] Foi sugerido que essa frase deveria, na verdade, situar-se no início da
observação de Confúcio.
[84] Que leva o nome Chi.
[85] Quando ela devia se chamar Wu Chi. Chamá-la de Wu Meng era uma
tentativa de tentar passar por cima do fato de que ela partilhava o mesmo nome
de família, Chi.
[86] Sendo um nativo de Lu, Confúcio preferiria ser criticado por parcialidade do
que aparentar uma atitude abertamente crítica em relação ao senhor.
[87]Mencius, II.A.2 (p. 29), contém o que parece ser uma versão mais completa
dessa passagem.
[88] Ver XVII.8.
[89] Ode 195.
[90] Isto é, agora que ele estava à beira da morte, ele tinha a certeza de ter
evitado, ao longo da vida, o risco de mutilação do seu corpo morrer com o
corpo intacto, tal qual viera ao mundo, era um dever que os chineses
acreditavam ter para com seus pais e outros ancestrais.
[91] Isso se opõe ao homem que diz ter quando lhe falta, que diz estar cheio
quando está vazio (VII.26).
[92] De acordo com a tradição, trata-se de uma referência a Yen Hui.
[93] O chih na época de Tseng Tsu era bem menor que o pé atual [de 30,48cm].
[94] Essa observação faz parte de XIV.26.
[95] A primeira das Odes.
[96] Tang, aqui, é o nome da dinastia de Yao, e Yü o nome da dinastia de Shun.
Não confundir com Tang, o fundador da dinastia Yin ou Shang, e Yü, o fundador
da dinastia Hsia.
[97] E, no entanto, Shun tinha apenas cinco oficiais.
[98] No caso do rei Wu.
[99] Ver Se um homem, sem prever traições (...) é capaz de ser o primeiro a
percebê-la, ele deve ser um homem capaz (XIV.31).
[100] O título de um alto cargo oficial. Não fica claro de quem se trata, nem
mesmo de que reino a pessoa vinha.
[101] A identidade dessa pessoa é incerta.
[102] Todo esse trecho é por demais obscuro, e a tradução, uma interpretação.
[103] Tanto a fênix quanto o mapa [da posição dos planetas, presume-se] eram
vaticínios auspiciosos. Confúcio está lamentando a desesperança de colocar em
prática o Caminho no Império da sua época.
[104] Como sinal de respeito.
[105] Nessa parte, ele refere-se ao caminho de Confúcio.
[106] Quando Confúcio, por não mais ter um cargo, não estava em condições de
manter empregados.
[107] O ya e o sung são seções das Odes.
[108] Essa frase é repetida em XV.13.
[109] Essa frase já apareceu como parte de I.8.
[110] Ode 33.
[111] Sobre o certo e o errado.
[112] Sobre o futuro.
[113] Este capítulo faz parte de XIV.28, em que o trecho da frase sobre o homem
benevolente vem antes daquele sobre o homem sábio.
[114] Essas linhas na verdade não são encontradas nas Odes tais quais chegaram
até nós.
[115] Uma posição que pareceria presunçosa.
[116] Os chineses inscreviam os nomes dos ancestrais em tabuletas de pedra
sendo jade considerada a pedra mais nobre que eram mantidas em altares, e
eram essas tabuletas que, nos rituais, representavam os espírito dos ancestrais.
(N. T.)
[117] Foi sugerido que essa frase foi extraída de seu lugar original e que deveria
vir depois da primeira frase da próxima seção.
[118] O lugar do anfitrião.
[119] Faz parte de III.15.
[120] Ver IX.10.
[121] Tais manifestações naturais eram vistas pelos chineses como presságios
divinos. (N. T.)
[122] Esse é um dos dizeres mais enigmáticos de Confúcio, não importa de que
maneira seja interpretado.
[123] Isto é, as linhas da Ode 256, que são as seguintes:
Uma imperfeição no jade branco
Ainda assim pode ser polida;
Uma imperfeição nessas palavras
Não pode de modo algum ser removida.
[124] Ver V.2.
[125] O pai de Yen Yuan.
[126] O filho de Confúcio.
[127] Essa observação parece estar fora de lugar. Provavelmente pertence a
outro contexto.
[128] Ver Mencius, IV.A.14.
[129] Sobre a expressão dependências íntimas, ver item 15, na página anterior.
[130] Essa frase é encontrada em XV.24.
[131] Por medo de que não se possa cumprir a própria palavra. Ver IV.22, IV.24.
[132] A citação, que é da Ode 188, parece não ter importância alguma ao assunto
em discussão. Acredita-se que não pertença a esse trecho.
[133] Trata-se de uma repetição de VI.27.
[134] Além de serem homófonas, as duas palavras chinesas têm uma mesma
origem, assim mostrando que o conceito de governar era considerado
relacionado ao conceito de corrigir.
[135] Em outras palavras, roubar do povo não foi um bom exemplo.
[136] Trecho citado em Mencius, III.A.2.
[137] As duas palavras te (ganhar) e te (virtude) parecem ter uma mesma
origem. Virtude é aquilo que tornamos nosso por meio da busca do tao
(Caminho). (Para uma discussão dessa questão em um contexto taoísta, veja o
Tao te ching, p. 42).
[138] Sobre essa frase, ver II.19.
[139] Ver IV.26.
[140] Para uma discussão das duas palavras pronunciadas como cheng, ver nota
no item XII.17, página 120.
[141] Sobre a educação, ver itens 29 e 30, adiante.
[142] Ver VII.26.
[143] O texto da terceira linha do hexagrama 32 heng (constância).
[144] Ver XII.3.
[145] O texto provavelmente é incompleto. À luz da primeira resposta, um
adjetivo, provavelmente benevolente, deveria acompanhar a palavra
homem. Ver os capítulos 16 e 17, nos quais Kuan Chung é chamado de
benevolente.
[146] Isto é, à moda dos bárbaros, caso fossem por eles invadidos.
[147] Um relato sobre a conferição do título póstumo de wen para Kung-shu
Wen-tzu pode ser encontrado no capítulo Tan kung do Li chi (Li chi chu shu,
10.1a-1b). No Yi chou shu, diz-se, entre outras coisas, que fazer homenagens às
pessoas comuns é chamado wen (p. 196). Ver nota em V.15, p. 83.
[148] Isto é, os líderes das três poderosas famílias de Lu.
[149] O incidente é registrado no Tso chuan (Tso chuan chu shu, 59.19a-19b).
[150] Ver item 35, a seguir.
[151] Essa frase também é encontrada em VIII.14.
[152] Sobre o futuro.
[153] Quanto ao certo e ao errado.
[154] Ver IX.29.
[155] Esse trecho é encontrado em I.16.
[156] Ver: Faça o bem para aquele que lhe fez uma injúria. (Tao te ching, cap.
63, p. 124).
[157] Essa frase deve ter se perdido de seu contexto original, já que faz aqui
pouco sentido.
[158] Ver item 35, página anterior.
[159]Shu ching chu shu, 16.10b.
[160]Shu ching chu shu, 16.10b.
[161] Ver XIII.4.
[162] Seguidores de Confúcio.
[163] Ver IV.15.
[164] O trono do imperador ficava virado para o sul.
[165] Aqui há uma analogia entre o homem e o formato de papiro utilizado
antigamente na China para armazenar, entre outras coisas, textos clássicos: tais
papiros eram longos, com uma vara arredondada em cada lado e com um
pedaço de fita em uma extremidade ou em ambas. Para serem armazenados e
ocultarem seu conteúdo, bastava enrolar o papiro em uma das extremidades e,
com a fita fixada à outra extremidade, amarrar o rolo. (N. T.)
[166] Quanto a shao e wu, ver III.25.
[167] Essa observação feita por Confúcio de forma ligeiramente diferente
também pode ser encontrada em Tso chuan (Tso chuan chu shu, 18.14a-b).
[168] Essa observação de Confúcio, em um formato ligeiramente diferente,
também é encontrada em Tso chuan (Tso chuan chu shu, 18.14a-b).
[169] Isto é, usar a si próprio como medida ao avaliar os desejos de outrem. Ver
VI.30 e IV.15. É interessante notar que em V.12, quando Tzu-kung observou que,
se ele não queria que os outros lhe impusessem, ele tampouco queria impor aos
outros, o comentário de Confúcio foi de que isso estava além de suas habilidades.
[170] As carruagens e cavalos de uma pessoa eram algo que não se deveria
facilmente permitir que outros usassem. Fazê-lo significava, portanto, uma falta
de refinamento. Essa é, me parece, a interpretação proposta pelo professor Chow
Tse-tsung. (Ver Shuo shih chih chüeh wen, Ta lu tsa chih, XXXVII.4, 1968, p.
1-16.)
[171] Ver XIII.24.
[172] Esse trecho tem sido interpretado como referindo-se ao poder. (N. T.)
[173] Naquela época, a profissão de músico era restrita aos cegos.
[174] O texto está incompleto nessa parte. À luz do que segue, a passagem
deveria, provavelmente, ser assim: (...) não se preocupa com pobreza, mas com
a distribuição desigual, não com a subpopulação, mas com a desarmonia, não
com golpes de estado, mas com a instabilidade.
[175] A lógica que leva a essa conclusão é um tanto obscura à luz do item
anterior.
[176]Chi é o constituinte básico do universo. O chi refinado permeia todo o
corpo humano e circula com o sangue.
[177] Esse trecho obviamente está incompleto. Parece faltar o início. Por isso,
não é mencionado o nome do falante. Tampouco se sabe ao que a frase final se
refere.
[178] Como sinal de respeito.
[179] Esse é provavelmente um texto ritual que foi copiado no espaço em branco
ao fim deste rolo e nada tem a ver com o resto do livro.
[180] De acordo com uma versão dessa história em Mencius, III.B.7, tratava-se
de um leitão defumado (p. 112).
[181] Contra a família Chi, talvez sob o pretexto de devolver o poder ao duque de
Lu.
[182] Ver VIII.2.
[183] Para essas atividades o estudo das Odes deve, presumivelmente, ser
relevante, mas não fica claro por que ele as menciona. Isso muito provavelmente
deve-se a alguma corrupção no texto.
[184] Trata-se de capítulos que abrem o livro das Odes.
[185] Ver XVI.13.
[186] Ver III.3.
[187] Para a elaboração de Mêncio desse significado, ver Mencius, VII.B.37 (p.
203).
[188] Isso faz parte de I.3.
[189] Conforme a linha de interpretação tradicional, vermelho é uma cor pura,
ao passo que púrpura é uma cor misturada, mas na época de Confúcio a prática
de usar púrpura em substituição ao vermelho estava se espalhando. Sobre a
condenação de Confúcio quanto à música de Cheng, ver V.11.
[190] Um tipo diferente de madeira é usado para cada uma das quatro estações
de modo que a mesma madeira é novamente usada após um ano. Essa prática,
presume-se, tinha um significado ritual.
[191] O arroz era um luxo, e painço era o principal alimento.
[192] Enquanto yi é o jogo conhecido recentemente como wei chi (go, em
japonês), po era, acredita-se, um jogo de tabuleiro segundo o qual a
movimentação das peças eram decididas no dado.
[193] Isto é, o tirano de Chou.
[194] Em Lu.
[195] Tanto os Chi quanto os Meng eram famílias nobres de Lu.
[196] A expressão chih yü é obscura e, provavelmente, uma corruptela.
[197] Estamos aqui tomando erh por você.
[198] Ou seja, Confúcio.
[199] Ou seja, o próprio Chieh Ni.
[200] Ver XIV.38.
[201] Seu filho.
[202] Ver XIII.25.
[203] Ver XIV.12.
[204] O ponto de Hsia parece ser o seguinte: se a um estudante ensina-se, passo a
passo, do superficial ao fundamental, então ele ganha algo mesmo que não
atinja, ao seguir os estudos, sua meta final. A meta final é algo que supostamente
apenas o sábio é capaz de atingir.
[205] Ver I.11.
[206] Isto é, Confúcio.
[207] Foi sugerido que essas são as palavras usadas pelo rei Wu ao investir
senhores feudais e podem ter sido usadas, em especial, no enfeudamento de Tai
Kung de Chi.
Toda essa passagem consiste em conselhos para reis ou declarações feitas por
eles. Todos esses reis fundaram novas dinastias. Shun fundou a dinastia Yü, Yü
fundou a dinastia Hsia, Tang fundou a dinastia Yin, e o rei Wu fundou a dinastia
Chou. A linguagem desse relato de história antiga lembra muito o Livro da
História. É muito pouco provável que essa passagem tenha algo a ver com
Confúcio, exceto pela possibilidade de constituir material didático usado na escola
confuciana.
[208] O parágrafo, até esse ponto, também pode ser encontrado em XVII.6, no
qual, em vez de min (pessoas comuns), o texto refere-se a jen (semelhantes).
[209] Essa passagem não é atribuída a nenhum falante em especial. Parece
consistir em um número de partes desconexas sobre vários aspectos do ato de
governar. Embora uma dessas partes, conforme acabamos de apontar, seja, de
fato, atribuída a Confúcio, em XVII.6, seria arriscado inferir daí que Confúcio
era o responsável pelo texto restante.
[210] À luz da resposta que segue, a pergunta deveria cobrir todas as cinco
práticas excelentes, em vez de apenas a primeira.
[211]Kao hsin lu, p. 418.
[212] Huo y ü, 5.7a.
[213] Op. cit., 5.10b-11a.
[214] Op. cit., 5.11b-12a.
[215] Ver, por exemplo, Mencius, V.A7,8,9 (p. 146-48).
[216] De acordo com comentadores, o bisneto de Fu Fu He.
[217]Tzo chuan chu shu, 44.16b-17a.
[218] Op. cit., 3.7b-8a.
[219] Op. cit., 5.5a-b.
[220] Op. cit., 31.3b.
[221]Shih chi, p. 1.905.
[222]Tso chuan chu shu, 48.3b-9a.
[223] Op. cit., 49.13b-14a.
[224]Tso chuan chu shu, 49.21b.
[225] Op. cit., 44.16b-17b.
[226] Em Os analectos III.10 e III.11 o sacrifício ti também é mencionado.
[227]Tso chuan chu shu, 51.17a.
[228]Mencius. III.B.7. Na minha tradução de Mencius (p. 112), substituí Yang
Hu para Yang Huo em toda a passagem, porque, tendo aceitado naquela
época a identificação de Yang Huo com Yang Hu, segui a prática de usar apenas
um nome para cada pessoa, para evitar confusão, já que Yang Hu aparece em
III.A.3.
[229]Tso chuan chu shu, 54.6b.
[230]Tso chuan chu shu, 56.2a-4a.
[231] Op. cit., 56.9b-10b.
[232]Tso chuan chu shu, 58.27a-b.
[233] Ibid., 58.27b.
[234] A favorita do duque Ling.
[235] Ver p. 175.
[236]Tso chuan chu shu, 57.18a.
[237] Ver Tso chuan chu shu, 57.8b. Chou Lai fica na moderna Anhwei.
[238] Na moderna Honan.
[239] No seu comentário sobre a passagem em questão no Mencius (Meng tzu
chi chu, 10.9b).
[240]Kao hsin lu, p. 488.
[241]Mencius, p. 123-4. As palavras exatas da citação de Confúcio foram
ligeiramente alteradas para adaptá-la à presente tradução.
[242]Tso chuan chu shu, 59.19a-b.
[243]Tso chuan chu shu, 59.11a.
[244]Tso chuan chu shu, 60.2a.
[245] A palavra chiu significa um monte alto nas laterais e afundado no meio.
[246]Kao hsin lu, p. 427.
[247]Li chi chu shu, 8.7b.
[248] Ver p. 172.
[249] Ver cap. 31, Hereditary House of Wu (p. 1.467); cap. 32, Hereditary House
of Chi (p. 1.505); cap. 39, Hereditary House of Chin (p. 1.685); cap. 40,
Hereditary House of Chin (p. 1.717); cap. 44, Hereditary House of Wei (p. 1.837);
cap. 66, Biography of Wu Tzu-hsü (p. 2.178).
[250]Tso chuan chu shu, 56.2a.
[251]Kao hsin lu, p. 455.
[252]Lü shih chun chiu, 14.18b.
[253]Hsün tzu, 20.2a.-3a.
[254]Shuo yüan, 15.14b-15b.
[255]Kung tzu chia yü, 1.4b-15b.
[256]Yin wen tzu, 11b-12a.
[257]Po hu tung, 4-5b.
[258]Huai nan tzu, 13.17b.
[259] O Kung tzu chia yü original deve ter sido uma das fontes utilizadas por Ssuma
Chien e ainda existia quando Pan Ku escreveu a bibliografia do Han shu. O
atual Kung tzu chia yü foi compilado a partir principalmente de fontes antigas
existentes na época de Wang Su, mas também pode conter material forjado pelo
próprio Wang Su.
[260] O Shih chi (p. 1917) registra hsing she hsiang shih, enquanto o Kung tzu
chia yü (I.4b) registra she hsing hsiang shih. A sutil diferença na ordem das
palavras não acarreta nenhuma diferença substancial no significado.
[261] A palavra chu tem tanto o sentido mais genérico de punir quanto o
sentido mais específico de executar, mas resta muito pouco espaço para
dúvida de que, na história em questão, deve ser entendido que Confúcio executou
Shao Cheng Mao. Como esses significados não são mutuamente excludentes, na
tradução tanto punir quanto executar são usadas, dependendo da necessidade
do contexto.
[262] Na verdade, apenas quatro são listados.
[263]Hsün tzu, 2.2a.
[264]Lü shih chun chiu, 18.10a.
[265] É interessante notar que no Kung tzu chia yü o capítulo no qual a história é
encontrada é chamado de Shih chu. Isso mostra, no mínimo, que no ponto de
vista de Wang Su, aquilo era um ponto fundamental da história.
[266] Tal semelhança foi primeiramente percebida por Yin Tung-y ang em seu
Kuan tzu hsin shih, publicado em 1917 (citado em: KUO Mo-juo et alli, Kuan tzu
chi chiao, Pequim, 1956, p. 221), mas o significado da semelhança foi
primeiramente apontado pelo professor Hsü Fu-kuan em um pós-escrito, datado
de 26 de novembro de 1959, ao seu Yi ke li shih ku shih te hsing cheng chi chi
yen chin (Chung kuo ssu hsiang shih lun chi, Taipei, 1974, p. 132). Qualquer
pessoa que conheça o artigo do professor Hsü saberá o quanto minha análise da
história de Shao Cheng Mao deve a ele.
[267] Ver p. 164.
[268]Lü shih chun chiu, 14.18b.
[269]Han fei tzu, 19.3a.
[270]Ta Tai li chi, 6.2b-3a.
[271]Huai nan tzu, 21.7a.
[272]Tso chuan chu shu, 59.17a-19a.
[273] Sobre Huan Tui, ver VII.23.
[274] Ver p. 209.
[275] Citado na p. 60.
[276] É interessante que ao longo da conversa Tzu-lu permaneceu em silêncio. O
fato é que Tzu-lu e Jan Yu nunca estiveram a serviço do Chi Kang Tzu na
mesma época. Essa conversa deve ter sido entre Confúcio e Jan Yu sozinhos, e o
nome de Tzu-lu foi acrescentado por alguém que desconhecia os fatos.
[277]Han fei tzu, 19.7b.
[278] Sobre essas duas passagens, há, entretanto, em XIII.4, uma variante na
qual se lê Jan Yu em vez de Jan Tzu.
[279]Li chi chu shu, 51.16a-b.
[280]Ching tien shih wen, 1.30b.
[281] Para um exemplo onde yi, significando mudança, tem uma variante yi que
é uma partícula, ver p. 174.
[282] A versão de Cheng Hsüan não existe mais, embora a cópia parcial de um
manuscrito feita por um aluno de doze anos em 710 d.C. tenha sido descoberta
em Sinkiang, em 1969.
[283]Kao hsin lu, p. 512-13.
[284] Na presente tradução, tzu é consistentemente traduzido como o Mestre e
Kung Tzu como Confúcio.
[285] Por exemplo, Kung Tzu é usado em III.19 porque Confúcio falava com
o duque Ting e em XIV.32 porque Wei-sheng Kao era um homem mais velho,
como pode ser visto pelo modo como ele se refere a Confúcio, como Chiu.
[286] Ver p. 164.
[287]Nan hua chen ching, 2.27b-29a.
[288] Tzu ming wei shui (Qual o seu nome?) (Kung-yang chu shu, 15.14a.)
[289] Há uma terceira história que provavelmente pertence a essa categoria. Em
VI.28 há um relato da fúria de Tzu-lu por causa da audiência que Confúcio tivera
com Nan Tzu, a famosa esposa do duque Ling de Wei. Aqui, entretanto, não
temos evidência de que a história seja apócrifa.
Sobre o autor
Confúcio (551-479 a.C.), embora tivesse origens nobres, nasceu em
circunstâncias bastante humildes no reino de Lu, na atual Shantung, em uma
época em que o domínio imperial estava em declínio. Ele era um grande
admirador do duque de Chou e via a si próprio como o depositário da antiga
cultura Chou, mais do que um inovador. Pregava uma filosofia moral que tinha o
homem como peça central. Para ter responsabilidade moral, ele acreditava, um
homem deve pensar por si próprio. Essa crença fez com que Confúcio desse
tanta importância ao pensamento quanto ao aprendizado. O conceito central da
sua filosofia era o chün tzu, um homem cujo caráter contém a virtude da
benevolência e cujos atos estão de acordo com os ritos e a retidão. Para
Confúcio, assim como para toda a tradição chinesa, a política é apenas uma
extensão da moral: contanto que o governante seja benevolente, o governo
trabalhará naturalmente pelo bem do povo.
Depois de viajar durante mais de dez anos por vários reinos, Confúcio,
percebendo que não havia esperanças de converter nenhum dos senhores feudais
ao seu modo de pensar, voltou para o reino de Lu, onde passou o resto da vida
ensinando a um grupo de talentosos e devotados discípulos.
Durante a dinastia Han do Oeste, o confucianismo tornou-se a filosofia
oficial e manteve-se nessa posição até o século XX. Inevitavelmente, os
ensinamentos sofreram distorções ao longo do tempo. O Lun yü, comumente
conhecido como Os analectos, foi tão lido na China ao longo do tempo quanto a
Bíblia foi no Ocidente e é o único registro confiável dos ensinamentos de
Confúcio.
Texto de acordo com a nova ortografia.
Título original: The Analects © DC Lau, 1979 (First published in the United
Kingdom by Penguin Books Ltd, 1979)
Capa: Ivan Pinheiro Machado sobre Retrato de Confúcio do século XVII,
Biblioteca Nacional, Paris / Bridgeman Art Library.
Tradução do chinês, introdução e notas de D. C. Lau
Tradução do inglês: Caroline Chang
Revisão: Renato Deitos, Bianca Pasqualini e Jó Saldanha
CIP-BRASIL. Catalogação-na-fonte
Sindicato nacional dos editores de livro, RJ.
C759a
Confúcio, 551-479 a.C.
Os Analectos / Confúcio ; tradução do inglês de Caroline Chang ; tradução do
chinês, introdução e notas, [glossário de nomes e apêndices sobre a vida de
Confúcio e de seus discípulos] de D. C. Lau ; . Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.
(Coleção L&PM POCKET ; v.533)
Tradução de: The analects
Apêndices
ISBN 978.85.254.2248-4
1. Confúcio, 551-479 a.C. 2. Filosofia confucionista. I. Lau, D. C. (Dim Cheuk). II.
Título. III. Série.
CDD 181.09512
CDU 1(31)
© DC Lau, 1979
First published in the United Kingdom by Penguin Books Ltd, 1979
The moral rigths of the author have been asserted
Todos os direitos desta edição reservados a L&PM Editores
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Table of Contents
Agradecimentos
Introdução
Os analectos
Livro I
Livro II
Livro III
Livro IV
Livro V
Livro VI
Livro VII
Livro VIII
Livro IX
Livro X
Livro XI
Livro XII
Livro XIII
Livro XIV
Livro XV
Livro XVI
Livro XVII
Livro XVIII
Livro XIX
Livro XX
Apêndice 1 - Acontecimentos na vida de Confúcio
Cronologia
Apêndice 2 - Os discípulos tal como aparecem em Os analectos
Apêndice 3 - Lun y ü
Obras citadas
Notas
Sobre o autor
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